A Síria vive com certeza o período mais sangrento da guerra civil que se arrasta desde o início de 2010, após o levantamento popular exigindo a saída do tirano Bashar al-Assad e direitos democráticos.
A conflagração que teve início com massacres perpetrados pelo governo sírio contra a população ganhou novos elementos depois de inúmeras denúncias de intervenção de forças militares de países imperialistas, notadamente os da Otan, que apoiam os opositores sírios. Por outro lado, Rússia e China vetaram, pela sétima vez no Conselho de Segurança da Onu, resoluções que autorizavam uma intervenção militar internacional oficial.
Nada que impeça o USA de patrocinar grupos terroristas, de armar os oposicionistas e interferir para agravar as contradições entre a Síria e seus vizinhos, como a Turquia, que já posicionou tropas na fronteira depois de incidentes envolvendo aviões turcos, e Israel, cujo ministro da defesa já ordenou ao exército que se prepare para atacar a Síria. Neste caso, tanto Síria quanto Turquia são peões do USA na região.
A oposição síria, por sua vez, demonstra que se fragmenta, talvez devido à demora na consecução da derrubada de Assad. No dia 31 de julho, foi fundado o “Conselho para a Revolução Síria”, que também se encarregou de formar um governo no exílio, a exemplo do que já vem sendo feito pelo “Conselho Nacional Sírio”.
Enquanto isso, no território sírio, os combates engrossam e a oposição ganha terreno. Mesmo com todo o cerco em torno do trabalho da imprensa e a contrainformação, nem mesmo o governo de Assad nega que a oposição já ocupa grande parte da segunda maior cidade e capital econômica da Síria, Aleppo. A própria Damasco foi atacada em julho, sendo que vários membros do governo, incluindo o ministro da defesa, foram mortos por bombas deixadas em instalações do Estado.
Em pronunciamento no dia 31 de julho, Assad disse aos soldados que da batalha de Aleppo dependia “a vida da nação”, numa demonstração de quão grave é o risco de seus dias no governo estarem chegando ao fim. O general norueguês Robert Mood, ex-chefe da missão de observadores da ONU na Síria, é da mesma opinião, tendo declarado que, em sua opinião, “é apenas uma questão de tempo até a queda deste regime que está usando força desproporcional e armas militares pesadas contra a população civil”.
Ongs como o Observatório Sírio de Direitos Humanos apontam que cerca 20 mil pessoas foram mortas, sendo cerca de cinco mil militares das forças de repressão. No entanto, este é um número difícil de comprovar, já que não há pesquisas confiáveis em se tratando desse conflito.
Navios russos e do USA/Otan ao largo da Síria
Trechos de artigo de Michel Chossudovsky, A guerra dos EUA-NATO contra a Síria: Forças navais do ocidente frente às da Rússia ao largo da Síria, publicado em resistir.info
Navio russo Tartus
Forças aliadas incluindo operativos de inteligência e forças especiais reforçaram a sua presença sobre o terreno na Síria a seguir ao impasse da ONU. Enquanto isso, coincidindo com o beco sem saída no Conselho de Segurança da ONU, Moscou despachou para o Mediterrâneo uma frota de dez navios de guerra russos e navios de escolta comandados pelo destróier anti-submarino Almirante Chabanenko. A frota russa está atualmente estacionada ao largo da costa Sul da Síria.
Em agosto do ano passado, o vice-primeiro-ministro da Rússia, Dmitry Rogozin, advertiu que “a Otan está planejando uma campanha militar contra a Síria para ajudar a derrubar o regime do presidente Bashar al-Assad com um objetivo de longo alcance de preparar uma cabeça de ponte para um ataque ao Irã…” Em relação ao atual deslocamento naval, o chefe da Armada da Rússia, vice-almirante Viktor Chirkov, confirmou, entretanto, que se bem que a frota [russa] esteja transportando fuzileiros navais, os navios de guerra “não seriam envolvidos em tarefas na Síria”. “Os navios executarão manobras militares planejadas”, disse o ministro russo da Defesa.
Porta aviões Charles De Gaulle, da França
A aliança USA-Otan retaliou à iniciativa naval da Rússia com um deslocamento naval muito maior, uma formidável armada ocidental consistente de navios de guerra britânicos, franceses e americanos, previstos para serem ali instalados neste verão no Mediterrâneo Oriental, levando a uma potencial “confrontação estilo Guerra Fria” entre a Rússia e forças navais ocidentais.
Enquanto isso, planejadores militares do USA-Otan anunciaram que várias “opções militares” e “cenários de intervenção” estão a ser contemplados na sequência do veto russo-chinês no Conselho de Segurança da ONU.
Porta aviões ianque John C. Stennis
O planejado posicionamento naval é coordenado com operações aliadas no terreno em apoio ao “Exército Sírio Livre” (ESL) patrocinado pelo USA-Otan. Quanto a isto, USA-Otan aceleraram o recrutamento de combatentes estrangeiros treinados na Turquia, Iraque, Arábia Saudita e Qatar.
Dúvidas sobre o levantamento sírio
Trechos de artigo de Salama Kayleh, publicado na página rebelion.org em 26 de julho
Nos últimos dez anos houve a reestruturação da economia, convertida em uma economia totalmente liberal. Ou seja, se produziu a queda do papel econômico do Estado e se impôs a privatização, além de que o “setor público” foi assassinado, submetido que foi ao setor privado, que possui 70% dos ingressos nacionais. Posteriormente, a economia deixou de ser produtiva e passou a ser uma economia de serviços, já que o emprego se concentrou nesse setor, em campos tais como o imobiliário, o turismo, os bancos e o comércio. Trata-se de um processo unido a essa transformação, que fez do setor privado o mais abundante. Esse processo provocou uma polarização social muito aguda, com a riqueza se concentrando nas mãos de uma pequena minoria. O desemprego atinge 30% da população ativa e o salário mínimo supre apenas um terço das necessidades básicas.
Essa é uma situação “ideal” para que se dê a luta de classes, já que a longa e intensa tirania e o total domínio dos sindicatos e o amplo controle por meio deles, além da proibição de todo tipo de protestos, impediam que se visse com clareza. Mas tudo isso não impediu que aumentasse a congestão de todas as classes empobrecidas, que daria lugar à ruptura social, além da forma que adotou: o levantamento é uma expressão da congestão crescente.
A “contradição” entre as autoridades sírias e o imperialismo não é uma contradição de classes. Tampouco se deve a uma ideologia nem a um “amor pela nação”, porque isso já não existe nas classes dominantes há muito tempo. As idéias do partido Baath “foram apagadas” e relegadas aos “rincões”.
É preciso uma explicação das diferenças entre USA e Europa, mas o fato é que as classes dominantes é que vivem de rendimentos, que são mafiosas e que estão ligadas ao capital imperialista (seja do Golfo, russo ou turco). Nesse sentido, a diferença política com o USA não nega que as classes dominantes sejam assim, e que se tenha amoldado a economia ao imperialismo atual. Partindo disso conformam suas “alianças” e suas relações e se aferram à “resistência” e se autodenominam “anti-imperialistas”. A estratégia do USA desde setembro de 2001 não incluía a continuidade de ditos governantes no poder, já que buscava fundar regimes sectários. Portanto, as classes dominantes tornaram realidade uma estrutura econômica que se amoldava ao imperialismo, mas as exigências políticas imperialistas impediam o entendimento e pressionavam para que houvesse uma mudança na Síria.
O que pode ser dito aqui é que o levantamento sírio, na sua essência, é um levantamento das classes populares, incapazes de continuar na situação a que haviam chegado, e que buscam derrocar o regime para tornar realidade suas demandas relacionadas com vida diária, o nível da mesma, e com as condições políticas que o permitem, mas não encontraram partidos que expressassem suas demandas uma vez estalado o levantamento espontâneo. Deixaram-se governar por sua consciência “tradicional” e seus lemas são produtos disso. Assim podemos compreender perfeitamente a ausência de forças marxistas, apesar da participação de muitos marxistas no levantamento.