A dança das candidaturas, o sobe e desce nas pesquisas, as manobras usadas para a definição dos candidatos ao segundo turno são tão reveladoras como o próprio resultado do pleito presidencial sobre a farsa destas eleições, sobre o caráter reacionário do atual regime, sobre a falência de suas instituições e, finalmente, sobre a crise letal que lhe corrói as entranhas. “Instrumento historicamente usado para perpetuar o velho Estado, as eleições são podres, viciadas e corruptas pois é esta, exatamente, a essência deste sistema e do Estado que é seu guardião mor”, afirmávamos em A Nova Democracia n.º 2, no artigo “O que está em jogo nestas eleições”. E os últimos lances desta chamada “festa da democracia” só o confirmam. Vejamos alguns fatos:
1O ataque a Ciro Gomes, um dos candidatos notoriamente ligados aos ianques, mostra o grau de crise nas classes dominantes. A ruptura da aliança FHC/ACM, em seqüência toda a trama palaciana para o alijamento do PFL, para a pulverização da candidatura Roseana Sarney e depois para os ataques ao candidato Ciro Gomes, mostram que setores ligados à fração da burguesia compradora e ao latifúndio, fiéis serviçais do imperialismo, principalmente ianque, já não conseguem se compor. Com os espaços para manobras cada vez mais restritos, disputam a foiçadas o controle da máquina do velho Estado, numa tentativa desesperada de se proteger do terremoto que se avizinha. A mera renovação da gerência do imperialismo em nosso país — o que de fato representam as eleições presidenciais – está se transformando num novo alimentador das tensões entre as frações das classes dominantes, afundadas cada vez mais na crise econômica sem saída, com conseqüências imprevisíveis para o futuro próximo. A podridão que exalou de suas entranhas no período que antecedeu às eleições é perfume perto do que está por vir.
2 A operação para salvar a candidatura oficial e primeira opção do imperialismo, José Serra, inflando seus números na pesquisa eleitoral, foi desencadeada após o início do horário eleitoral gratuito. Era necessário apresentar como razão para o crescimento dos índices, seu programa. Mas o que funciona não é programa, mas o emprego da máquina da administração pública, com liberação de verbas oficiais e caixa 2 para a compra de prefeitos, deputados, cabos eleitorais, enfim, grana, inclusive aquela que azeita os institutos de pesquisa e a mídia. E aí começa o círculo, manipulam-se os índices que alimentam a mídia, que alimentam os índices, que … no final pretendem induzir o voto dos eleitores, balizando o resultado que melhor convém ao sistema. Em meados de setembro revelou-se a prática diária do candidato oficial José Serra de telefonar para os diretores de redação e de mídia dos principais órgãos de imprensa. Conforme denunciaram Jânio de Freitas na Folha de S. Paulo e Bob Fernandes na Carta Capital, FHC participou pessoalmente deste controle da mídia, impedindo não só a publicação, mas a própria elaboração de matéria prejudicial a seu candidato. Ajustava-se, dia a dia, o enfoque a ser dado na cobertura das eleições.
3 A manipulação das pesquisas eleitorais já é por demais conhecida. Só não são desmascaradas porque os contendores que hoje são prejudicados, foram os beneficiados no pleito de ontem ou pretendem sê-lo amanhã. Incluídas no pacote do que o imperialismo chama de “eleições livres”, as pesquisas são usadas pela mídia para encobrir a manipulação e farsa do processo. A cobertura da campanha eleitoral se resume, fundamentalmente, em acompanhar o sobe e desce dos índices e as pesquisas são mostradas como a medida científica da vontade do eleitor. Todo órgão de imprensa, nos grandes centros e no interior, tratou de criar seu “instituto” de pesquisa, seguramente para garantir “uma cobertura isenta e sem manipulações da livre vontade dos eleitores”.
Mas os índices são negociados e, é claro, não o são por pequenas cifras. Os vários institutos, ligados aos grandes monopólios de comunicação, ajustam-se para dar um pouco de coerência entre si. E aí não tem escapatória. Os candidatos têm que se enquadrar e os marqueteiros, que comandam de fato as campanhas, são regiamente pagos para operar a farsa, encontrar fórmulas de diferenciar os candidatos e mostrar as velhas e sempre repetidas promessas como algo novo e convincente. E, é óbvio, como as campanhas são cada vez mais milionárias, aí se faz a seleção dos candidatos. Só tem chance quem está no esquema. Um exemplo do que ocorre nos bastidores deste festival de democracia ocorreu em Minas Gerais. O candidato a governador, Newton Cardoso, foi procurado pelo diretor de um grande instituto de pesquisa pedindo 1 milhão de reais para colocá-lo no limite superior da margem de erro e colocar seu oponente e líder nas pesquisas, Aécio Neves, no limite inferior. Com isto a diferença entre os dois cairia 4 pontos percentuais.
4 Os gastos de campanha são indicativos de como diferentes interesses do imperialismo, da grande burguesia e do latifúndio se expressam nas diferentes candidaturas.
O jornal Folha de S. Paulo, do dia 15 de setembro de 2002, fez a estimativa das despesas, até aquela data, com publicidade, viagens, shows, comitês, funcionários e materiais de campanha dos quatro candidatos mais importantes. Dados da FSP: Lula, R$ 11,74 milhões; Serra, R$ 16,26 milhões; Ciro, R$ 6,68 milhões e Garotinho, R$ 2,30 milhões. É claro que estes gastos são ninharia perto do que custa de fato uma eleição para presidente. A contabilidade das campanhas eleitorais é tão honesta quanto a dos bancos, da Enron, da Worldcom e outros grandes conglomerados ianques, patrões desses partidos e seus candidatos. Os valores absolutos não são relevantes, mas sim a relação entre eles. Serra esbanjar dinheiro, é esperado.É o candidato oficial, mas os recursos que esbanja não conseguem compensar o prejuízo ocasionado à burguesia compradora de ir dividida, com Serra e Ciro, para o embate eleitoral. Lula vir logo a seguir está relacionado com a nova composição social de sua candidatura. Lula representa nesta eleição, diga-se de passagem, com bastante entusiasmo, a fração burocrática da grande burguesia, ligada ao imperialismo, principalmente ianque. Neste processo eleitoral, comandado por partidos políticos burocráticos, parece que é Lula que está sendo competente e hábil em conseguir apoios e construir novas alianças. Mas na verdade é a burguesia burocrática que está se servindo de sua candidatura para retomar a direção do Estado. Impuseram-lhe como vice em sua chapa o monopolista da indústria têxtil, senador José Alencar, e as declarações de Lula em defesa dos governos Vargas, JK e da ditadura militar atestam sua conversão a representante desta classe. O apoio de Itamar Franco, José Sarney, Aureliano Chaves, Orestes Quércia, representantes políticos da grande burguesia burocrática, decorrem desta virada política do PT. Para consumar esta adesão, Lula, em palestra a oficiais das Forças Armadas na Escola Superior de Guerra, rompeu com antigas posições de seu partido e declarou apoio a posições defendidas pelos militares, entre elas a condenação à assinatura pelo Brasil do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, cuja aprovação pelo Congresso Nacional contou com os votos do PT. A defesa que fez do Sivam passa por cima da descarada corrupção que se observou na licitação para compra e instalação dos equipamentos, denunciada com estardalhaço, inclusive, por parlamentares de seu partido. Também fez a defesa do serviço militar obrigatório, que sempre contestaram.
A eleição de Collor em 89 e depois as de FHC consolidaram o deslocamento da fração burocrática da grande burguesia da gerência do Estado brasileiro, função que ocupava através das sucessivas administrações civis e militares, desde 1930. Como declarou o próprio FHC, seu governo significava o “fim da era Vargas”. FHC, nas duas disputas presidenciais de que participou, conseguiu unir em torno de si a fração compradora da grande burguesia. Nestas eleições a burguesia burocrática se agita e se mobiliza para dar a volta por cima.
5 Propaganda eleitoral do TSE é para coagir o eleitor a votar em algum candidato e assim legitimar o processo eleitoral. Nem sequer menciona-se o direito do eleitor de votar em branco ou anular seu voto. Esta milionária e massacrante propaganda, com o nome de “Vota Brasil”, repete o nhenhenhém de que participar destas eleições é um direito do povo. Que direito é esse que pune o eleitor que não o exerce? Sob a ameaça de não poder participar de concursos públicos, de não receber salários e mesmo perder emprego (no caso de servidor público), o povo está sendo coagido a votar. Na realidade, se estas eleições são um direito, o são para as classes dominantes, que delas se servem para comprometer o povo com a escolha de um representante da grande burguesia e do latifúndio para gerenciar este velho e podre Estado. Ao povo, o que lhe sobra é o dever, a obrigação de votar em algum candidato.
É contra o crescente e espontâneo movimento popular de rejeição às eleições que a mídia (com matérias em todos os telejornais), a justiça eleitoral, o parlamento e a esquerda oportunista eleitoreira pressionam e coagem o povo a votar. Os assombram os mais de 38 milhões de brasileiros que se abstiveram, votaram branco ou nulo nas últimas eleições presidenciais, número superior aos votos obtidos pelo candidato vitorioso, FHC.
6 A pesquisa eleitoral estimulada constrange o eleitor a fazer a escolha por um candidato em uma eleição que é arbitrariamente antecipada para o momento da entrevista. Não se pergunta ao eleitor se ele já se decidiu por um candidato, se vai participar ou não das eleições. Ou seja, não é dada ao entrevistado a oportunidade de manifestar sua opinião com liberdade, o que inclui não só a escolha deste ou daquele nome, mas também o questionamento do próprio processo eleitoral. Ao obrigar a escolha de um nome, falsifica-se a opinião do eleitor. Tanto isto é verdade que na chamada pesquisa espontânea o índice dos candidatos é muito menor e o percentual dos que declaram não ter candidatos é bem superior aos 14% que, em média, são apontados na pesquisa estimulada. Em meados de setembro, em pesquisa espontânea do Ibope, 40% dos eleitores não optaram por nenhuma candidatura, percentual bem próximo dos 36,17% de eleitores que não votaram em nenhum candidato a presidente nas últimas eleições. O objetivo é claro. Intimidar o eleitor para que não propague sua posição de repúdio a estas eleições viciadas e corruptas e induzí-lo a fazer uma escolha, mesmo contra sua vontade.
Toda a manipulação das pesquisas eleitorais tem que ir sendo desfeita e encoberta para que ela não destoe dos resultados que sairão das urnas. Isto é feito nas últimas rodadas e na chamada pesquisa de boca de urna. Mas aí a falsificação já produziu seus resultados. Os eleitores que ainda são arrastados para participar do processo vão se alinhar por uma ou outra candidatura sob os influxos dos resultados divulgados como verdadeiros pela mídia.
O que está em jogo nestas eleições
Com toda razão afirmamos na última edição de AND e reafirmamos aqui o que está em jogo nesta eleição.
Se antes, o processo eleitoral se restringia à mera disputa das diferentes frações das classes dominantes pelo controle do aparelho de Estado, no cenário atual da crise crescente, de intensificação das contradições entre superpotências e potências imperialistas por uma nova partilha do mundo, de guerras de rapina, o que está em jogo nas eleições são os interesses deste conflito revestidos da disputa entre frações dessas classes dominantes locais afundadas na crise geral.
Nada dos interesses do povo e da nação está em jogo neste pleito corrupto, moralmente miserável e sem honra nenhuma. É essa crosta pustulenta que aprisiona a nação, submete o país ao mais ignominioso avassalamento, escraviza seus filhos, famintos, pisoteados, esmagados brutalmente, aos punhados a cada dia. Mas, em meio às suas pequenas lutas, ainda que de forma lenta, desorganizada e por partes, o povo se enoja e se distancia dessa farsa. Toda essa propaganda nauseabunda é capaz de convencê-lo, cada vez menos, de que alguma vez tais eleições significaram melhoria em sua vida. Aprende crescentemente que cada um dos seus direitos foram conquistados com muita luta.
Para a libertação do nosso povo e nosso país há muito o que fazer. Menos ser partícipe dessa farsa e cúmplice de nossa própria opressão e miséria.” (AND, n.º 2, matéria já citada)
Qual a farsa Brizola?
Em informe publicitário do PDT publicado no jornal O Globo de domingo, 22 de setembro, o candidato a senador pelo Rio de Janeiro, Leonel Brizola denuncia contundentemente o “simulacro de democracia” e “armadilha pseudodemocrática” do processo eleitoral brasileiro. Brizola, no artigo “Dinheiro, propaganda, pesquisas e urnas eletrônicas” afirma que “já tornou-se evidente para todos que não se deixam levar pelas manipulações que, a esta altura do processo eleitoral, desencadeou-se uma trama terrível sobre o povo brasileiro. As pesquisas e os meios de comunicação trabalham os números de maneira a massacrar ou inflar candidaturas, à medida exata de seus interesses. (…)”
“Constrói-se, assim, um cenário que permite que as urnas venham a dar o resultado que convém ao sistema, seja ou não a verdade eleitoral. Porque temos um sistema de votação e de totalização que é uma verdadeira porta escancarada para a fraude. Não existe voto, nada pode ser conferido, nada pode ser auditado. A única garantia que temos — vejam a que ponto chegamos — é a palavra de S.Exa., o Senhor Nelson Jobim. (…)”
Concluindo sua assertiva, desabafa: “Aos meus 80 anos, sinto-me forte para lutar, mas dou-me o direito de não compactuar com uma farsa. Os próximos dias revelarão se estamos diante de uma batalha, ou simplesmente, de uma armadilha pseudodemocrática.”
Com todo respeito, engenheiro Leonel Brizola, com todos seus anos de experiência, você ainda olha para o bosque e só vê a árvore. Realmente tudo que você denuncia é verdade, mas apenas parte da verdade. A farsa é todo esse processo eleitoral viciado, feito de corrupção, manipulação, mentiras e cinismo.