Estudantes acampam na reitoria da UFPR, relembrando velhos tempos do movimento estudantil
2 de dezembro, estudantes acampam em frente à reitoria, fazem manifestação junto a professores e servidores e queimam banner com propaganda do governo federal |
No dia dois de dezembro estudantes ocuparam o prédio central da reitoria da UFPR — Universidade Federal do Paraná. Eles reivindicavam a abertura de uma sindicância paritária com o objetivo de averiguar as denúncias relativas ao processo eleitoral para reitor e vice-reitor e a não homologação do resultado até que as denúncias fossem investigadas.
A consulta à comunidade acadêmica realizou-se no dia 23 de novembro. O candidato a reitor que obteve proporcionalmente mais votos é o atual reitor, Carlos Moreira Júnior, que disputava a reeleição. A diferença foi de 4,71% para o segundo colocado, Francisco Assis Marques. Carlos Moreira está sendo acusado de uso de veículos de comunicação de massa de forma indevida; envio de material dirigido para cotistas e estudantes do Provar (Processo de Ocupação de Vagas Remanescentes), sendo esses dados de uso exclusivo da Universidade; e coerção de técnicos, professores e estudantes para garantia do voto.
Nestes últimos anos, mandato do atual reitor, a universidade acelerou seus passos em direção à privatização. A incidência de cursos pagos, o convênio com uma fundação privada — a Funpar — e a inserção do sistema de cotas e do Provar sem o devido debate que essas mudanças exigem, mostram claramente a subvenção da reitoria da UFPR ao governo e sua “reforma” universitária.
O DCE — Diretório Central dos Estudantes, ao contrário do que afirma o reitor, não apoiou nenhuma chapa na eleição, apesar de ter uma visão crítica sobre a gestão Carlos Moreira. Mas independente de apoiarem qualquer chapa, os estudantes exigem que as denúncias sejam averiguadas pelo Conselho Universitário. Entretanto, só isso não basta. Os conselhos são espaços de deliberação interna da Universidade. Neles se definem as questões mais importantes referentes, por exemplo, ao planejamento, ensino, pesquisa e extensão da UFPR. Eles são compostos por professores, técnicos e estudantes na proporção 70%, 15% e 15%, respectivamente. Desta maneira, estudantes e técnicos juntos não somam metade do poder de voto dos professores.
Por isso, uma das bandeiras da ocupação foi a paridade no processo de sindicância para que os estudantes, que formam a grande maioria na comunidade universitária, tenham poder de voz.
Outras reivindicações dos estudantes são: voto universal na eleição para reitor, desocupação da polícia e seguranças privados no campus e sessões públicas nos conselhos.
Processo eleitoral
Desde 1986 a eleição para reitor e vice-reitor é realizada através da consulta às três categorias da comunidade acadêmica — professores, estudantes e técnicos — de forma paritária, ou seja, 1/3 de votos de cada categoria com pesos diferenciados (alunos 7/1, técnicos 2/1, professores1/1). A votação é de responsabilidade de suas respectivas entidades representativas: Apufpr (professores), Sinditest (técnicos) e DCE (estudantes).
O que fica posto é um “acordo de cavalheiros”. O resultado da consulta é entregue ao Conselho Universitário, que aponta como primeiro da lista tríplice o candidato vencedor na consulta, seguido pelos candidatos que tiveram o segundo e terceiro maior percentual de votos. Porém, os processos são desvinculados e não existe forma legal de o Conselho Universitário intervir sobre o processo de consulta, seu resultado ou a forma como ele é conduzido.
Todo o processo é organizado pelas entidades — a Comissão Paritária de Consulta é que institui os seus regimentos internos e os procedimentos da consulta. Por isso, mesmo a Comissão Paritária de Consulta levando ao Conselho o pedido de abertura de sindicância, este é apenas de caráter administrativo e não punitivo no sentido de impugnação de votos, chapas ou do processo. Isso porque esse processo de consulta, sendo apenas um acordo, não existe aos olhos do Conselho Universitário e se este deliberar de alguma forma sobre o processo, estará transgredindo a lei e sendo passível de sanções legais.
Volta à ditadura
O objetivo do ato de quarta-feira (30/11) era pedir a participação dos estudantes dentro do Conselho Universitário, no qual seria votado se haveria ou não a sindicância para investigar as irregularidades eleitorais. O DCE possui conselheiros para representar os estudantes, mas afirmava que um assunto tão decisivo para o rumo da universidade deveria ser aberto. Mesmo assim, a votação em conselho não aprovou a entrada de estudantes na sessão. Em seguida, houve confronto entre os estudantes que tentavam entrar na Reitoria e a Polícia Federal junto aos seguranças particulares contratados pela universidade. A reunião do conselho foi interrompida e a repressão por parte dos policiais teve direito a spray de pimenta, choques e ameaças de tiros.
No dia seguinte, os estudantes se reuniram com a reitora em exercício e vice-reitora da gestão atual, Maria Tarcisa Bega, para pedir entrada no conselho. Mais uma vez foram impedidos…
Na sexta-feira (02/12), segundo o DCE, o ato seria pacífico. Os estudantes pediam a sindicância que, afinal, foi aprovada, mas a paridade entre estudantes, técnicos e professores foi ignorada. Além disso, seria uma sindicância administrativa que puniria os funcionários e não os verdadeiros responsáveis pelos crimes eleitorais. A partir desses fatos os estudantes tentaram ocupar a reitoria, entrando em choque com cerca de 40 seguranças que guardavam a porta. Muitos estudantes se feriram e alguns, com ferimentos mais graves, foram levados para o Hospital de Clínicas. Iniciava-se a ocupação, com cerca de 40 estudantes dentro do prédio e 30 fora.
Conquistas e derrotas
Os estudantes acusaram o conselho de antidemocrático por não permitir que a sessão fosse aberta e responsabilizaram seus membros por eventuais problemas que pudessem acontecer à integridade dos estudantes que estavam fora do prédio. Por sua vez, diversos conselheiros se manifestaram afirmando que o conselho é um espaço democrático e que todos os conselheiros foram legitimamente eleitos pela comunidade acadêmica, assim como os próprios representantes dos estudantes. E, por isso, a vontade da maioria é legítima e democrática, representando as parcelas da comunidade que os elegeram.
A reitoria da UFPR foi à Justiça Federal pedir reintegração de posse do prédio ocupado pelos estudantes. O juiz negou a liminar e marcou uma audiência de conciliação, que ocorreu na tarde de quarta-feira (7 de dezembro). Apesar das divergências, as partes entraram em acordo: os estudantes deixaram o prédio, e a reitoria afirmou que os alunos não serão punidos pela ocupação, entretanto um processo administrativo será aberto para apurar os distúrbios na invasão do prédio, quando alguns vidros foram quebrados.
A ata da audiência assim pontuou: “A UF PR reconhece a natureza política da mobilização dos estudantes nos eventos ocorridos a partir do dia 30 de novembro passado (…). O reconhecimento da natureza política da mobilização implica na inexistência de penalidades disciplinares, exceção feita ao fato que ainda será objeto de conversação”. Ficou marcada uma reunião para o dia 15/12, na presença do juiz, em que as partes, ou seja, DCE e Carlos Moreira vão negociar as pautas de reivindicação dos alunos.
Os resultados foram entusiasticamente comemorados pelos estudantes. “A saída do prédio foi marcada por músicas de luta, gritos de guerra, muita festa e emoção, e a certeza de que finalmente o movimento estudantil mostrou sua força, sua união, e se colocou como parte ativa dessa Universidade, não se deixou vencer pelo cansaço nem pelas ameaças, desmascarou essa administração que se diz democrática e vai finalmente conseguir o que sempre quis… ser ouvido e respeitado! Fica nosso recado: Isso é só o começo! Porque agora que conhecemos nossa força os próximos anos serão de muita luta para barrar a ditadura do interventor Moreira.”
Mas, apesar das vitórias, o movimento sofreu uma grave derrota. O Conselho Universitário da UFPR homologou a lista tríplice, passando por cima da decisão (contrária) da Comissão Eleitoral, devido às denúncias envolvendo duas das três chapas concorrentes à eleição. Há opiniões de que a decisão do conselho foi arbitrária e antidemocrática, pois aprovou o resultado da consulta antes que as denúncias de irregularidades na campanha fossem apuradas. “A posição do Conselho Universitário mostra que ele está mais preocupado com o resultado da eleição do que com a apuração dos fatos. Qual o valor que vai ter daqui para frente a sindicância da Comissão Paritária se o Conselho Universitário já montou a lista tríplice e enviou para o MEC?”, questionou Francisco Assis Marques, candidato derrotado.
Fica então a pergunta: por que o Conselho Universitário não esperou a investigação do processo eleitoral? A pressa, nesse caso, tem cheiro de culpa. E o reitor, como é de praxe que o Ministro da Educação escolha o candidato mais votado, terá mais quatro anos de mandato. Pelo visto, o movimento estudantil no Paraná terá muito trabalho nos próximos anos.
Ocupação da reitoria da UFPR coloca em pauta o debate sobre a democracia nas universidades brasileiras
MEPR
Esses acontecimentos comprovam o que os estudantes de toda a América Latina já denunciavam desde o século passado: que não há verdadeira democracia nas nossas universidades, mas a reprodução da democracia burguesa representativa que, na verdade, representa os interesses da classe dominante. Contra a falta de democracia, pelo co-governo, em defesa da ciência e da liberdade de pensamento, os estudantes da Universidade de Córdoba, na Argentina, declararam greve geral e ocuparam a universidade em 1918. O movimento se alastrou pelas grandes universidades da América Latina, rechaçando a reforma universitária — que desde aquela época o imperialismo tentava impor aos países dominados — e exigindo uma verdadeira transformação da universidade.
Ainda hoje não alcançamos as transformações pelas quais lutaram os estudantes de Córdoba, em 1918, e também os estudantes brasileiros, nas décadas de 60 e 70. Ao contrário, ainda nos ronda a “reforma” universitária dos acordos MEC/USAID, agora com uma nova roupagem e um discurso demagógico e populista que propala a democratização do acesso ao ensino superior, mas que na verdade tem como modelo a UFPR: anti-democrática, privatizada, servindo aos interesses de grupos políticos e econômicos que se utilizam do patrimônio público para defender seus interesses particulares.
A ocupação da reitoria da UFPR é um marco para o movimento estudantil porque mesmo que os reacionários e oportunistas tentem distorcer os fatos, está muito claro que pela primeira vez em muito tempo, os estudantes reuniram-se em torno de algo muito maior do que uma eleição para reitor. O centro da pauta foi uma luta política; a questão de fundo que motivou e sustentou os estudantes durante cinco dias, enfrentando todas as dificuldades com firmeza e determinação foi a luta pela democracia na UFPR. E não poderia ser diferente, pois desde 2003 discute-se o caráter dessa contra-reforma universitária do governo Lula/Banco Mundial e suas facetas como o PROUNI, o ENADE, as Parcerias Público-Privadas. Há tempos os estudantes vêm se organizando contra os ataques à universidade pública, e contra a implementação da “reforma” universitária antes mesmo de sua aprovação no congresso. Chegou a hora da ofensiva, de exigir a verdadeira reforma universitária, construir com coragem e muita luta a universidade pública, gratuita, de qualidade, laica, autônoma, democrática, e principalmente, que sirva ao povo.
Mais uma vez o velho e podre movimento estudantil se desmascara. UNE/ Pecedobê/PT novamente mostraram que estão contra os estudantes e a favor do governo e de seu interventor. Enquanto os estudantes de luta apanhavam da polícia para garantir a apuração das denúncias de uso da estrutura da UFPR na campanha, os pelegos da UNE e UPE exigiam no carro de som a posse do reitor “eleito”. A ocupação da reitoria na UF PR deslindou dois campos: o dos estudantes independentes — que estão na luta em defesa da universidade pública e gratuita — e o dos oportunistas da UNE/Pecedobê/PT — cujo compromisso é a defesa de seu governo fantoche, nem que para isso tenham que se colocar contra os estudantes. A cada momento essa contradição torna-se mais aguda, e não há lugar para vacilações porque na atual situação, perde menos quem luta mais. Os estudantes da UFPR já demonstraram que estão dispostos a lutar.