1 A oligarquia financeira mundial saqueia o Brasil, inclusive através da dívida pública, inflada pela capitalização de juros absurdos, mesmo gerando, com só eles, gastos inúteis da ordem de R$ 350 bilhões anuais.
2 Assim, são sugados recursos tributários, que deixam de ser aplicados em investimentos produtivos, serviços públicos e infra-estrutura física e social. Para aumentar as verbas destinadas aos juros da dívida, os governos títeres têm confiscado poupanças dos brasileiros, através de emendas constitucionais, como a da DRU (desvinculação das receitas da União), que permite desviar, para o serviço da dívida, recursos da seguridade social.
3 Em especial, os contribuintes do INSS – assalariados, autônomos e empresários – têm sido espoliados pelas “reformas” da previdência de FHC e Lula, aprovadas no Congresso por meios nada democráticos.
4 O “fator previdenciário”, na realidade calote previdenciário, reduz os proventos de aposentadoria em percentuais maiores para quem começou a trabalhar com menos idade.
5 Um interlocutor informou-me que, tendo contribuído sobre dez salários mínimos, perde, por conta do tal “fator”, 37,5% de seu provento, que caiu para três salários mínimos, também por causa da falta de atualização monetária da tabela do imposto de renda.
6 Essa, conforme estudos técnicos, ficou 62% abaixo do que deveria, se fosse aplicado o índice de variação do IPCA de 1996 a 2013. Assim, em 1996, o IR incidia só em salários acima de 8 mínimos, enquanto que, em 2013, recaiu sobre quem ganha R$ 1.710,78: menos de 3 salários mínimos.
Estado e política financeira
7 Há anos, a mídia ocidental “prevê” o estouro de bolha imobiliária e financeira na China, o que anima os que esperam o fim da arrancada de desenvolvimento desse país e que ele deixe de equilibrar a balança de poder em face dos EUA.
8 Em recente artigo na britânica BBC, informa-se que, nos últimos anos, a China construiu um novo arranha-céu a cada cinco dias, mais de 30 aeroportos, sistemas de metrô em 25 cidades, as três pontes mais extensas do mundo, mais de 9,6 mil quilômetros de rodovias, de alta velocidade, e empreendimentos imobiliários comerciais e residenciais em grande escala.
9 Então, lembra que as expansões econômicas sempre terminaram em crises, ignorando que isso pode não valer em países não dominados pela oligarquia financeira.
10 Na China o Estado detém grande poder, independente das centenas de bilionários e milhares de milionários cuja existência propiciou nos últimos 37 anos, e os controladores do Estado não chegam a essa posição por eleições movidas a dinheiro e pela mídia.
11 As crises e colapsos financeiros podem ser evitados, porquanto dívidas podem ser reduzidas, refinanciadas e canceladas, exceto se os credores tiverem poder para não permiti-lo, ainda que isso signifique a derrocada da economia.
12 Dinheiro e crédito podem ser criados à vontade, como os EUA fazem com o dólar, e não só em proveito dos bancos, ao contrário do que lá se faz.
13 A oligarquia do Ocidente prefere a depressão ao saneamento da economia. Confiscou haveres de milhões de devedores, em lugar de deixar falir os bancos que haviam elevado, através de fraudes, as dívidas dos clientes e obtido lucros imensos, criando centenas de bilhões de dólares em novos títulos “lastreados” em títulos nada seguros.
14 Salvos pelo FED e pelo BCE (banco central europeu), os bancos não financiam atividades produtivas, porque a economia está estagnada, e a demanda fraca. Aplicam o dinheiro em novas especulações e emprestam aos Tesouros, endividados para ajudá-los.
15 Foi normal que o crescimento econômico da China se desacelerasse, após 30 anos com taxas em média superior a 10% aa. Mas não entrou em recessão mesmo com a queda na demanda por importações das economias ocidentais.
16 A China pode fazer ocupar a enorme área de apartamentos e espaços comerciais construída. Se a política econômica não é escrava das finanças “ortodoxas”, não há problema em financiar locatários ou adquirentes, mormente se os salários e a produtividade seguem em alta.
17 O próprio regresso de milhões de pessoas para áreas rurais pode ser administrado, dada a boa infra-estrutura de transportes, fomentando a produção agrícola descentralizada, em interação com as áreas urbanas.
O Estado no Brasil
18 Diferentemente da facilidade, por decreto, com que se podem arrumar as finanças, precisa-se de decênios e muita qualidade estratégica para reparar os estragos na economia real decorrentes da depressão econômica (deterioração da infra-estrutura e do capital humano, como nos ocidentais desenvolvidos) e os danos do subdesenvolvimento, caso do Brasil, que, desde 1954, entrega seu mercado às transnacionais.
19 Para começar, o País tem de deixar de ser escravo das finanças. Além disso, o desenvolvimento econômico só é viável, se também for social: se o Estado impedir a concentração econômica.
20 Há que incorporar capital e tecnologia do próprio País ao processo produtivo, tanto nos bens e serviços de consumo e de uso individual, como nos coletivos: energia, transportes, comunicações, saneamento, saúde, educação, cultura e informação.
21 Fundamental que essa acumulação seja bem distribuída, com mercados em competição, salvo em setores de monopólio natural, caso em que tem de ser estatal. Em suma, sem distribuição do poder econômico, não haverá a do poder social.
22 Nos países desenvolvidos, o Estado teve ação decisiva, depois negada na história reescrita ao gosto da oligarquia capitalista, que se fortaleceu com a concentração e subordinou a economia de mercado.
23 Surgiram, assim, teorias e políticas conducentes a reduzir o papel do Estado e sua função de agente do desenvolvimento, privatizar estatais, eliminar políticas de bem-estar, desregulamentar as finanças, a indústria, etc., mas privilegiando a produção de armamentos.
24 O Brasil não chegou ao desenvolvimento, porque teve sua economia desnacionalizada, após os golpes de Estado determinados pela geopolítica das potências imperiais.
25 O governo instalado pelo golpe de 1954 doou o mercado às empresas transnacionais (ETNs), e lhes deu subsídios inimagináveis: a) permitir às ETNs importar bens de capital usados, de há muito amortizados com as vendas dos seus produtos no exterior; b) atribuir a essas importações valores significativos; c) permitir seu registro como investimento estrangeiro; d) converter essas quantias em moeda nacional, à taxa livre de câmbio (cuja cotação equivalia ao dobro da taxa preferencial; e) converter os enormes ganhos à taxa preferencial, nas remessas às matrizes.
26 Esses favores foram mantidos e ampliados por Juscelino Kubitschek, ao final de cujo quinquênio (1956-1960), o País teve a primeira crise de dívida externa, desde os anos 30, tendo Vargas praticamente reduzido a dívida a zero em 1943.
27 O primeiro governo militar (1964-1967) diminuiu o investimento público e tornou proibitivo o crédito a empresas nacionais, fazendo falir grande número destas.
28 Debilitadas e excluídas do mercado as empresas nacionais, não há como desenvolver no País tecnologias, que só florescem em empresas que produzem bens para o mercado.
29 Os governos militares seguintes obtiveram altas taxas de crescimento sob o mesmo modelo de dependência financeira e tecnológica: a dívida externa cresceu aceleradamente, devido aos déficits de transações correntes causados por: remessas de lucros das ETNs, inclusive como despesas; subfaturamento de exportações; superfaturamento de importações, inclusive de equipamentos e insumos (usinas em pacotes tecnológicos fechados) para obras públicas e setores básicos, em concorrências com especificações desenhadas pelo Banco Mundial, em favor de grandes transnacionais.
30 O crescimento exponencial da dívida externa culminou na inadimplência em 1982, tornando o País refém do garrote externo e da dívida interna, em progressão galopante impulsionada pelas taxas de juros mais altas do mundo.
31 Desde a Constituição de 1988, com a introdução fraudulenta, no § 3º inciso II do art. 166, de dispositivo que privilegia o serviço da dívida, a União gastou, em valores atualizados, R$ 10 trilhões, sangria que se soma às demais decorrentes da desnacionalização e da concentração.
32 Outro desastre flui do art. 164, que nega ao Tesouro competência para emitir moeda e a atribui ao Banco Central, e este só pode financiar bancos, que se locupletam com as brutais taxas de juros dos títulos do Tesouro.
33 Desde os anos 80: queda nos investimentos públicos, intensificação da desnacionalização e políticas cada vez mais favoráveis aos grupos concentradores; a partir de Collor (1991), enxurrada de emendas constitucionais e leis contrárias aos interesses nacionais e as corruptas privatizações sob FHC, mantidas e ampliadas pelos governos do PT.
34 A administração pública foi desestruturada, e a normatização e a gestão de energia, petróleo, águas e tudo mais entregues a agências dirigidas por gente ligada a interesses que não os nacionais.
35 Portos, aeroportos e estradas têm sido objeto de novas concessões a grupos privados, sem obrigação de fazer melhorias, nem de mantê-los adequadamente, mas com direito a arrecadar tarifas.
36 Nas PPPs (parcerias público-privadas) os investimentos de infraestrutura são financiados, a juros favorecidos, por bancos oficiais, e realizados e geridos por grupos privados, com lucros garantidos e risco coberto pelo Estado.
37 Com a lei 9.478/1997, transnacionais exportam petróleo, pagando royalties em percentual muitíssimo inferior à media dos vigentes em países sem estatais com a tecnologia da Petrobrás. A demissão do Estado culminou com o leilão do pré-sal.
38 De JK ao presente, a infraestrutura de transportes visa só a propiciar ganhos às ETNs automotivas. As grandes cidades carecem de linhas de metrô suficientes. São Paulo tem cinco vezes menos kms de linhas que Shanghai. Tampouco se investiu correta e suficientemente em vias fluviais, canais e eclusas, navegação de cabotagem e ferrovias.
39 As políticas de energia e de telecomunicações são coleções de absurdos em favor de beneficiários das privatizações. A biomassa – que deveria ser a primeira das fontes de energia, ao lado das hidroelétricas – é não só preterida, mas boicotada.
40 Mais: o Estado subsidia escolas e instituições de “saúde” privadas, através de bolsas, enquanto negligencia a quantidade e qualidade das escolas e das instituições de saúde, públicas.
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* Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.