Choque de ordem ataca no carnaval carioca

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Choque de ordem ataca no carnaval carioca

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Apesar de toda a alegria do carnaval de rua do Rio de Janeiro — com mais de 400 desfiles de blocos por toda a cidade — o choque de ordem não deu descanso para os camelôs. Somente nos blocos pré-carnavalescos, a Seop (Secretaria de Ordem Pública) apreendeu 1,6 mil latas de cerveja, 380 de refrigerante, 262 garrafas de água, 15 isopores, 10 carrinhos para transportar mercadoria e 212 adereços. Durante o carnaval, a guarda municipal montou um esquema de guerra para atacar os camelôs, que sem opção e apesar do medo de serem roubados, foram para a rua mesmo assim.

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Durante o carnaval, vendedores ambulantes tiveram suas mercadorias roubadas pelo choque de ordem

Entre os dias 4 e 13 de fevereiro, a reportagem de AND acompanhou de perto o esquema de repressão montado pela prefeitura para impedir o trabalho de camelôs não-credenciados. No total, durante esse período, foram roubadas dos comerciantes 3,7 mil latas de cerveja, 792 de refrigerante, 1,1 mil garrafas de água, 429 de outras bebidas variadas, 71 isopores, 27 carrinhos utilizados no transporte de mercadorias, além de vários outros objetos, como fantasias, sprays de espuma e cigarros.

Um mês antes do carnaval, a prefeitura distribuiu 5 mil credenciais para camelôs que trabalhariam vendendo nos blocos de rua. Porém, estima-se que o número de trabalhadores que dependem do carnaval para sobreviver chegue a 100 mil.

As credenciais foram distribuídas na Vila Olímpica da Gamboa, um mês antes do carnaval. Os camelôs credenciados receberam um guia, crachá, colete e boné de identificação. Contudo, somente na fila onde o material foi distribuído, um dia antes do início do credenciamento, havia cerca de 15 mil camelôs aguardando.

Eu dormi na fila da Vila Olímpica pra pegar a minha credencial, mas quando eu cheguei, já tinham uns dez mil na minha frente. Eu continuei na fila, porque achei que eles [da prefeitura] iam entender o nosso lado. Cinco mil licenças é muito pouco. Tem camelô pra caramba querendo trabalhar no carnaval. Fiquei lá à toa. Mesmo assim, tô aqui trabalhando, porque não tenho opção. Preciso desse dinheiro. Eu vendo na Central há seis anos, mas é com o dinheiro do carnaval que posso pagar o que devo, comprar alguma coisa para os meus filhos, para minha esposa — conta um camelô.

Na Gávea, na zona Sul do Rio, para garantir o lucro dos  bares e restaurantes, os camelôs foram duramente reprimidos pela guarda municipal. Enquanto todos se divertiam, um comerciante, aflito, passou por seus companheiros e gritou: “Olha o rapa! Corram, pois já levaram toda a minha mercadoria”. Na mesma hora, todos começaram a correr, deixando como única opção para os foliões o preço dobrado dos bares e restaurantes que existem no local.

É um absurdo isso! A gente não está roubando nada. O povo mesmo gosta da gente, porque a cerveja dos bares é muito cara. Eles expulsam a gente daqui porque os donos dos restaurantes que têm que faturar. A gente não pode ganhar um dinheirinho, não. A gente tem que trabalhar para eles, varrendo, limpando e servindo. Trabalhar para si não pode mais. Tem que ter patrão. Eu trabalho aqui no Baixo Gávea há 15 anos. Todo mundo me conhece. Comemoração de torcidas, quando um time ganha um título, eu estou aqui. Toda segunda-feira eu estou aqui. Quem são eles para me dizer onde pode e onde não pode trabalhar? — pergunta outro comerciante.

Em Laranjeiras, um camelô credenciado, muito irritado com a maneira arrogante como os guardas municipais ordenaram-lhe que saísse do caminho do bloco Bagunça o Meu Coreto, relatou ao AND os abusos da guarda municipal que já presenciou em seus 12 anos de comércio ambulante.

Outro dia eu estava vendendo em Ipanema, duas semanas antes do carnaval, veio um guarda municipal e disse “Perdeu! Qual vai ser o desenrolo?”. Eu perguntei “como assim?”. Ele levou dez energéticos para me deixar vender o resto. Vinte minutos depois vieram outros guardas municipais e levaram tudo. Já chegaram tomando e jogando na caminhonete. Eu disse que já tinha conversado com o outro guarda, mas eles disseram que se eu batesse boca iam tomar a minha bolsa e me levar preso. Resumindo, me extorquiram, roubaram minhas coisas, ameaçaram roubar meu dinheiro e ainda disseram que, se eu falasse alguma coisa, iam me levar preso. Que país é esse? — pergunta.

Não sei quem é pior: guarda municipal ou polícia. Acho que polícia só é pior porque mata. Mas guarda municipal gosta de bater na gente também. Ainda mais depois que deram essas armas de choque e de pimenta na mão desses caras, eles usam pra qualquer coisa. Se o cara chega para tomar a tua mercadoria e não vai com a tua cara, já atira logo pimenta em você. É uma sensação horrível, parece que o teu corpo está pegando fogo. Já vi eles espancando camelô. Mais de vinte chutando um só, no chão. Só porque o cara disse que se não dessem protocolo ele não ia dar a mercadoria nem o “burro-sem-rabo” [carrinho de mão]. Os caras, na hora, juntaram nele, levaram a mercadoria dele e largaram ele no chão, todo quebrado. A galera em volta que ligou para a ambulância. Se não fosse isso, o cara ia ter morrido ali mesmo — relata.

Em Santa Tereza, onde seis blocos desfilaram durante o carnaval, camelôs também estavam revoltados com o ataque levado a cabo pela prefeitura no dia anterior ao desfile do bloco Carmelitas.

Eu vim trabalhar ontem no bloco Céu na Terra e a guarda municipal me levou 200 reais de mercadoria. Hoje eu cheguei para trabalhar cedo, com um isopor emprestado e, por enquanto, está tudo tranquilo. Mas é uma injustiça a gente ter que trabalhar com medo de ser roubado pela própria prefeitura. A gente se sente como se fosse bandido — diz um camelô.

Sempre vendi cerveja no carnaval. Sou serralheiro e, enquanto todo mundo se diverte, eu trabalho para ter um dinheiro a mais. Esse é o último ano que eu trabalho, porque desde que começou esse negócio de choque de ordem, virou prejuízo vender qualquer coisa. Do que adianta, você vende bem dois dias e, no terceiro, vem um guarda, leva tudo e te deixa no prejuízo? — lamenta.

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