De santos e loucuras do coração
Junho é o mês em que as orquídeas e as hortências florescem.
Junho é também o mês do Sagrado Coração de Jesus e em que se comemora em todo o mundo cristão o Dia de Corpus Christi; ou Corpo de Cristo, como indica a expressão de origem latina. Nesse mês, e sempre na primeira quinta-feira depois do domingo da Santíssima Trindade, o povo, em levas, vai às ruas criar tapetes em areia ou serragem com motivos religiosos. O clima é bom, bonito, de festa; de festa do Espírito Santo, de Pentecostes, da Vida, do Renascimento, que lembra a entrada de Cristo em Jerusalém e a passagem triunfal da Eucaristia. A tradição começou na Bélgica medieval do século XIII — tempos iniciais da inquisição.
Mas junho — de Juno, deusa-mulher de Júpiter, senhora do Olimpo e regente do céu e da terra, segundo a mitologia greco-romana — registra também o Dia Mundial Contra a Agressão Infantil, o Dia da Liberdade de Imprensa, o Dia do Intelectual, o Dia dos Artistas Líricos, o Dia do Pescador, o Dia dos Discos Voadores, o Dia Nacional de Anchieta, que morreu em Reritiba, ES, em 1597; e o Dia dos Namorados.
Para alguns, as pessoas enamoradas passaram a ter data comemorativa a partir do século III.
No século III vivia em Roma um certo padre de nome Valentim, que se meteu a desafiar o imperador Cláudio ao prosseguir no seu imutável cotidiano, incentivando namoro e promovendo casamento a torto e a direito, irritando assim o imperador — sujeito esquisito -, que achava que homem casado era menos homem do que homem solteiro. O solteiro, segundo ele, era melhor, mais macho, nos campos de batalha. A ousadia de Valentim custou-lhe a vida. Mas antes de ser executado num 14 de fevereiro, havia se apaixonado irremediavelmente por uma filha cega de um dos seus carcereiros e um milagre lhe fez restituir a visão. Virou santo.
Quatorze séculos depois, os ingleses e os franceses gostaram dessa história e passaram a comemorar o Dia de São Valentim como o Dia dos Namorados. Um detalhe: o padre Valentim deixou uma carta à sua amada, assinando-se simplesmente "seu namorado". Uma curiosidade: o padre Valentim foi morto na véspera dos lupercais, assim chamados os festivais romanos que homenageavam a deusa Juno da fertilidade, da luz, do parto, do casamento, da sabedoria feminina, dona de Júpiter e profana por natureza. Cem anos depois, foi a vez de os Estados Unidos também pegarem carona nessa história de amor e morte.
No Brasil, o Dia dos Namorados não tem nada a ver com a história do valente padre Valentim.
Por cá tudo começou em 1949, quando um publicitário de nome João Dória teve a idéia de movimentar o comércio.
Hoje o Dia dos Namorados só perde, em faturamento, para o Dia das Mães e para o Natal.
Para criar o Dia dos Namorados no Brasil, Dória teria se inspirado no santo "casamenteiro" Antônio, nascido Fernando de Bulhões y Taveira de Azevedo em Lisboa, Portugal, no dia 15 de agosto de 1195, morto em Pádua, Itália, no dia 13 de junho de 1231.
É ele, Antônio, o santo que abre, no dia 13 de junho, as festividades juninas.
Para não ligar o ciclo festivo referente a Antônio, João e Pedro ao profano Juno, a Igreja escolheu a expressão "joanina" para identificá-lo, mas não deu certo. Ficou "junino" mesmo, de Juno.
Perguntas seculares que clamam por respostas objetivas e rápidas: por que Antônio não namorou? Por que não se casou e por que, ainda assim, é chamado de casamenteiro se sequer deixou filhos?
Uma rapidinha: você sabe por que coração apaixonado dispara, fica doido e provoca respiração ofegante, tremores e calafrios incontroláveis nos seres ditos racionais? Dizem frios analistas que toda essa loucura deve-se a algumas substâncias identificadas como dopamina, adrenalina e naradrenalina, que causam taquicardia, aumento de transpiração e a tal e tão manjada respiração ofegante… E olha o detalhezinho aí: tudo feminino, dona dopamina, dona adrenalina… Pois é.
Fórum de forró
Acabo de voltar de Aracaju, onde estive participando como palestrante, do 3º Fórum de Forró promovido pela Fundação de Cultura do Estado. Esse evento existe há três anos. O primeiro homenageou o rei do baião, Luiz Gonzaga. O segundo, o rei do ritmo, Jackson do Pandeiro, e o terceiro — que terminou no dia 30 do mês passado -, prestou homenagens à rainha do xaxado, Marinês, uma das mais expressivas vozes do nordeste. Marinês é filha de um ex-cangaceiro do bando de Lampião, Manoel Caetano de Oliveira; tem dois filhos e muitos discos gravados. O tema que me coube falar foi "O Papel do Rádio e da TV na Divulgação e Preservação do Forró", na noite de 28, no Teatro Atheneu. Antônio Barros & Cecéu, Zé Calixto, Silvério Pessoa, Adelzon Alves e eu trouxemos debaixo do braço o Troféu Gérson Filho. Gérson foi um grande sanfoneiro de oito baixos, já sumido entre nós.
No próximo dia 15 serão abertas as inscrições para o 1º Festival de Música do Brasil. Os interessados podem mandar seus trabalhos para o seguinte endereço: av. ACM 2.501/conj. 1226, Candeal; Cep. 40.280-000, Salvador-BA. As inscrições se estenderão até o último dia de agosto.
De livros e de discos
A editora Martins Fontes, de São Paulo, está lançando alguns livros que não podem deixar de ser lidos, como As Primaveras, de Casimiro de Abreu. Casimiro, autor solitário de apenas um livro (de 1859) foi um dos mais importantes poetas brasileiros da linha romântica da sua época (1839-1860). Nasceu no interior carioca de Barra de São João, morou por um tempo no Rio imperial e estudou em Lisboa, Portugal, onde escreveu e fez encenar Camões e Jaú, peça em que proclama o amor e a saudade pelo Brasil. Morreu aos 21 anos, de tuberculose, em Nova Friburgo, RJ.
Casimiro de Abreu, de quem, aliás, gravei há dois anos o belíssimo poema Deus, escrevia rimas cantantes, tocantes, marcantes, de singeleza invulgar. É um clássico, como o paraibano Augusto dos Anjos, que também escreveu só um livro (Eu, de 1912, bancado por ele próprio) e morreu de… tuberculose, chamada em priscas eras de "doença de poeta"; e, não à toa e nem por acaso, foram muitos os que a danada levou. Alguns versos de Casimiro caíram na boca do povo, como este "simpatia é quase amor", que dá nome a um bloco carnavalesco do Rio de Janeiro. Pela mesma coleção (Poetas do Brasil) em que se encaixou Casimiro de Abreu, outros grandes nomes já foram publicados: Olavo Bilac, Luiz Gama, Gonçalves Dias, Castro Alves, entre outros.
Outro belo livro da Martins é Batuque, Samba e Macumba, Estudo de Gesto e de Ritmo 1926-1934, de Cecília Meireles, há muito fora de catálogo. Esse livro, originalmente publicado em 1935, é resultante de uma série de palestras que a autora fez quando pela primeira vez esteve em Lisboa, Portugal, em 1934. Do mesmo período, e fora do mercado, é Notícia da Poesia Brasileira, também resultante de palestra da autora em terras lusas. Cecília, que correu o mundo enquanto pode (viajou pelos Estados Unidos e Europa, Israel, Índia, México, Porto Rico) nasceu no Rio de Janeiro, em 1901 e morreu em 1964. O legado poético que nos deixou é extenso. Detalhe: as aquarelas que ilustram Batuque, Samba e Macumba são da própria autora, feitas para melhor expressar aos portugueses a visão que tinha da nossa cultura popular. Curiosidade: Cecília gostava de declamar seus poemas, tanto que deixou registro desse seu gosto em discos, hoje raríssimos.
Bons discos estão chegando à praça: Zé Mulato & Cassiano, Orquestra Paulistana de Viola Caipira, Cantoria Brasileira, Asa Branca Blues.
O novo disco da dupla Zé Mulato & Cassiano, Sangue Novo, é o terceiro de uma carreira brilhante. Mulato e Cassiano são da linhagem de Tião Carreiro & Pardinho, Tonico & Tinoco, Pena Branca & Xavantinho, Rolando Boldrin, Braz da Viola, Renato Andrade, Roberto Corrêa, Paulo Freire. São dos bons. Entre os ritmos apresentados em Sangue Novo podem se achar batuque, toada, cururu e, claro, moda de viola pra ninguém de bom juízo botar defeito. A fatura é da, insistente, em bom gosto e qualidade, Kuarup, que para o próximo mês promete pôr na praça mais um disco do cantador de Alto Belo Téo Azevedo, em comemoração aos 60 anos do artista que se proclama matuto".
Duas apresentações no centenário Theatro São Pedro, de São Paulo, foram suficientes para que a Orquestra Paulistana de Viola Caipira, regida pelo maestro Rui Torneze, deixasse gravada para a posteridade um dos melhores discos do gênero. Até a moda Disparada, da dupla Geraldo Vandré & Théo de Barros, entrou no repertório. Entre os ritmos, o corta-jaca e a folia de reis. Cortajaca é um tipo de dança outrora comum na zona rural. A maestrina carioca Chiquinha Gonzaga cultivou esse gênero por bom tempo. O baiano Ruy Barbosa o detestava… mas dizer o quê de alguém que destruiu boa parte dos documentos referentes à escravidão no Brasil? Folia de reis é canto e dança de origem portuguesa, ainda cultuada em todo o interior do País. As folias saem em dezembro, para comemorar o nascimento de Cristo. Também da Kuarup.
Da mesma Kuarup, do valente Mário de Aritana, são os discos Cantoria Brasileira, com Elomar, Pena Branca, Renato Teixeira, Teca Calazans e Xangai (gravado ao vivo, no Canecão) e Asa Branca Blues, de Oswaldinho do Acordeon, filho do legendário baiano Pedro Sertanejo.