Como operam as classes dominantes

Como operam as classes dominantes

1. A Constituiçãojurada de morte

Em novembro de 1988, um grupo de intelectuais liberal-conservadores reuniu-se na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — BNDES, no Rio de Janeiro.

Coordenado por João Paulo dos Reis Velloso, ex-ministro do Planejamento (períodos Médici e Geisel), o I Fórum Nacional destinava-se a lançar bases para a reversão das derrotas sofridas pelo capital transnacional e associado com a Constituição recém-promulgada. Como nota a professora Carla Luciana Silva, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, em sua tese Veja: O Indispensável Partido Neoliberal, com a qual obteve o doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense, o Fórum "buscava traduzir a experiência do reaganomics e thatcherism para a realidade brasileira", com vistas a uma "contra-reforma moral e intelectual".

A atuação do Fórum, entretanto, não se restringiria a esses convescotes. Como se pode ler num texto oficial de apresentação publicado em seu sítio : "O Inae/Fórum Nacional não é uma simples instituição de pesquisa, ou órgão de debates"; seu trabalho é "voltado para o processo de tomada das decisões" necessárias à "modernização" e ao "desenvolvimento".

Em 19 anos de existência do Fórum e da Constituição, esta sofreu 62 alterações — boa parte "recomendada" por ele. Um exemplo: a reforma privatizante da previdência do funcionalismo, promulgada em 2003, começou a ser discutida no Congresso em 4 de junho daquele ano. No final de maio porém, ela fôra tema de um painel do Fórum com o então ministro da Previdência de Luiz Inácio, Ricardo Berzoini; o ex-ministro de Cardoso, Roberto Brant; e o "coordenador técnico" do principal lobby pró-reforma, o Plano Diretor do Mercado de Capitais (ver matéria nesta edição ), Carlos Antonio Rocca.

2. Retrato do poder

É o próprio Fórum que declara em seu sítio que suas atividades "são financiadas mediante doações de Patrocinadores". Telefonica, Vale do Rio Doce, Bradesco, Gerdau, Embraer, Odebrecht, Telemar, Ultra, Gradiente, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Ibmec, Sebrae, CNI, Fecomércio-RJ, Fiesp e Firjan figuravam entre seus "grandes beneméritos" e "patrocinadores especiais" em 2007.

O Fórum serve como instância de interlocução entre essas corporações e o Estado. BNDES, Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) integram o Conselho Diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), encarregado de organizá-lo. Entre seus grandes beneméritos de 2007, figuram, ainda, Banco do Brasil, Petrobrás, Correios, Caixa Econômica, Eletrobrás e Banco do Nordeste.

O poder do Fórum sobre o Estado brasileiro está tão consolidado que mostra-se imune às disputas entre os grupos encarregados de gerí-lo.

Em 19 anos de existência
do Fórum e da Constituição,
esta sofreu 62 alterações —
boa parte "recomendada" por ele

Em setembro de 2005, o Fórum reuniu-se em pleno BNDES para pregar a "reproclamação da República" — o que, no contexto da crise política que se desenrolava, tinha a conotação de destituir Luiz Inácio. Em maio de 2006, com a ofensiva ainda em curso, o governo tornou a ceder as instalações do BNDES para seu encontro anual. Reis Velloso, seu principal dirigente, lançou mais diatribes golpistas, defendendo a tomada do poder por "brasileiros de boa fé". Enquanto isso, a relação institucional entre o Fórum e o Estado permanecia intacta.

3. Eterna vigilância

Essa fusão Fórum-Estado dá-se a partir de 1994, quando Fernando Henrique Cardoso — um de seus fundadores e membro de seu conselho diretor até 2007 — assume a chefia do Executivo federal. O programa do Fórum e o do Estado brasileiro passam a ser uma coisa só; as reuniões no BNDES tornam-se um balanço comemorativo de sua implantação.

Em 8 anos como chefe de Estado, Cardoso esteve entre os conferencistas do evento três vezes: 1998, 2000 e 2002.

A partir de 2003, a relação Fórum-Estado muda para permanecer igual. Com a transferência da chefia nominal do governo de um de seus dirigentes (Cardoso) a alguém que, mesmo disposto a fazer seu jogo, não provinha do que o ex-governador de SP Cláudio Lembo chamou de "elite branca" (Luiz Inácio), o Fórum adota uma postura mais ofensiva.

Suas reuniões tornam-se uma instância de prescrição de medidas e cobrança cerrada de sua aplicação. Entre 2003 e 2007, compareceram a elas: Antonio Pallocci, Guido Mantega, Henrique Meirelles, Dilma Roussef, Luiz Fernando Furlan, Márcio Thomaz Bastos, Walfrido Mares Guia, Paulo Bernardo, Ricardo Berzoini e Roberto Rodrigues, entre outros integrantes dos altos escalões do Estado. Além disso, o Fórum conseguiu emplacar dois membros de seu Conselho Diretor como ministros de Luiz Inácio:Marcílio Marques Moreira (Ética Pública) e Nelson Jobim (Defesa).

4. Intelectuais terceirizados

A eficácia do Fórum Nacional como dispositivo de ação política se alicerça numa sofisticada ação ideológica, que lança mão do establishment acadêmico e da imprensa monopolista.

Em sua tese, Carla Luciana aponta como um de seus estratagemas a divulgação de pesquisas encomendadas para legitimar suas reivindicações. A professora aponta a revista Veja como porta-voz extra-oficial do grupo na imprensa.

É o próprio Fórum que afirma, em seu sítio, que trabalha "terceirizando, mediante a prestação de serviços, suas atividades-fins (estudos e pesquisas)". Isto significa que eles são realizados sob encomenda e remuneração das corporações que o sustentam.

Eles são escritos, via de regra, em linguagem cifrada e ambígua. Os sistemáticos ataques do economista Raul Velloso (irmão de João Paulo) à Previdência Social, por exemplo, são apresentados como crítica à "rigidez orçamentária" federal. O rebaixamento dos benefícios assistenciais a idosos e deficientes para aquém do salário mínimo, defendido pela economista Sonia Rocha, é apresentado como "porta de saída" da pobreza para quem os recebe.

5. Colonialismo e repressão

Diante disto, não surpreende que o encontro de 2008 — a ocorrer de 26 a 30 de maio, no BNDES — tenha como tema "200 anos de Independência Econômica", numa alusão à abertura comercial de 1808, que transformou o Brasil em colônia inglesa.

Mas há um assunto do qual o Fórum fala claro e grosso: a repressão social, principalmente no Rio de Janeiro. Duas conferências de José Vicente da Silva Filho — coronel reformado da PM paulista, ex-secretário nacional de Segurança Pública e mais constante interlocutor do Fórum para o assunto — são ilustrativas a respeito.

No Fórum de 2006, José Vicente pregava a redução da maioridade penal, visando punir crianças e adolescentes que se mostrem "predadores da sociedade"; propunha a criação de uma força federal militarizada para "conflitos complexos no campo"; e atacava a tolerância do "ultrapassado pensamento de esquerda" para com "ações de depredação, saques e invasões do MST e do MLST". "Polícia, justiça, prisões são remédios universais para pessoas mal formadas ou mal intencionadas" — arrematou em 2007.

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