Quito – O Equador de Lucio Gutierrez revela grandes semelhanças com os atuais "governos" do Brasil, Peru (ver AND11) e demais países latino-americanos. A emergência de personagens de fora dos círculos oligarcas deu crédito às natimortas democracias do continente. Começam a explodir manifestações de trabalhadores contra as medidas tomadas pelas gerências de turno do imperialismo, ainda que algumas medidas adotadas recentemente pela Argentina dêem a falsa impressão de insubordinação.
O Equador vive um ambiente de grande agitação. Em junho, os professores completaram 27 dias de uma paralisação nacional que incluiu uma greve de fome com a participação de estudantes e familiares. Mais de 200 grevistas em todo país. Houve ainda o fechamento de estradas e ocupação de dependências públicas. Os trabalhadores da saúde, por outro lado, mantêm constantes reclamos devido aos baixos salários que recebem e o exíguo pressuposto estatal para este setor. A estas reivindicações agora se uniram os médicos dependentes do Ministério da Saúde, que também ameaçam paralisar suas atividades, e os petroleiros da política anunciada pelo ministro da Energia, Carlos Arboleda, que pretende conceder ao capital estrangeiro a exploração do petróleo.
O movimento popular equatoriano decidiu transitar
por caminhos não conhecidos e tem aprendido no caminho
Antes, os estudantes secundaristas se mobilizaram para rechaçar a assinatura da carta de intenção com o FMI e a elevação do preço dos combustíveis, além de demandarem a promulgação de um carnê estudantil que lhes garanta uma tarifa especial no transporte urbano e intermunicipal, o que se encontra em trâmite. No geral, aumenta o descontentamento dos mais distintos setores.
O que ocorre no país, se acaso alguém pensou que o governo de Lucio Gutierrez seria diferente de seus antecessores e poderia ser o gestor de mudanças que beneficiassem o povo do Equador?
Seu discurso no primeiro turno e a coalizão de forças políticas que o apoiaram na campanha (entre elas estavam as principais organizações de esquerda e organizações indígenas) resultou num duro combate com a oligarquia, que o qualificou de comunista. Com a bandeira do anticomunismo, enfrentaram Gutierrez no segundo turno, mas foram derrotados. É notório também que nesta etapa do confronto eleitoral, o fato de Gutierrez ter baixado o tom de seu discurso, abrindo espaço para pontos de vista que antes dizia não compartilhar.
Gutierrez não conta em seu gabinete somente com elementos provenientes das forças que o apoiaram. Inclui também, e nos pontos mais importantes, personagens que não têm nada a ver com o projeto político encabeçado pelo atual presidente na campanha, que mereceu o apoio das organizações populares e o voto dos trabalhadores e do povo. O ministro das finanças, Maurício Pozo, o ministro do governo, Mario Canessa, a ministra das indústrias, Ivón Bakki, são vinculados aos bancos e aos industriais.
O comportamento político depois da vitória eleitoral e nos primeiros meses de sua gestão evidencia uma clara inconsistência política. Ao tomar posse, seu discurso sofreu uma leve alteração. Passou a dizer que ser de esquerda é atender às necessidades do povo e, então, ele era de esquerda. Mas, no caso, se dar atenção ao desenvolvimento da produção significa adotar posição de direita, então ele se confessa de direita. Não foram poucas as ocasiões em que assinalou ter aspiração de um governo "para todos os equatorianos", a exemplo do governo de "todas las sangres" de Toledo, no Peru, ou o Pacto Social de Luis Inácio, no Brasil – coisa impossível de cumprir numa sociedade em que os interesses das classes dominantes são totalmente dirigidos aos que vivem pelas suas próprias mãos.
Por coincidência é o mesmo argumento utilizado pela embaixada ianque, o FMI, os grupos econômicos e os elementos de direita existentes no gabinete, que se consolidam frente a uma tímida resposta de um grupo ideologicamente débil — que cede ante as pressões com a justificativa de que é preciso evitar o estrangulamento fiscal e suas nefastas "repercussões sociais", confiando em que a buscada estabilidade econômica permita iniciar profundas transformações (qualquer semelhança não é mera coincidência).
Em todo caso, existe uma experiência muito importante obtida pelo movimento popular equatoriano. Este decidiu transitar por caminhos não conhecidos e tem aprendido no caminho. Sua vocação para o poder o levou a dar um grande passo e deve sistematizar a experiência. O povo continuará lutando por isso.