Circo do Apagão Aéreo segue de fracasso em fracasso

Circo do Apagão Aéreo segue de fracasso em fracasso

O circo aeronáutico permanece armado para a apresentação da peça O crime sempre compensa na terra do Pai da Aviação.
Não há como vaiar. Os controladores de vôo, em sua grande maioria, militares, quando denunciam a farsa vão direto para a cadeia. Mas suas bravas esposas, mães, filhas, irmãs, trajadas de preto e usando mordaça e algemas, denunciam por toda parte a podridão dos aeroportos, dos equipamentos e de não poucos mandões.

Novas atrações são anunciadas: Nélson Jobim, o Pernalonga, no Ministério da Defesa. Na Infraero, Sérgio Gaudenzi, o mágico que tem na cartola o segredo da explosão do VLS, aquela que matou 21 dos nossos cientistas no Centro de Lançamento de Alcântara, em 22 de agosto de 2003.

Amparada pelos interesses externos, a gerência semicolonial arranjou, de repente, dinheiro para a recuperação dos 67 aeroportos, 84 unidades de apoio e 33 terminais de carga administrados pela Infraero. Mas não comenta que no exterior, a associação internacional dos pilotos só fala na inexistência de segurança para operar no Brasil. Tampouco toca, com o remanejamento dos vôos, na situação dos Correios — principalmente sobre o Sedex, tampouco faz qualquer menção sobre a carga despachada nos aviões acidentados, como por exemplo malotes de bancos…

O poder privado

O país inteiro reclama da incompetência da Agência Nacional de Aviação Civil — ANAC, que não exige responsabilidades das empresas no transporte aéreo. No caso do acidente de Congonhas, nem sabia da proibição baixada por ela mesma sobre o pouso de aviões naquela pista com reversor desativado. Nem o contrato, em letras quase ilegíveis, que integrava o bilhete de passagem, chega ao passageiro. Ele foi substituído por uma nota de caixa, semelhante ao da casa comercial de uma só porta.

Todos na ANAC têm mandato mais longo que o de presidente da República, por lei da gerência Cardoso. Assim, Nelson Jobim, que ao assumir o cargo de ministro da Defesa afirmou, desafiante, que mandava em tudo sozinho, pode terminar ignorado pela turma da ANAC — que é do Zé Dirceu.

O pavor geral

O Ministério da Defesa, a ANAC e a Infraero anunciam aos quatro ventos que, em questão de dias, estarão tapados os buracos das pistas de Congonhas, Cumbica, Viracopos e Manaus, escondendo que contratou um trabalho de meia-sola, rápida, para atender às transportadoras estrangeiras que estão morrendo de medo de perder passageiros.

O dinheiro do país vai todo para o exterior, e por falta de infra-estrutura (das pistas de pouso aos equipamentos de controle do tráfego aéreo) os aeroportos ficaram na situação dos campos de aviação dos tempos pioneiros. Na verdade eles precisam de obras que levam mais de ano. Terão de receber novos modelos de aviões pesados para transportar sempre mais carga e passageiros a velocidades maiores. E não adiantará retardar a sua incorporação pelas empresas domésticas. As internacionais já os escalaram para a ligação com o Brasil.

Os intocáveis

Estabelecidos no exterior, os donos do circo reiteram suas ordens. Eles são facilmente identificáveis: Airbus, Boeing, Esso, Shell, Atlantic, Honeywell e centenas de outras corporações estrangeiras, como as que levam e trazem passageiros e carga para o Brasil e aqui fazem escalas para outros países.

O avião acidentado em Congonhas foi fabricado pela Airbus Société par Actions Simplifiée. Trata-se da maior indústria de aviões comerciais do planeta, porém não passa de subsidiária da EADS — European Aeronautic Defence and Space Company, corporação européia formada pela união da Aérospatiale-Matra da França; Construcciones Aeronáuticas S.A. CASA, da Espanha e a Daimler-Chrysler Aerospace AG DASA, da Alemanha. O outro sócio, minoritário, é a BAE Systems, fruto da aquisição da British Aerospace pela Marconi Electronic Systems, tem como principais clientes os ministérios da defesa de diversos países.

Até o acidente de Congonhas, a frota da TAM compunha-se de 102 aeronaves, sendo 80 modelos Airbus, que ficariam todos sem voar se algum perito desconfiasse de um defeito de fábrica, com reflexos pelo mundo inteiro. E como a empresa resolve isso? Ela informa que “incorporou“, em 2007, nove aeronaves, esperando “devolver” 13 F-100, até o final de 2007. A TAM — como todas as outras empresas —, não tem plena propriedade do equipamento que utiliza. Esta situação torna muito improvável que qualquer de suas aeronaves seja penhorada para pagar elevadíssimas indenizações devidas às famílias das vítimas.

A Boeing Commercial Airplanes BCA, fabricante do avião derrubado na Amazônia por um Legacy produzido pela Embraer para a ExcelAire de táxi aéreo, está localizada em Chicago desde sua fundação, em 1916. Mas espalhou-se por Seattle, Washington, em Everett e Renton, com a compra, em 1996, da McDonnell Douglas, por 13 bilhões de dólares.

A Gol Linhas Aéreas Inteligentes tem hoje uma frota de 55 Boeings 737 e pretende chegar a 2012 com uma frota de 96. Como sua aeronave 737-800 não apresentava qualquer defeito ao ser derrubada pelo jato executivo Legacy, conduzido por dois ianques irresponsáveis, não corre o risco de ter sua frota retida em terra para inspeção. Mas a Embraer está sendo processada no USA porque não funcionou, ou estava desligado, o mais importante instrumento de segurança do “Legacy”, o transponder, fabricado em Morristown pela Honeywell International, um polvo ianque cujos tentáculos vão de produtos de consumo Autolite, Prestone, Fram e outros serviços de engenharia e sistemas aeroespaciais.

Papa-defuntos do ar

TAM, Gol, BRA e empresas menores nasceram e cresceram devido ao fechamento da Cruzeiro do Sul e da Panair do Brasil pela gerência militar na década de 60, e da falência da VASP, Transbrasil e Varig, cujas aeronaves eram retidas mundo afora por falta de pagamento de combustível, taxas aeroportuárias, oficinas mecânicas, lojas, bares, escolas de treinamento, restaurantes, hotéis, salários e impostos.

No dia 10 de fevereiro de 1965, o vôo da Panair que deveria decolar para a Europa, às 21h, foi cancelado e imediatamente substituído por outro da Varig, que já tinha uma aeronave preparada. Coisa articulada pelos amigos “revolucionários”, que Rubem Berta, presidente da Varig, sempre levava ao exterior com toda mordomia. A polêmica em torno da cassação da Panair do Brasil e a possibilidade de sua reativação prossegue até hoje.

A VASP pertencia ao estado de São Paulo, mas foi levada à bancarrota nas gerências estaduais Quércia e Fleury. Posta à venda, foi arrematada por Wagner Canhedo, um dono de empresas de ônibus em Brasília, sem qualquer tradição na viação aérea. Sob seu comando, a situação da empresa se agravou. Há três anos Canhedo, entra (mas) sai da cadeia por não honrar acordos celebrados em juízo. Falta muito pouco para ser provado que ele apoderou-se dos bens que a VASP teve sequestrados em São Paulo pela Justiça.

Quanto à Varig, ressuscitou com ajudazinha federal vinda dos lados das comissões parlamentares de inquérito instaladas na Câmara e no Senado para investigar o apagão aéreo, coisa que relutam em apurar e envolve a própria ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef.

A Varig foi comprada em julho deste ano por US$ 24 milhões pelo fundo Matlin Patterson, USA, que investiu, desde então, ao menos US$ 75 milhões e estaria tendo prejuízos mensais. A Gol comprou tudo numa transação de R$ 320 milhões, sendo US$ 98 milhões em espécie, através da subsidiária da Matlin Patterson, a GTI. Os planos são de que Varig e Gol, juntas, atenderão mais de 20 milhões de passageiros por ano, sendo geridas como empresas independentes e mantendo seus modelos de negócio.

O crime nas nuvens

Esperto como o Coelho Pernalonga das histórias em quadrinhos, o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, eterno candidato ao Palácio da Alvorada, determinou a redução da quantidade de poltronas nas aeronaves, para que os passageiros pudessem suportar os trajetos.

Fingia não saber que as empresas, reduzindo o número de assentos, exigirão de imediato o aumento de tarifas. Outro pretexto para o aumento será o remanejamento da malha aérea, com o cancelamento de vôos, linhas e conexões. Se o ministro tem pernas longas, a mentira, diz o povo, tem pernas curtas. É óbvio que Jobim faz o jogo das empresas.

O momento vivido pelo transporte aéreo assemelha-se muito ao de uma delegacia, quando uma quadrilha inteira é apanhada com a boca da botija: os bandidos, do chefão ao olheiro mais furreca, só dizem que não sabiam, nem sabem de nada.

Na verdade, ganham tempo apontando o dedo para os controladores de vôo. Todos são culpados, menos as empresas. Essas, sempre são inocentes…

Os controladores de vôo continuam seguindo à risca os manuais internacionais de controle do tráfego e seis deles lideraram um movimento para garantir a vida de quem viaja. Por serem sargentos da Aeronáutica, foram processados por motim, sujeitos a expulsão da FAB e anos de reclusão em uma penitenciária. O juiz militar José Barroso Filho determinou, em julho, a prisão temporária de sete sargentos controladores de Manaus, liderados por Carlos Trifilo, presidente da Federação das Associações Brasileiras de Controladores de Tráfego Aéreo. Até o julgamento pelo Superior Tribunal Militar serão muitos meses de aflição, por terem defendido a segurança dos passageiros contra o lucro máximo.

Trata-se de técnicos de alta relevância, cuja profissão, até hoje, não está regulamentada.

Mas o senador Demóstenes Torres, da base de apoio à quadrilha dos que “não sabem” nada, converteu a Comissão Parlamentar de Inquérito em tribunal de Inquisição para arrancar dos trabalhadores honestos uma confissão desonesta. Seu relatório será votado pelo Senado em paralelo ao do processo que envolve o desmoralizado presidente do Congresso, Renan Calheiros, o terceiro na linha de sucessão da Presidência da República.

Lucro e insegurança

TAM, Gol, e BRA, rainhas do mercado de transporte aéreo nos dias atuais, evitaram ter o mesmo destino de suas antecessoras adotando o modelo low cost, low fare, cuja tradução para consumo é “custos baixos, tarifas baixas”, mas o significado verdadeiro é lucro máximo.

Isto implicou significativo aumento da quantidade de assentos, a extinção do serviço de bordo, a supressão da assistência ao passageiro em terra, a terceirização do carregamento (e da responsabilidade pelos extravios e perdas) de bagagens e encomendas.

Para completar, reestruturam a malha aérea a seu bel-prazer. Um passageiro que vai de Belém para Manaus tem de passar por uma escala em Brasília. Pouco importa se, desse modo, a viagem para ele será mais longa. Interessa lotar o avião, embarcando em Brasília o pessoal destinado a Manaus. O mesmo acontece com quem vai de Porto Alegre para Vitória, muitas vezes forçado à conexão em São Paulo, Belo Horizonte ou Rio de Janeiro, sem que a empresa lhe sirva, ao menos, uma refeição. As empresas resistem à alteração das respectivas malhas.

Para dar entrada a grupos estrangeiros, foram extintas as antigas cozinhas do Galeão, que ultimavam as melhores receitas internacionais (ou típica, na Transbrasil) oferecidas aos passageiros. Nos vôos domésticos, não se oferece mais que um biscoito, sanduíche de pão velho, ou barra de cereais, acompanhados de suco ou refrigerante, tudo produzido pelas corporações da alimentação.

Não causa surpresa que as empresas aéreas tenham nesses últimos anos acumulado lucros bastante para encomendar às fábricas dezenas de aviões, sem lembrar que isto requer mais pista, pátio de estacionamento, hangar, trator e gente, não só para a operação do serviço, mas — e principalmente — para pagar pelo vôo. Na colônia brasileira — aconteça o que acontecer, morram quantos morrerem — acima do interesse público está o interesse privado.

Reside aí a razão da eterna inocência dos grandes bandidos.

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