Apaixonado pela cidade de Macaé/RJ, onde mora desde menino, o dramaturgo Ricardo Meirelles ganhou destaque no cenário do teatro nacional e internacional quando sua peça Palácio dos Urubus, proibida pelo regime militar de ser montada aqui, ganhou prêmio na Alemanha. Preocupado com o futuro, além de escrever para teatro, Ricardo está a frente de um projeto que busca manter viva a identidade cultural do povo macaense, que vem sido massacrada desde que a Petrobras se instalou na cidade para exploração de petróleo.
— Minha ligação com o teatro começou aqui em Macaé, em 1966, quando ingressei no grupo de teatro do Moadyr Vitorino. Nos anos 70, reabriu o Concurso Nacional de Dramaturgia e fui um dos premiados, mas aconteceu algo inusitado: A primeira colocada Rasga coração, do Vianinha, foi proibida de ser montada. A segunda também, e a minha, Palácio dos urubus, também (risos). Vê-se a contradição do regime: reabriu-se um concurso que eles mesmos tinham enterrado e os vencedores não puderam expressar sua arte — constata Ricardo Meirelles.
A peça falava de um país fictício, que na verdade retrata o Brasil. Foi toda feita em tom de comédia, como uma farra, com participação de 40 atores.
— Imaginei um país chamado ‘Babaneiralle’, um nome que não significa nada, porque não podia ser Brasil e nem fazer referências.
Coloquei ali um regime ditatorial que era uma monarquia. Havia uma corrupção enorme. A corte vivia de não fazer nada, da exploração do povo. Os acontecimentos ficam correndo nessa base, até que o povo resolve tomar o poder. Se une para derrubar o regime. Invade o palácio dos urubus e vai tomando a mesa farta dos poderosos — conta.
— Constitui-se um novo regime. Ministros, pessoas próximas ao rei, todos que estavam no poder, vão sendo fuzilados. Quando chega a hora do rei, dá-se a ele o direito de falar uma palavra. Então, em vez de dizer ‘viva a monarquia’ ou algo assim, diz ‘viva a república’, que estava sendo instalada ali. Dessa forma, engana o povo. A partir daí, pode-se sentir que o poder vai saindo das mãos do povo e indo para pessoas que não participaram do movimento, mas souberam tomar conta dele — continua.
— Assim, vão se apropriando do movimento como sendo donos e termina com a notícia chegando aqui no Brasil de que foi instalado um novo regime em ‘Babaneiralle’, um regime de tendência democrática, popular. Mas não é nada disso. Inclusive, dentro da peça, um personagem do povo faz uma citação interessante: ‘mais uma vez o povo assiste sentado a proclamação de uma república’ — comenta.
Essa foi a peça que colocou Ricardo dentro da dramaturgia nacional e internacional. Foi montada e premiada na Alemanha, Venezuela e Islândia, sempre com atores locais.
O engraçado é que, como não podia colocar nomes que representassem brasileiros, dei nomes de jogadores de futebol dos times da Venezuela e da Colômbia, (risos) que na época não tinha um futebol muito conhecido. Não sei se os venezuelanos reconheceram ou associaram com os artilheiros de lá — brinca, acrescentando que a primeira montagem da peça no Brasil só se deu em 1981, pela Cooperativa Paulista de Teatro, que se apresentou em várias cidades brasileiras, inclusive Macaé.
Luta pela identidade macaense
Ricardo tem muitas outras peças montadas por grupos de todo o país, teatro de sala e rua, entre elas: Ferro-cidade, Os sobreviventes e Delicioso horror, peça que também foi censurada, porque falava sobre pessoas que desapareciam misteriosamente, sem maiores explicações, fato que ocorreu bastante durante o regime militar. Mas, apesar dos textos fortes, ele conseguiu não ser preso.
— Acho que é porque estava escondido aqui em Macaé, longe dos grandes centros e da ebulição dos movimentos dos estudantes. É claro que eles vieram pra cá também, mas foi mais na década de 60. Nessa época, ainda era estudante. Inclusive, me lembro que não entendia porque um professor tinha sido preso. Foi aí que percebi que uma pessoa pode ser presa por roubar, matar e outros delitos, mas também por pensar diferente do sistema — declara.
— Logo se deu a minha ingressão no teatro e fui tomando uma consciência social, ficando do lado da esquerda, não colaborando com o sistema, me conscientizando da luta do povo, me envolvendo com as greves. Na época, os ferroviários, muito presentes aqui em Macaé, ajudaram muito nisso, porque tinham uma forte consciência política. Não é a toa que acabaram com eles — comenta.
Ricardo também é professor de história e, por muitos anos, atuou em colégio estadual. Atualmente, além de continuar a escrever para teatro, está a frente do Acervo e Patrimônio Histórico do Município de Macaé, que funciona no museu da cidade.
— Nosso trabalho é pegar toda a referência histórica de Macaé para que a nossa identidade permaneça e seja disponibilizada para a população macaense, tanto a mais antiga quanto recente. Porque nesses últimos 30 anos, tempo que a Petrobras chegou aqui, recebemos um imenso fluxo migratório de pessoas que não têm identidade com o município. Isso é um progresso que não existe por uma questão cultural, social, política, mas somente econômica — declara.
— As pessoas vêm para ganhar dinheiro e vão embora. Com isso, a cidade está perdendo sua identidade. E, quando isso acontece, vamos nos tornando vazios, uma cidade oca. Já vi companheiros dizendo que talvez fosse melhor mudar daqui, porque o café que frequentava não existe mais, a casa de fulano foi derrubada, e assim por diante — expõe.
— Queremos manter a nossa história viva e dizer que temos mais tempo de existência do que esses 30 anos. Em 2013, a cidade comemorará 200 anos de independência política, tendo como forças econômicas a agricultura e a pesca. Nasci no Rio, mas moro em Macaé desde os dez anos de idade, assim, me considero daqui. Inclusive minha família era daqui e, há pouco, ganhei o título de ‘Cidadão Macaense’ . E só pude conseguir isso porque não nasci na cidade (risos) — finaliza Ricardo Meirelles.