- Numerosos e conceituados economistas das principais entidades acadêmicas, consultorias e institutos reconhecem a seriedade da presente crise e a relacionam a uma contradição que apontam na política governamental.
- Essa contradição seria aplicar, ao mesmo tempo, políticas fiscais e monetárias – inclusive juros estupidamente altos, do agrado de banqueiros e rentistas – e políticas sociais distributivistas, além de manter gastos públicos para fomentar investimentos.
- De fato, a aplicação conjunta dessas políticas gera crises recorrentes, e cada vez mais graves, inclusive porque os efeitos acumulados dessas políticas causam desequilíbrios cada vez maiores.
- Mas, piores que a incongruência das medidas macroeconômicas são os colossais defeitos intrínsecos de algumas delas, como é o caso das taxas de juros – enganosamente justificadas como barreira à inflação, e, na verdade, fonte da inflação dos títulos públicos (elevação desmedida da dívida pública), sem qualquer contrapartida positiva para a economia produtiva.
- Ao contrário, prejudicam-na crescentemente, à medida que os gastos financeiros abocanham percentual cada vez mais dominante das despesas públicas e privadas. Com isso já se entende o porquê da recorrência das crises e a natureza cada vez mais perversa delas.
- Mas há algo que fere ainda mais agudamente a economia e a sanidade social do País. São os defeitos estruturais do “modelo brasileiro”: desnacionalização e dependência financeira e tecnológica. Eles conduzem à desindustrialização (reprimarização), e acarretam desemprego, miséria, além de mais ignorância e alienação.
- Os próprios vícios e incongruências das políticas macroeconômicas são consequências dessas estruturas determinadas por interesses estranhos aos da sociedade em seu conjunto.
- Poder-se-ia dizer que o tecido social está sendo atacado com efeitos não tão diferentes do que as potências imperiais produziram no Iraque, Líbia etc., por meio de mísseis e bombas. É a devastação sem necessidade dessas armas, tendo por instrumento a política econômica.
- No ponto a que chegaram a desnacionalização e a concentração, não há condições de poder para adotar política macroeconômica conforme os princípios recomendados por Keynes, Kalecki, Minsky, ao gosto dos desenvolvimentistas, nem isso serviria de muito.
- Ademais, essa política, por si só, não sanaria os desequilíbrios decorrentes dos oligopólios econômicos e financeiros, nem tampouco os ligados às deterioradas e mal concebidas infraestruturas físicas (transportes, energia, comunicações, insumos básicos) e sociais (educação, saúde, cultura).
- Toda a estrutura produtiva e de mercados, bem como as infraestruturas foram sendo formadas em função de interesses de grupos concentradores, principalmente sediados no exterior. Assim, os investimentos têm sido alocados sem atenção ao benefício que deveriam trazer à economia nacional em seu conjunto.
- Como se sabe, o Brasil nunca chegou a formar entre os países desenvolvidos, embora tenha mostrado ter diversas das condições para isso e haver alcançado padrões elevados em algumas atividades.
- Intervenções oriundas do exterior cassaram o requisito essencial para conquistar o desenvolvimento:a real autonomia política. De fato, ele se torna impossível se as coisas vão sendo arrumadas basicamente com o objetivo de proporcionar ganhos a grupos financeiros e econômicos.
- O fato é que, em 2015, o descalabro patente na queda econômica e social torna mais difícil continuar mascarando as políticas de favorecimento a esses grupos, como se elas levassem, algum dia, ao desenvolvimento.
- Grande parte da população revolta-se com a exposição de casos específicos e adrede selecionados de corrupção no sistema político. A ela, entretanto, é subtraído o conhecimento da corrupção intrínseca ao sistema, e que explica por que um país com o potencial do Brasil chegou ao presente estado de coisas.
- É essa corrupção que torna inviável, sob as atuais instituições, até mesmo atenuar os defeitos da estrutura econômica e os da própria estrutura de poder. Que dizer da inescapável conclusão, para quem quer que não tenha ojeriza a encarar realidades desagradáveis? Ela é:
O Brasil tem necessidade e urgência de reconstruir todas as suas estruturas sociais, econômicas e políticas, e é claro que isso não tem como ser feito no quadro da atual sistema político. - Como avaliava o Prof. João Paulo Almeida Magalhães, o Brasil, até os anos 30, do ponto de vista econômico, não era Brasil, mas, antes, América Portuguesa, pois as estradas ligavam diferentes regiões à costa, mas não as regiões entre si.
- A própria Constituição de 1891 refletiu essa realidade alienada, implantando quase uma confederação, copiada dos EUA, cada Estado brincando de país soberano.
- O anseio de desenvolvimento, estimulado pelo isolamento econômico propiciado, de 1914 a 1945, por duas guerras mundiais, entremeadas pela depressão mundial dos anos 30, ganhou espaço na política econômica, a partir da Revolução de 1930, tendo o Estado Novo reenquadrado os Estados sob a autoridade federal.
- Entretanto, o processo de unificação nacional foi interrompido de 1946 a 1950 (Dutra), com a reinserção do Brasil no aprisco do sistema mundial comandado pela finança anglo-americana, e não teve tempo suficiente de recuperação nos quatro anos seguintes sob a presidência de Vargas.
- De fato, sua política foi manietada pelos abusos que a democracia formal facilita, quando se trata de cercear a autonomia e o desenvolvimento do País.
- Sob JK, a mudança da capital, inspirada pelo ideal da interiorização, foi acompanhada por frontal contradição: a desnacionalização da indústria, ponto de partida da desnacionalização geral, que, entre outros desastres levou à reprimarização da economia e à volta da infraestrutura colonial anterior a 1930.
- O notável é, como acontece até hoje, que as medidas tendentes a frustrar o desenvolvimento foram apregoadas como desenvolvimentistas.
- A entrega do mercado da indústria, desde a 2ª metade dos anos 50, foi rotulada de impulso ao desenvolvimento industrial, e implantação de fábricas operadas por carteis transnacionais com matrizes no exterior fez crescer o produto industrial, no curto prazo.
- Entretanto, era o cavalo de Troia, sacramentado pela CEPAL (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina): a ideia segundo a qual o desenvolvimento viria da industrialização, sem considerar que isso só é verdade se erguida com capital e controle de tecnologia próprios. Além disso, ela já percorrera bom caminho no Brasil.
- A “compra” do conto de vigário foi viabilizada pela derrubada, em agosto de 1954, do presidente Vargas, para a qual este colaborou, desde 1952, fazendo concessões e deixando de opor resistência firme aos golpistas.
- Essa referência deve estar presente na mente dos que entendem ser indispensável reverter a rota de afundamento na qual o País vem rumando até hoje.
- Com efeito, mesmo quando não formados por adeptos do império anglo-americano, os governos mostraram-se conciliadores demais com os interesses deste, e, sob formas “democráticas”, o Chefe do Executivo sempre dependeu dos outros poderes, especialmente do Congresso, além de sofrer pressões de várias origens, movidas pelo dinheiro corruptor.
- Jânio Quadros percebeu essa dificuldade e tentou, sem êxito, um golpe com apoio dos ministros militares. João Goulart, por demais conciliador, já assumiu com seu limitado poder contestado por esses ministros, e adicionalmente podado, ao aceitar a emenda parlamentarista.
- Ignorou que, mesmo com essa restrição, só entrou na presidência, graças a haver Leonel Brizola, junto com chefes militares do Sul, chegado até São Paulo e posto em cheque os que, em Brasília, estavam desrespeitando a Constituição. Goulart demoveu Brizola de prosseguir.
- Nos governos do regime militar – mesmo os de Costa e Silva e seguintes, nos quais houve espaço, em áreas importantes, para medidas nacionalistas, inclusive criação de novas estatais – a dinâmica desnacionalizadora continuou no setor privado, e esses governos, em geral, cederam ao sistema financeiro mundial.
- Isso foi fatídico, em conjunção com o crescimento exponencial da dívida externa decorrente da desnacionalização da economia, geradora de elevados déficits nas transações correntes com exterior.
- A dívida agravou-se, ainda mais, em função das imposições dos bancos estrangeiros nas “renegociações” e “reestruturações”, nas quais a dívida externa privada foi assumida pela União. Além disso, parte foi convertida em dívida interna, a qual passou a aumentar exponencialmente, através de taxas de juros absurdas, a partir especialmente de 1988.
- Na “Nova República”, a desnacionalização tornou-se ainda mais galopante, e, hoje, em todas as áreas da economia, as estruturas e infraestruturas estão configuradas em favor de carteis sediados no exterior, como detalharei no próximo artigo.
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*Adriano Benayon é doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha, e autor do livro “Globalização versus Desenvolvimento”.