Como seria o Brasil socialista?

Como seria o Brasil socialista?

Quando a Editora Civilização Brasileira, entre 1962 e 63, publicou cerca de onze livros de uma série que levou o nome de Cadernos do Povo Brasileiro, vivia-se um momento fértil do movimento de massas, com o povo mobilizado constantemente e ávido de informações. Ainda que predominasse o oportunismo entre as maiores organizações de massa, os problemas nacionais eram debatidos em cada casa, nos locais de trabalho, nas praças públicas, nas escolas. Mais do que tudo avançavam as lutas de massas e o povo começava a dar combate ao oportunismo. Os brasileiros redescobriam o Brasil. As questões candentes vinham do povo e a ele retornavam, e quase sempre acabavam por tomar a forma de livros, brochuras, panfletos, os primeiros tablóides ousados no conteúdo, na linguagem, na forma gráfica. As manifestações populares e democráticas ganharam espaço no teatro, no cinema, na música e nas diversas expressões da cultura intelectual. Os primeiros lançamentos da série Cadernos do Povo Brasileiro, por exemplo, foram: Que são as Ligas Camponesas, Francisco Julião; Quem é o Povo no Brasil? Nelson Werneck Sodré; Quem Faz as Leis no Brasil? Osny Duarte Pereira; Por que os Ricos Não Fazem Greve? Álvaro Vieira Pinto; Quem Dará o Golpe no Brasil, Wanderley Guilherme; Quais São os Inimigos do Povo? Theotônio Júnior; Quem Pode Fazer a Revolução no Brasil? Bolívar Costa; Violão de Rua (primeiro e segundo volumes), Revolução e Contra-Revolução no Brasil, Franklin de Oliveira. O socialismo, todavia, era o tema que mais curiosidade e admiração despertava no povo. Foi Nestor de Hollanda que se incumbiu de abordá-lo com o seu instigante “Como Seria o Brasil Socialista?”, 85 páginas, talvez o mais lido da série. Nessa época, foi deflagrado um surpreendente debate entre as direções chinesa e soviética e as teorias de Kruschov traidor eram seguidamente denunciadas. Uma poderosa contra-revolução arrastava a URSS para o capitalismo, mas suas conseqüências eram desconhecidas pelos povos, e levaria ainda muito tempo para que as massas começassem a entender o significado (e os limites) da ofensiva estratégica imperialista e social-imperialista, e de tempo percorrido pelas primeiras experiências de revolução democrática, de socialismo e das revoluções culturais, significavam ainda a infância da emancipação do proletariado e das massas oprimidas. É oportuno citar alguns trechos extraídos de Como Seria o Brasil, já que o espaço não nos permite reproduzir na íntegra um único capítulo da obra. Nesta oportunidade, tornamos público os agradecimentos ao professor Roland Corbsier que gentilmente cedeu de sua biblioteca, em caráter de empréstimo, um exemplar da obra.

Preâmbulo

(…) É difícil de definir-se, com segurança, com precisão, em que moldes teríamos em toda a sua extensão esse regime tão discutido — aspiração dos que trabalham para uma minoria privilegiada que se locupleta, com a labuta do povo, e pavor dessa minoria, que vislumbra nele a possibilidade de perder primazias injustas e inadmissíveis. Em cada país, são diferentes as manifestações do socialismo. Nunca o mesmo em duas nações. Há um mundo de fatores que jamais poderiam ser desprezados, sobretudo na tradição histórica e na índole de cada povo. Fatores de todos os matizes. Circunstâncias sociológicas e até geográficas. (…) Vemos assim que o socialismo não é uniforme. Erram os que pensam poder impor ao Brasil a mesmíssima Constituição chinesa, a polonesa ou a iugoslava. Muito menos — e pelo primeiro exemplo já se sentiu isso — o regime soviético em todas as suas nuanças. (…) Contudo, o socialismo em toda parte é igual pela essa essência: a eliminação da exploração do homem pelo homem. Deste princípio decorre a extinção da propriedade privada e surgem as modalidades de execução econômica. E é igual à meta: absoluta independência econômica de cada povo socialista e visão completa de fraternidade universal, liberdade, bem-estar social, um mundo de conquistas que o capitalismo não permite ao homem comum, ao trabalhador, mesmo porque jamais chegaria a extinguir as castas sociais, sem que se extinguisse a si próprio. Não é temeridade anunciar a marcha brasileira para o socialismo. Por farsa de sua própria evolução, de suas conquistas pelo progresso, vai o nosso País, queiram ou não os homens sem visão panorâmica, egoístas, reacionários, a caminho dessa fatalidade histórica, indiscutível. (…) Mesmo que se considere lento o avanço da cultura popular brasileira, por mais que atuem em contrário os mistificadores da reação, sentimos o avanço de consciência de massa no Brasil. O trabalho de trinta anos atrás não sabia, mesmo nas metrópoles, nos mais civilizados centros, se possuía direito a alguma coisa, muito menos se em qualquer tempo lhe dariam garantias mínimas. (…) Por outro lado, o trabalhador sempre está em marcha para a própria libertação. Compreendendo isso, não devolverá meio milímetro, depois, por hipótese alguma. E assim conduzem ao socialismo todos os caminhos brasileiros que as elites governantes possam apresentar — todos, sem exceção. (…) Já hoje, quando as massas brasileiras se esclarecem, e, em conseqüência, vão descobrindo as causas de sua atrofia, e identificando os que se beneficiam com seu esmagamento, a libertação econômica é a maior aspiração brasileira. Diante dessa aspiração, fica sem argumentos a minoria privilegiada. Se temos mão-de-obra e matéria-prima, capacidade e coragem, amor ao Brasil e vontade de crescer, por que não nos libertamos? As elites não respondem, porque não revelariam espontaneamente o inabalável interesse de manter seu próprio status. Pouco se lhes dá que poderes econômicos estrangeiros atuem imperiosamente na vida nacional, pouco se lhes dá que populações inteiras passem as piores privações, porque sem tais circunstâncias, elas, as elites, não subsistiriam. São estas as razões das lutas de classe, que transformam populações inteiras em maltrapilhos, famintos, desprotegidos, miseráveis, como acontece no Brasil, onde a Constituição, por ironia, afirma que “todos são iguais perante a lei”. Como acreditar que todos são iguais, se os latifundiários escravizam, exploram e mantêm no mais absoluto abandono quarenta milhões de brasileiros, numa população de setenta e poucos? São quarenta milhões de camponeses famintos, em estado de completo barbarismo, vivendo em choupanas, autênticos párias, em regime de força, dominados pelo rifle do capanga, sem qualquer direito, sem escolas, médicos, hospitais, dando filhas aos prostíbulos e filhos à escravidão ou ao cangaço, para que os donos das terras vivam nababescamente, com lucros, em média, de cinco mil por cento. O Código Penal é para os infelizes. Homens de fortuna livram-se dele a todos os instantes, mesmo quando praticam ou autorizam os mais bárbaros crimes, do homicídio ao estupro. O Código Civil garante a propriedade privada, porque foi elaborado por privilegiados, descendentes de privilegiados, para servir a privilegiados. Enquanto isso, a Igreja silencia e, portanto, pactua, oferecendo a outra vida, no céu, como consolo… Ao mesmo tempo, a corrupção não tem freios nas altas esferas, com seus preeminentes representantes ligados, diretamente e sem fazer segredo disso, às potências imperialistas, e a manter sempre, em detrimento da economia nacional, grandes reservas nos bancos estrangeiros, possivelmente para futuras eventualidades… Esse estado de coisas é igualdade? Sem a extinção da propriedade privada, sem a erradicação completa das castas sociais, é indiscutível que nenhum homem poderá ser igual aos demais de uma sociedade. E isto só pode ser obtido pelo socialismo. Assim, desejam-no como regime social todos os não pertencentes às elites corruptas. Os espoliados. Por conseguinte, a grande maioria. À medida que esta se vai instruindo, compreendendo os direitos que tem e descobrindo a força que possui, o capitalismo desumano vai perdendo terreno.

Empresas

(…) O capitalismo faz o homem vender sua capacidade de trabalho. Porque desenvolve a grande necessidade do dinheiro, e, somente tendo dinheiro, alguém consegue abrir todas as portas. O homem é levado a trabalhar para ganhar a vida, enquanto o capitalista só encontra incentivo para intensificar a própria produção se obtiver, nisso, alguma forma de lucro. Do lucro surgem os donos das grandes fortunas, as minorias privilegiadas. E todos sabem que o chamado ´homem de posses´ estende seu poder à liderança política e social, justamente o que leva multidões à escravidão e motiva a conseqüente luta de classes. Já hoje, o capitalismo é, sobretudo, monopolista. Eis o que se identifica como imperialismo. O poderio econômico não se contenta em escravizar trabalhadores de seu próprio território; quer o mundo inteiro em suas mãos. Une-se a ele, nessa missão, o irmão gêmeo, o poderio militar. Ambos oprimem nações, explorando-as ao máximo, interessados sempre em que dependentes e colônias se mantenham subdesenvolvidas. (…) Mesmo não sendo uniforme o socialismo, a propriedade social, pública, dos meios de produção é a sua característica essencial. Em outras palavras: são estatais todas as empresas. Claro que, no Brasil, não poderia o Estado açambarcar, repentina e violentamente, todas as organizações comerciais, industriais, agrícolas etc. Já foi explicado que haveria de respeitar série imensa de fatores preponderantes de nossa formação, conforme ocorreu em todos os atuais países socialistas, cada qual com suas fórmulas à parte. Haveria a considerar o processo político, o econômico, e o financeiro. Sem dúvida, verificar-se-ia um interstício benevolente, amplo, até certo ponto lento, de tolerância à iniciativa privada de modo geral, como ainda acontece na grande maioria dos países que se libertaram ou que se estão libertando dos jugos econômicos, a começar pela China. E, nesse processo, vale a pena incluir as formas de se estruturarem sociedades mistas, nas quais as conquistas dos trabalhadores são imediatamente efetuadas, sem maiores perdas — ao contrário, com vantagens até excepcionais — para o chamado patrão. Disse-me o dono de uma fábrica de tecidos na China: – O Estado é meu sócio e aumentou minha fábrica. Antes, não pude fazê-lo, porque os trustes estrangeiros, sobretudo ingleses, não permitiam. Agora, eles não mais existem. Minha fábrica é cinco vezes maior, e, portanto, ganho cinco vezes mais. Mas seu drama: – Tenho, apenas, um filho. Ele, porém, não quer herdar minha fortuna, porque não vai ter o que fazer com tanto dinheiro no regime de nosso país. E, a seu conselho, vou deixar tudo para o Estado. O socialismo não proíbe, propriamente, em sua prática, a iniciativa privada, salvo em casos especiais: os colégios, para o ensino ser gratuito; a assistência hospitalar, porque esta, igualmente, tem de ser gratuita; as empresas de serviço público (transportes, luz, gás, telefone, abastecimento etc.); rádio, jornal, televisão, cinema, livro, todos os meios de divulgação, porque arte; cultura e educação não podem ser privilégios de castas; como esses, são monopólios estatais as indústrias farmacêuticas, petrolíferas, siderúrgica. (…) O trabalho é, para todo cidadão apto, dever e causa de honra, com o lema: “Quem não trabalha não come”. É a base filosófica do socialismo: ´De cada um, segundo sua capacidade; a cada um, segundo seu trabalho´. (…) De qualquer forma, não resta a menor dúvida, a meta é uma só, ponto fundamental: devem ser estatais todas as empresas. E isso o socialismo acabará por conquistar, em todos os setores, dando aos trabalhadores direitos e regalias idênticos, sem exceções, embora com salários diversos, correspondentes a cada função, numa classificação por mérito.

Trabalhadores

(…) Como acontece, de forma única, em todos os países socialistas, o poder pertenceria aos trabalhadores. Isto já ficou, mais ou menos, demonstrado. Quando se dissesse Estado, estar-se-ia dizendo, sem a menor sombra de dúvida, trabalhadores. Seriam estes os reais proprietários das fábricas, fazendas, escritórios, lojas, laboratórios, ou qualquer empresa estatal. Sem o capitalista, o banqueiro, o industrial, o latifundiário, o comerciante — abolida, como sinônimo de amo, de empregador, a palavra patrão — cada operário se sentiria também dono de sua fábrica, cada camponês também dono de sua fazenda, cada médico também dono de seu hospital, cada motorista também dono de sua garagem, cada simples pregador de botões também dono de sua alfaiataria. (…) Se há planificação econômica, se a produção é cientificamente estudada para o uso, e não é constituída de mercadorias para a obtenção de lucro; se não os sindicatos, e, por conseguinte, os próprios operários, que determinam a capacidade máxima de produção de cada empresa; se a lei proíbe ao Estado exigir qualquer coisa além desse teto, como poderia haver trabalho forçado? Quem obrigaria o operariado a dar mais que determinam as leis, para as jornadas diárias? E o repouso do qual nem o próprio trabalhador pode abrir mão? E os serões e horas extras, mesmo remuneradas, proibidas por lei? Que é o trabalho forçado? A ditadura do proletariado, como os trabalhadores no poder, decidindo tudo (e seria suicídio ele próprio determinar qualquer coisa além de sua capacidade); ou a escravidão capitalista pelo poder econômico, em que cada dono de fábrica quer tirar o máximo de rendimento de seus homens e de suas máquinas, sempre para obter maior lucro, chegando a cúmulos de exploração, como pagar horas extras, serões, férias etc., diante das quais o homem, para ganhar a vida, é levado a dar muitas vezes mais do que pode? As férias, sim, são obrigatórias. A lei não permite que o trabalhador abra mão do direito ao descanso, mesmo ganhando para isso. O repouso é sagrado, para o bem da própria capacidade de trabalho. (…) No Brasil, claro que não mais teríamos as líricas autarquias que descontam parte de nossos salários à vida toda, apesar de não haver nada mais difícil do que se obter alguma coisa delas.

Poderes

(…) Há numerosos caminhos, alguns até aparentemente divergentes, que levam à construção do Estado Socialista, porque nenhum povo pode ser forçado a abdicar da própria formação, de sua índole, tradições, costumes, história, para submeter-se abruptamente à formação uniforme de qualquer regime. (…) Sendo os chamados Juízes do Povo escolhidos pelos habitantes de cada Comarca, com eles seriam eleitos, também, pelo prazo de quatro anos, os jurados, não juristas profissionais, mas sempre pessoas de reconhecida competência. A eles caberia a missão de representar o povo, nos julgamentos, revezando-se, sempre dois em atividade em cada tribunal. E, é preciso se diga, tanto o juiz como os jurados, se por acaso não corresponderem à confiança de seus eleitores, podem ser destituídos das funções e substituídos em nova eleição, tal qual deputado ou senador. (…) Os socialistas não aceitam, e têm razões de sobra para isso, a forma de eleições em uso nos países sujeitos ao capitalismo, sobretudo os subdesenvolvidos e não suficientemente politizados. De fato, em nossos moldes é sempre o poder econômico que decide as eleições. São os homens ligados as trustes internacionais, os donos de grandes fortunas, os latifundiários que obrigam o camponês escravizado a votar em quem eles determinam (os chamados “coronéis”), são os fabulosos capitais empregados em propagandas ostensivas e fartas que influem decisivamente na consciência dos cidadãos.

Sociedade

(…) Como primeiro passo moralizador, uma sociedade com a mulher emancipada, instruída, útil à coletividade, não teria em seu seio a prostituição, chaga social das mais deprimentes, atualmente fruto exclusivo do capitalismo. É neste regime, somente, que se vêem desprotegidas, sem instrução, mães solteiras, desquitadas ou abandonadas pelo marido, ser forçadas, por falsos pré-conceitos e pela própria impossibilidade econômica, a profissionalizar o sexo. A grávida, pouco importa se solteira ou casada, merece, antes de tudo, respeito. Não cometeu mal algum, mas um bem à sociedade, porque vai dar mais um filho ao País. O governo a ampararia, desde seus primeiros instantes de gravidez. E haveria, também, os prêmios especiais às que tivessem maior número de filhos.

Religião

(…) De direito, também no Brasil não há religião oficial; mas, de fato, a católica romana é oficial. Nenhuma outra goza dos privilégios que esta possui. E, mais que isso, manobra, sorrateiramente, ou por coação, com muitos poderes. Senão, vejamos: na Constituição, diversas prerrogativas. No 168, item V: “O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais”, embora afirme que “é de matrícula facultativa e será ministrado por ele, se for capaz, ou seu representante legal ou responsável”. E, no 181, 20º parágrafo: “A obrigação militar dos eclesiásticos será cumprida nos serviços das forças armadas ou na sua assistência espiritual”. (…) O clero, todavia, no Brasil é grande proprietário de redes de colégios para as elites. Os estabelecimentos mais caros lhe pertencem. Ele mesmo escreve, ele mesmo edita, ele mesmo obriga a adoção de seus livros didáticos. E sei de muitos casos em que alunos não puderam fazer exames e foram excluídos de colégios de religiosos, porque os pais não puderam pagar as mensalidades.

Educação

(…) A propósito da educação nos países socialistas, talvez até uma das afirmativas contidas neste livro careça de retificação. É que, quando disse que a democracia popular extingue castas, esqueci-me da criança. Ela é, sim, classe privilegiada. Elite, com todas as regalias das mais protegidas nobrezas. (…) Populações inteiras, nos países socialistas, trabalham para a criança: cientistas, educadores, psicólogos, médicos, enfermeiros, disciplinadores, ginastas, fabricantes de brinquedos, literatos, cinegrafistas, radialistas, jornalistas, chefes de pioneiros, professores de todas as matérias, atores. O resultado desse processo, nas URSS, é fácil de verificar. Em 1913, Lênin escrevia: “Não existe na Europa nenhum país tão selvagem como a Rússia, no qual o povo tem sido despojado de tudo o que diz respeito à instrução, luz e conhecimentos”. Logo nos primeiros momentos do regime socialista, firmou decreto destinado a erradicar o analfabetismo. Era índice muito maior que o atual do Brasil: 80%. Dos maiores do mundo, na época. Em alguns pontos, ia a 90%. Quatro quintos das crianças e adolescentes não tinham possibilidade de estudar. (…) Diante de todas essas experiências, não tenho a menor dúvida em afirmar que a alfabetização em massa — possível, francamente realizável em todo o território nacional, porque outros povos, com maiores dificuldades étnicas e topográficas o fizeram com êxito — a alfabetização em massa viria a ser o passo inicial da socialização brasileira. Com isto, a encampação imediata de todas as escolas particulares — todas, sem exceção, — para a instrução ao alcance de todos.

Comércio

(…) O que mais caracteriza o comércio socialista, porém, é, sem dúvida, o fato de os preços serem um só, em qualquer parte do país. Nada existe de mais cômodo e de mais vantajoso para o consumidor. E jamais tal fato aconteceria em qualquer nação de regime capitalista. Qual a utilidade do atacadista? Nenhuma. Ele é fruto da economia anárquica, sem planificação. Mais um, para elevar todos os preços e asfixiar ainda mais as massas consumidoras, e, como tal, principal causador das sucessivas crises de gêneros. (…) Outra preocupação permanente do socialismo seria a diminuição da jornada de trabalho, o que se iria obtendo na proporção do aumento do poder aquisitivo, com a queda do custo de vida e o crescimento das rendas.

Indústria

(…) Logo no início deste caderno, ficou demonstrado que o capitalismo produz, desordenadamente, para a obtenção de lucro, enquanto o socialismo produz, planificadamente, para uso. Neste caso, o propósito social da produção é direto e consciente; no outro, o propósito não é dos produtores reais, mas dos que os dirigem. Por conseguinte, um objetivo inconsciente, porque o consciente é ganhar dinheiro. Se a padaria de uma vila se destina, exclusivamente, a seus habitantes, preocupada em que não falte nem sobre pão, ela não fabricará mercadoria, mas produto. Não interessa à elaboração econômica de um país socialista se determinada fábrica de tratores tem capacidade de produzir duzentas unidades por ano; se o plano necessitar, apenas, de cem, ela não poderá passar desse número, em hipótese alguma, e isso já foi explicado. (…) Os homens que temem as reivindicações dos trabalhadores, porque não querem perder as posições de feitores, negam fatos como esses. Negam ou escondem. Quando não têm mais argumentos, usam a força. Qualquer condenação a essa barbárie das mais autênticas é chamada “Perigo Vermelho”.

Agricultura

(…) Estruturação agrária socialista, mediante a desapropriação de todas as terras, antes de tudo, com o estabelecimento das sociedades rurais, para o total amparo ao homem do campo e a planificação para seu trabalho, eis a solução. Nosso divertido Art. 156 afirma que a “lei facilitará a fixação do homem no campo”. (…) O homem só se prende ao que é seu, ao que lhe pertence. Sendo dele as terras e os meios de produção, quer em forma estatal, uma vez sinta que é ele próprio o Estado, quer em forma coletivista, quando sua voz é ouvida, pode prender-se e cultivar o chão. A trabalhar para feitores, seja qual for a circunstância, jamais sua fixação espontânea será obtida. E o capitalismo, de forma alguma, oferece qualquer circunstância favorável ao camponês, porque não interessa ao dono de terra abrir mão do regime feudal que mantém seus privilégios — isto sem nenhuma exceção no Brasil. (…) Enganam-se os que pensam que, somente de forma absolutamente coletivista obter-se-iam vitórias e desenvolvimentos agrários. Há países de democracia popular em pleno progresso, ainda com apenas dez ou vinte por cento de fazendas-coletivas. E há até os que nem registram, ainda, índices expressivos de fazendas-estatais. Num território tão vasto, e com tudo ainda por fazer, como o Brasil, o emprego abrupto do coletivismo ou do estadismo absoluto, sem a evolução natural para isso, sem o preparo doutrinário das massas, sem ainda o próprio Estado ter à mão todos os recursos para a assistência imediata ao camponês e os próprios meios de produção, seria o caos. Não há por onde negar é verdade, que a tendência normal de qualquer estruturação agrária socialista é o estadismo, em qualquer país. É a tendência normal em todos os setores da produção. A construção da vida social do campo não poderia fugir à regra. Sua primeira etapa seria, porém, o incremento às fazendas individuais, dando ao homem todo o amparo dos demais trabalhadores, educação e cultura, sobretudo (e este seria o caso do Brasil) condição humana, para, então, poder-se pensar em termos coletivistas. E somente nesta condição seria possível caminhar para a estatização no campo. Por que a fazenda-estatal? Segundo Lênin, ela tem “caráter exemplar, é empresa-modelo do Estado no campo e produz mais com a inversão mínima de meios e de trabalho”. E, na União Soviética, onde está quase absolutamente realizada a etapa do coletivismo na lavoura, embora ainda se encontrem inúmeras fazendas individuais, a marcha para a oficialização total do campo é das mais aceleradas, porque sua concretização será a melhor forma de atender aos interesses de todos os trabalhadores. Seria possível e indispensável, todavia, amparar o camponês, imediatamente. Inconcebível seria — isto, sim — permanecer o regime feudal existente na lavoura brasileira, onde imperam o “cambão” (trabalho forçado, gratuito, devido pelo foreiro ao senhor da terra) e o “foro” (renda paga ao dono da terra). Teríamos o trabalhador rural com jornadas diárias certas e humanas, férias, repousos remunerados, licenças para tratamento de saúde, indenizações de acidentes, salário profissional, aposentadoria e pecúlio. Na segunda etapa, a coletivista, já ele se sentindo também dono, com sua retirada nos devidendos. Na estatização, operário rural. De imediato, a sindicalização. (…) Como é possível pensar em reforma agrária, não raro planejada pelos próprios latifundiários como projeto de sobrevivência ante o avanço sem tréguas do País para as conquistas sociais, como é possível pensar em reforma agrária, sem partir de seu princípio inalienável: a liquidação definitiva do latifúndio?

Conclusões

(…) “O Brasil, aberto aos trustes, espoliado, sofrendo as maiores pressões e explorações de capitais internacionais, faminto, subdesenvolvido, inflacionário, vai despertando, por força do próprio infortúnio, a consciência das massas, à medida que o povo consegue politizar-se. O homem de hoje, nas ruas, esquinas, botequins, saraus domésticos ou encontros de praia, não é mais o mesmo que, há dez anos, discutia, apenas, futebol, divórcios de Hollywood ou notícias das colunas sociais. Fala de questões econômicas e política internacional. Tanto que nas apurações eleitorais já se vislumbram preferências por idéias, e a tendência mais notada tem sido pelas idéias em favor da emancipação nacional sem ingerências do ouro estrangeiro, quer em forma de empréstimo ou sob o falso rótulo de ajuda, como é o caso da ‘Aliança Para o Progresso’, cortina diáfana do dólar e da bomba-atômica. Somos um país rico que não necessita de ajudas. O gigante deitado movimenta-se. Vai erguer-se. E todos os seus caminhos levam ao socialismo, principalmente os apontados pela reação, porque estes são sempre os que a beneficiarão e a seus aproveitadores estrangeiros — e isso conduzirá o povo a maiores sacrifícios, e, automaticamente, a maiores motivos para derrubar os inimigos da Pátria”. Nestor de Hollanda Cavalcanti Neto nasceu em Vitória de Santo André (PE), em 1º de dezembro de 1921 e faleceu em 15 de novembro de 1970. Cientista, teatrólogo, jornalista, diplomado em Direito, funcionário do Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC, compositor de música popular.


Nestor de Hollanda Cavalcanti Neto nasceu em Vitória de Santo André (PE), em 1 º de dezembro de 1921 e faleceu em 15 de novembro de 1970. Cientista, teatrólogo, jornalista, diplomado em Direito, funcionário do Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC, compositor de música popular.
Obras publicadas:
Fontes Luminosas — (Poemas) — 1939 — Editora Geração — Recife (Esgotado);
Um Homem Mau — (Teatro) — 1943 — Editora Brasilidade — Rio (Esgotado);
Anedotas do Rádio — (2ª edição) — 1955 — Editora Gertum Carneiro — Rio (Esgotado);
Diálogo Brasil-URSS — (2ª edição) — 1962 — Editora Civilização Brasileira — Rio;
O Mundo Vermelho — (3ª edição) — 1963 — Irmãos Pongetti Editores — Rio (Esgotado);
Sossego, Rua da Revolução — (Romance) — 1961 — Irmãos Pongetti Editores — Rio;
A Bruxa — (Teatro) — 1962 — Irmãos Pongetti Editores;
Ah! Saudade Engraçada! — (Crônicas) — 1962 — Vencedor do “Prêmio Orlando Dantas”, do “Diário de Notícias” — Livraria São José — Rio;
Gente Engraçada — (Crônicas) — 1962 — Edições de Ouro — Rio. E ainda, A Ignorância ao Alcance de Todos — 1963;
Honrarás teu pai — 1940 (Teatro, adaptado juntamente com a peça Vem, Segue-me);
Jangadeiro — 1964 — (Romance);
Seja Você um Canibal — 1964 — (Humor); Estórias de Bom Humor — 1965 — (Contos); Telhado de Vidro — 1967 — dois volumes (Contos e Crônicas);
Memórias do Café Nice — 1969;
O Decúbito da Mulher Morta — 1970 (Contos);
O Mundo Vermelho;
Sossego, Rua da Revolução;
A Ignorância ao Alcance de Todos;
Itinerário da Paisagem Carioca;
Telhado de Vidro.

Treme o lado direito da rua
Manoel Coelho Rapôso
1964 — Quartel do 23º BC — Fortaleza, Ceará.

Jornais do mundo burguês
abrem-se em manchetes colossais
e do lado esquerdo da rua
o silêncio
do bangalô de luxo um suspiro
um suspiro do senhor do bangalô
e do lado esquerdo da rua
o silêncio
foguetões ensurdecedores
rasgam o firmamento
em violentas explosões de júbilo
e do lado esquerdo da rua
o silêncio
o nome de Deus
pelas caridosas senhoras do soçaite
é pronunciado com emoção
elas agradecem
a salvação de seus palácios
de suas piscinas ornamentadas
de coxas
seios
e virgindades mortas
e do lado esquerdo da rua
o silêncio
a “sagrada” propriedade privada
da terra ensangüentada
está salva
os senhores da terra
matam bois e carneiros
para a festa antecipada
e do lado esquerdo da rua
o silêncio o silêncio o silêncio
do silêncio surge a “profecia”
“toda noite tem aurora”
quebra-se o silêncio
do lado esquerdo da rua
rompe o sol no horizonte
os raios invadem o lado esquerdo da rua
a liberdade se anuncia
treme o lado
direito da rua

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