Toda sexta-feira, o barulho e a fumaça do trânsito na principal Avenida de Goiânia dão lugar ao som melódico de flauta, pandeiro, cavaquinho, violão e outros instrumentos musicais.
As cadeiras tomam a calçada e metade da Avenida em frente ao Grande Hotel, antigo cartão postal da cidade. O trânsito é desviado para que a música, verdadeiramente brasileira, possa fazer do centro da cidade o seu palco e do transeunte habitual da capital seu mais nobre ouvinte.
Não há nada no passado, pelo menos aparentemente, que ligue o Grande Hotel ao choro, mas hoje representa a junção de dois patrimônios históricos e culturais do povo brasileiro. O Grande Hotel é parte da história de Goiás e o choro, parte da história da música e da formação da sociedade brasileira.
O projeto Grande Hotel revive o choro é de autoria de Oscar Wilde, professor e músico, e tem o apoio da prefeitura municipal de Goiânia.
— O projeto foi feito com o objetivo de reviver o choro e levá-lo para toda a população — afirma Oscar.
O professor faz questão de frisar que o projeto também tem um caráter de resistência cultural para que os brasileiros não percam sua identidade. Ele afirma que, na atualidade, com o bombardeio de manifestações culturais estrangeiras através da globalização — que no fundo servem para dominar o nosso povo — é preciso criar oportunidades para a preservação das nossas autênticas manifestações artísticas. Para isso, nada melhor do que divulgar o choro, que para Oscar é a própria representação da alma brasileira.
Para o povo
Para montar o projeto, Oscar definiu como público alvo o povo trabalhador de Goiânia. Isso porque, segundo ele, professores, estudantes universitários e outras camadas sociais médias já conheciam o choro.
— O objetivo maior é levar a cultura do choro, da música brasileira para o povo que não tem a oportunidade de ouvir a música de qualidade porque as rádios não tocam esse tipo de música. Hoje, em alguns lugares, o choro ainda toca porque o povo sentiu que a música é bonita, de qualidade e exigiu, foi o poder do povo — explica Oscar.
E continua:
— A gente sabe, cada vez mais, que o povo brasileiro gosta de boa música e não tem a oportunidade de ouvir. E quando você coloca o choro na rua, na calçada, é bem a cara do choro mesmo. O choro bem extrovertido, bem informal, mostrando a cara alegre do choro. No projeto, no final, para coroar, a gente faz uma roda de choro, chamando todos os músicos presentes para tocar. É um grande caldeirão de informalidade, mas de altíssimo nível.
Partindo do princípio de levar o choro ao povo é que o local escolhido foi a rua. E o horário, 19h, fim do expediente diário de trabalho para a maioria da população. O idealizador do projeto comenta a escolha:
— Este projeto foi montado na rua para que as pessoas que se sentem humildes possam participar. Montamos uma estrutura na rua e o show começa às 19h para que os funcionários, os operários que estão saindo do trabalho possam participar.
— Por ser na rua, tem os pipoqueiros, o algodoeiro, o churrasqueiro, todo mundo feliz, vendendo seus produtos sem medo do rapa. Todo mundo se divertindo, com boa arte. Uns cantam, outros conversam, tem gente que dança, cada um faz do seu jeito. Das 19h às 22h é só alegria. A gente fecha o centro com a música de ótima qualidade.
E ele completa:
— A rotina dos trabalhadores é trabalhar, pegar ônibus lotado e assistir televisão em casa. Agora eles têm uma opção, ouvir música de qualidade. Eles vão falando para a família, os vizinhos e tenho certeza de que vamos encontrar pérolas lindas vindas da periferia, que nunca teriam a chance de ser músicos.
A presença do público jovem é outro fator que comprova o sucesso do projeto. A juventude é bombardeada com músicas de péssima qualidade, muitas vezes apenas poluição sonora, que propagam o conformismo, a opressão da mulher, a violência e as drogas, por exemplo. Há quem afirme que é a juventude que gosta de porcaria e por isso nutre este tipo de barulho.
Mas o choro, na rua, tem mostrado que a juventude aprecia a música popular brasileira. O choro é uma música para todas as idades. Toda sexta-feira eles invadem a Avenida Goiás em busca de um dos mais dignos representantes da verdadeira música brasileira. Aos poucos, foram demarcando seu espaço e hoje já são a maioria do público. Eles cantam, dançam e se divertem. Oscar Wilde explica como este fenômeno acontece:
— Quanto à turma jovem, eles estão aparecendo cada vez mais, e em massa. Isso é próprio da conduta do público do choro. Você começa trabalhando com os veteranos do choro, com os amigos dos veteranos, com o pessoal da velha guarda. Aos poucos, vão chegando os universitários, os filhos dos chorões, e aí vai invertendo, o choro vai ficando cheio de jovens. Tem tanto que nós vamos precisar das duas pistas da Avenida…
Grandes shows
O projeto tem promovido grandes shows musicais gratuitos. O Recital de abertura, no dia 2 de março, na sacada do Grande Hotel, foi realizado pelo grupo Alma Brasileira, do qual Oscar faz parte.
Segundo Oscar, mas de trinta grupos já se apresentaram no projeto. A maioria deles não tem CD gravado, por isso, o palco montado na rua, funciona como uma grande vitrine, dando visibilidade à boa música e aos bons músicos.
As apresentações são interrompidas aos feriados, mas voltam com força total na semana seguinte.
Novos talentos
O projeto quer identificar e educar novos talentos musicais, formando novos grupos de choro e preparando professores paras as casas de cultura.
Para atingir este objetivo, o projeto abriu, no mês de março, inscrições para oficinas sobre o choro e instrumentos musicais. Após essa etapa, os participantes passaram por entrevistas individuais para que os professores pudessem definir o nível de conhecimento musical dos novos talentos.
— É a turma de crianças, que tem muita pureza, que é o alvo do projeto. Vamos formar novos chorões. A gente os ajuda a crescer, eles direcionam a vida para o estudo e não se perdem com outras coisas. Mas nós também vamos ter pessoas que já tocam. Elas vão ter um pouco de aulas de choro e depois vão pro palco, para ver a resposta do público.
As aulas, que são individuais, começaram, mas foram interrompidas por falta de local adequado ao ensino. Agora, os novos chorões esperam a conclusão da adaptação do prédio do Grande Hotel para retornarem às aulas.
Segundo Oscar, o projeto tem 80 alunos matriculados. Apesar de surgirem novos interessados a todo o momento, as inscrições já foram encerradas porque os professores são insuficientes para atender mais pessoas.