Chile: Uma heróica luta pela democracia

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Chile: Uma heróica luta pela democracia

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Saiu no Chile um livro que conta uma história grandiosa. Na verdade, o livro não é um só. Trata-se dos volumes I e II de Os que disseram Não: História do movimento dos marinheiros antigolpistas de 1973. Este é o título escolhido pelo historiador Jorge Magasish para narrar como se deu o movimento constitucionalista que tentou bravamente defender o governo da Unidade Popular do presidente Salvador Allende contra a agressão patrocinada pela CIA e levada a cabo no mês de setembro daquele ano.

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Jorge no lançamento do livro em Bruxelas

O governo de Allende viria a sucumbir, e o próprio presidente acabou assassinado no palácio de La Moneda, sede do governo chileno. O general Augusto Pinochet assumiria o posto de gerente da exploração e da opressão ditadas desde o USA e administradas pelas elites chilenas. Como ditador, ele permaneceu por quase vinte anos, praticando toda sorte de desmandos e instaurando o terror da repressão contra o povo do Chile.

Mas o legado da resistência do povo chileno permanece vivo, e agora ganha um capítulo especial com o registro da história de insurgência no seio da marinha contra o poder do imperialismo e dos altos oficiais mancomunados com o poder econômico.

Jorge Magasish diz que a dissidência nas forças armadas em 1973 se manifestou desde os que se resignaram com o fato consumado do golpe, mas se recusaram a torturar ou assassinar companheiros de farda, até aqueles que se dispuseram a enfrentar abertamente a truculência dos gorilas do exército, da marinha e da aeronáutica.

Os primeiros se guiaram por valores humanistas e pela solidariedade elementar, enquanto os segundos se identificavam profundamente com um governo de esquerda que defenderam, muitas vezes, até a morte.

Ou seja, houve aqueles que simplesmente se negaram a participar do golpe contra as instituições e o povo do Chile, e aqueles que se organizaram para tentar impedir a agressão do USA em dobradinha com a burguesia e os altos milicos do país, e estes foram particularmente representativos na marinha, que por sua vez era uma instituição profundamente marcada pelas tensões de classe.

Repressão aos insurgentes

Em "Os que disseram Não", Jorge Magasish conta que entre 1970 e 1973 várias centenas de integrantes da marinha chilena se posicionaram contra o golpe militar que estava sendo preparado pela alta oficialidade diante de seus olhos. Sargentos, cabos e marinheiros começaram a organizar grupos antigolpistas nas quatro seções da marinha: na esquadra, nas escolas especiais, nas unidades de aviação e nos estaleiros.

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Fotos de marinheiros rebelados — detalhe da capa

Estes militares constitucionalistas passaram a manter contato com pessoas próximas da Unidade Popular para informar o governo Allende da conspiração em marcha ao mesmo tempo em que se organizavam para o confronto iminente.

Mais tarde, os antigolpistas são descobertos pelos serviços de inteligência do exército. De acordo com o livro, as primeiras detenções dos insurgentes da marinha aconteceram no dia 5 de junho de 1973, três meses antes da tomada do palácio de La Moneda. As prisões seguintes tiveram lugar no final de julho e a partir do dia 5 de agosto são desencadeados verdadeiros ataques contra os militares constitucionalistas.

"Os anos trágicos que viriam a seguir se encontram resumidos neste drama", diz Magasish. Ao longo dos 36 dias transcorridos entre a deflagração dos expurgos generalizados levados a cabo pelos oficiais golpistas e o golpe de Estado propriamente dito, os milicos começam a ensaiar o regime que iriam impor ao restante do povo chileno. Os antigolpistas são os primeiros detidos a serem isolados e brutalmente torturados.

O historiador acredita que a expressão "primeira vez" pode ser aplicada ao caso dos insubordinados integrantes da marinha chilena naquele fatídico ano de 1973, uma vez que a repressão aos antigolpistas significou ao mesmo tempo para o Chile "o crepúsculo da democracia e a emergência da ditadura". Pela primeira vez, militantes de esquerda foram sequestrados de dentro de suas casas, transmissões de rádio foram cortadas ilegalmente, e manifestações de apoio aos constitucionalistas da marinha — e, portanto, de apoio a Allende — foram reprimidas com violência e seus participantes foram presos.

Os golpistas começam ainda a aparelhar os primeiros torturadores. Não se garante mais aos advogados o direito de ver seus clientes, e não se observa mais o prazo de cinco dias para que uma pessoa detida seja apresentada diante de um juiz.

A história toda é muito rica. Não por acaso, os volumes I e II de "Os que disseram Não" têm ao todo mais de 900 páginas, ao longo das quais se passa a limpo um exemplo de homens que honraram seu país e todo nosso continente.

O golpe e os gringos

Trecho de uma reportagem feita pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez, publicada na revista Alternativa em março de 1974. O texto foi editado recentemente pela editora Record como parte do livro Reportagens Políticas, que reúne a produção jornalística de García Márquez sobre questões da Europa e da América Latina.

"No final de 1969, três generais do Pentágono jantaram com quatro militares chilenos numa casa dos subúrbios de Washington. O anfitrião era o então coronel Gerardo López Ângulo, adido aeronáutico da missão militar do Chile nos Estados Unidos, e os convidados chilenos eram seus colegas de outras armas. Os sete convidados (…) falaram em inglês sobre a única coisa que parecia interessar aos chilenos naquele momento: a eleição presidencial de setembro.

À sobremesa, um dos generais do Pentágono perguntou o que faria o exército chileno se o candidato da esquerda, Salvador Allende, ganhasse a eleição. O general Mazote respondeu:

— Tomaremos o palácio de La Moneda em meia hora, ainda que tenhamos que incendiá-lo.

Um dos convidados era o general Ernesto Baeza, atual diretor de Segurança Nacional do Chile, que acabou dirigindo o assalto ao palácio presidencial no recente golpe e deu a ordem de incendiá-lo. Dois de seus subalternos daqueles dias se celebrizaram na mesma jornada: o general Augusto Pinochet, presidente da Junta Militar, e o general Javier Palacios, que participou da refrega final contra Salvador Allende. Também se encontrava à mesa o brigadeiro Sergio Figueroa Gutiérrez, atual Ministro de Obras Públicas, e amigo íntimo de outro membro da Junta Militar, o Marechal-do-ar Gustavo Leigh, que ordenou o bombardeio aéreo ao palácio presidencial. O último convidado era o atual almirante Arturo Troncoso, agora comandante da base naval de Valparaíso, que fez o expurgo sangrento da oficialidade progressista da marinha de guerra e iniciou o levante militar da madrugada do 11 de setembro.

Aquele jantar histórico foi o primeiro contato do Pentágono com oficiais das quatro armas chilenas. Em outras reuniões sucessivas, tanto em Washington como em Santiago, chegou-se ao acordo final de que os militares chilenos mais ligados à alma e aos interesses dos Estados Unidos tomariam o poder caso a Unidade Popular ganhasse a eleição.

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