O material reciclável sustenta parte da população da Vila C
Muitas pessoas que visitaram Foz do Iguaçu e a Usina Hidroelétrica de Itaipu Binacional ficaram horrorizadas ao saber da existência da segregação entre as vilas dos operários e dos técnicos, burocratas e aristocratas da empresa. Horrorizai-vos mais ainda porque essa segregação havia entre aqueles que tinham direito a moradia.
Entre os profissionais havia uma classificação hierárquica, os profissionais C, os encarregados e pessoas mais qualificadas A, e os engenheiros, médicos e superintendentes B. Essa classificação estava na organização da moradia, na distribuição dos alojamentos e dos refeitórios, mas tinha ainda a classe D, aqueles operários sem profissão, ajudantes de toda natureza que estavam em todos os setores. Esses se aproximavam dos 50% dos operários que construíram a obra, mas não existe registro de nada sobre esses anônimos subterrâneos da história.
O fato desses trabalhadores não terem direito a moradia obrigou-os a procurarem espaços nas periferias das cidades de Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu, São Miguel do Iguaçu, Medianeira e Matelândia. Do lado paraguaio, essas pessoas estavam na cidade de Hernandária, Cidade de Leste e Porto Franco. Muitas dessas pessoas continuaram morando nessas cidades, mesmo após o encerramento da obra. Quanto aos profissionais, como carpinteiros, pedreiros, armadores, operadores de máquinas, encanadores, eletricistas, estes se pulverizaram em outras obras de construção de barragem pelo Brasil, Tucuruí, estado do Pará e outras obras de menor porte no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.
Em vinte anos a população de Foz do Iguaçu se multiplicou por dez.
Um aumento populacional sem planejamento por parte do Estado, sem infra-estrutura, apenas com exército e a polícia como aparelho coercitivo para reprimir quaisquer suspeitas de manifestação contra os poderes constituídos e a própria Itaipu, que se mantém com segurança própria.
Tanto a Vila A como a Vila B estão protegidas por seguranças contratados pela Itaipu, mas na Vila C, que fica a mais de dez quilômetros da cidade, com uma população de mais de dez mil habitantes, a maioria absoluta não tem profissão. Não precisa nem falar o que sobra da economia para essa parte da população.
Parte da população da periferia da cidade vive de restos e material reciclável, ou seja, do lixo do capitalismo. Para a coleta, a Itaipu disponibilizou carrinhos, ironicamente batizados de “Coleta Solidária”. É comum presenciar políticos ligados a Itaipu com uma retórica sofista da coleta seletiva com dignidade. O termo “coleta solidária” expressa uma caridade desses infelizes para com a burguesia local em limpar o lixo gratuitamente, sendo obrigado a vendê-lo para comprar o alimento necessário para continuar vivendo.
É impossível não visualizar crianças com menos de doze anos trabalhando nessa coleta e, curiosamente, todo o ano se realiza seminários em Foz do Iguaçu com o tema “Exploração do Trabalho Infantil”. Senhoras e senhores idosos, com mais de sessenta anos, empurrando carrinhos para comprar alimentos. Esse é o Brasil da bolsa miséria. Uma criança na periferia da cidade de Foz do Iguaçu, com pais recebendo bolsa miséria, não pensa duas vezes para aceitar convite de traficantes para passar a noite transportando drogas através de barcos da Cidade do Leste para Foz do Iguaçu pelo Rio Paraná.
* Sebastião Rodrigues Gonçalves é professor de Filosofia na Unioeste e membro do Conselho Editorial de A Nova Democracia.