Em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, estudantes da UFF — Universidade Federal Fluminense — que há três anos travam uma árdua batalha contra a reitoria e os gerenciamentos de turno em defesa da moradia estudantil, agora se deparam com um velho estorvo dos movimentos populares. Partidos oportunistas — como PSOL e PSTU — à frente do Diretório Central dos Estudantes da UFF e aliados à reitoria, ameaçam despejar os estudantes acampados no último andar do próprio prédio do DCE, agora palco de diuturnas orgias e ‘cervejadas’ promovidas pela atual gestão.
Reunião do antigo acampamento no Gragoatá
Não é de hoje que os estudantes do AMJB — Acampamento Maria Júlia Braga*, o quilombo da universidade — padecem com os ataques de setores comprometidos apenas com aniquilamento da educação pública. Desde 2006 — quando moradores da Casa do Estudante foram autoritariamente despejados — que o combativo movimento por moradia vem sofrendo consecutivos ataques, primeiro da gerência estadual, depois da reitoria da UFF e, agora, de partidos oportunistas a frente do DCE.
Josemar Santos da Fonseca, 32 anos, estudante de filosofia da UFF, é integrante do AMJB desde a sua origem e contou à reportagem de AND um pouco dessa dura trajetória de luta por moradia.
— Em 2006 havia uma tensão muito grande dentro da Casa do Estudante, entre os estudantes combativos que moravam no local e o governo do estado, que administrava o espaço e não admitia a livre organização dos moradores, além de impor um estatuto inconstitucional. Na ocasião nós chegamos a intensificar nossa organização, mas o governo do estado endureceu o tratamento e despejou vários estudantes — lembra Josemar.
Uma das mensagens políticas nas paredes do acampamento Maria Júlia Braga
Na mesma matéria, os moradores despejados da Casa do Estudante também denunciavam a gerência estadual por "exigir exame médico anual para saber se o estudante era portador de doença infecto-contagiosa".
— Em seguida esse movimento seguiu a duras penas pressionando de diversas maneiras a reitoria, que inclusive tentava cooptar os militantes com bolsas individuais. Então nós ocupamos o gramado do Gragoatá em frente ao prédio da reitoria, de onde também fomos obrigados a sair. Saímos do gramado, mas ficamos por seis meses ocupando a reitoria, que foi desocupada depois de violenta ação policial. E por último, viemos para o prédio do DCE que, teoricamente deveria nos apoiar, mas que na prática, trata-se de um grupo que está há dez anos à frente do diretório e tenta ganhar o apoio dos estudantes de maneira clientelista, com festas e choppadas, ao invés de discussão política — explica o estudante Josemar.
Na ocasião em que esteve no AMJB, a reportagem de AND passou pelo 4º andar do prédio do DCE, que promovia uma choppada de moda em pleno horário de aula, o que incluía um exagerado consumo de álcool pelos estudantes — comercializado pelo próprio DCE — funk e pagode tocado no último volume e muito lixo pelo chão — inclusive copos e garrafas quebradas. Ao mesmo tempo, no Acampamento Maria Júlia Braga, um andar acima dos festejos oportunistas, acontecia uma aprofundada discussão política com participação de professores e estudantes, seguida de uma vigorosa roda de capoeira.
Pelegos e reitor de mãos dadas
Segundo o estudante do curso de Serviço Social e integrante do AMJB, Guilherme Lopes Latini, de 23 anos, a atual gestão do DCE, dirigida pelo PSOL e pelo PSTU — e empossada após despolitizado processo eleitoral — não dialoga com os estudantes e não se contrapõe à lógica de repressão e privatização imposta pela reitoria.
— Hoje aqui na UFF nós temos um reitor com uma prática política totalmente fisiológica, que privatiza cada vez mais o espaço da universidade e reprime a organização dos estudantes. Paralelo a isso nós temos grupos oportunistas na diretoria do DCE que não têm diálogo conosco, pois sabem que nosso trabalho é de consolidação da luta combativa por uma universidade de novo tipo, por uma educação pública gratuita e de qualidade, o que inclui moradia para os estudantes. Prática que fica mais clara após essa nova iniciativa de enfrentamento promovida por eles de quererem nos tirar aqui do quinto andar, com o injustificável pretexto de reformar o piso. Já nos impuseram uma choppada aqui sem nos consultar, quando, ao fim, nossos pertences foram danificados e urinados. Fatos como esses ainda são usados por esses partidos para colocar os estudantes contra nós. Para isso eles chegam ao ponto de dizer que nós atrapalhamos as festas e somos um bando de desempregados — protesta Guilherme.
Chopada no prédio do DCE em horário de aula
Mas, segundo Josemar, apesar de todas as dificuldades, a luta dos estudantes não vai parar e aos poucos se torna referência de resistência às políticas de destruição da universidade pública.
— Nós estamos dialogando com diversos setores da sociedade, não só na luta para manter o acampamento, mas também para a manutenção de um espaço onde sejam discutidas contradições sociais como o ‘choque de ordem’, por exemplo. Nós estamos com um projeto agora que se chama Apoio Mútuo Cultural Anti-capitalista, que visa promover atividades culturais que possam utilizar esse espaço de maneira combativa e com um viés engajado — explica.
Em nota divulgada pelo AMJB com o título "Santa Aliança: PSOL, PSTU e Reitoria", os estudantes combativos, mais uma vez ameaçados de despejo, concluem que "os oportunistas não serão capazes de efetuar o despejo com suas próprias mãos, mas estão aliados à reitoria e tentarão assim, usá-la como intermediária. Por isso, é importante que todos que se opõem a essa política de ataque do movimento estudantil burocrático contra o AMJB critiquem e combatam tal ação. Olho vivo nessa corja".
* Maria Júlia Braga era a proprietária do prédio Casa do Estudante Fluminense e abria as portas de sua casa para estudantes pobres, que não tinham condições de pagar uma moradia digna nas proximidades da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. No testamento de Maria Júlia, ela entregou o espaço ao governo do estado, para que seu projeto de moradia para estudantes proletários continuasse funcionando. E assim, surge em 1949 a Casa do Estudante, duramente atacada durante a gerência militar, por conta da combatividade de seus moradores, e em seguida pelo gerenciamento de Rosinha Garotinho, quando em 2006, 21 moradores foram despejados por perseguição política.