Com o pretexto de conter o avanço das favelas em direção a áreas de proteção ambiental no Rio de Janeiro, Sérgio Cabral e sua tropa de choque anunciaram no final de março a implantação de uma nova medida fascista: separar os bairros nobres das maiores favelas da cidade com 14 quilômetros de muros, transformando as comunidades em autênticos guetos.
Ato público da Federação das Associações de Favelas do RJ
contra construção dos muros
Antes mesmo de dialogar com moradores e lideranças comunitárias, a gerência estadual no Rio de Janeiro, sob comando de Sérgio Cabral, anunciou no dia 28 de março último a licitação de um projeto que prevê a construção de um enorme muro de concreto com 3 metros de altura em torno de 11 favelas, somente na zona Sul da cidade. São elas, a comunidade Benjamin Constant na Urca; o morro Dona Marta em Botafogo; o Parque da Cidade na Gávea; o Morro dos Cabritos e a Ladeira dos Tabajaras em Copacabana; o Morro da Babilônia e do Chapéu Mangueira no Leme; os morros Pavão-Pavãozinho e Cantagalo em Ipanema e o Vidigal no Leblon.
Rapidamente moradores de grande parte das 11 comunidades mobilizaram-se contra a construção do muro, que no dia 7 de abril começou a ser erguido no entorno do morro Dona Marta após apressado processo de licitação realizado pela Empresa de Obras Públicas e sem o consentimento da população.
Favelas resistem
No dia 14 de abril, lideranças de diversos desses bairros, reunidas na FAFERJ (Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro) juntamente com sindicatos, movimentos de sem teto e de luta por moradia, repudiaram a construção do muro em torno das favelas da zona Sul, aonde a expansão não chegou à metade do auferido na zona Oeste. A posição foi enfatizada em carta publicada pela FAFERJ e assinada por diversas outras entidades.
“Não aceitamos o muro que está sendo imposto às nossas comunidades. Queremos preservar a natureza, mas também a dignidade humana. A desordem urbana é criada pelos governos que não cumprem com o atendimento aos serviços essenciais. Governos que não garantem os direitos individuais e sociais previstos na Constituição. O mesmo poder público, que não tem demonstrado competência para educar sobre a necessária preservação de nossas matas e florestas, para prestar assistência técnica e fiscalizar, não pode tentar resolver esse problema usando arbitrariamente seu poder para construir muros, demolir residências ou remover comunidades”.
Na Rocinha — uma das maiores favelas do mundo — moradores foram além e com a ajuda da associação de moradores realizaram um plebiscito no qual 1.056 pessoas votaram contra a construção do muro e apenas 50 moradores se posicionaram a favor.
No dia 6 de maio um novo ato foi realizado pelas lideranças comunitárias na Praça da República em frente à FAFERJ onde foi reafirmado o repúdio à iminente construção dos muros. Na ocasião AND entrevistou Antônio Ferreira, o Xaolim, presidente da associação de moradores da Rocinha, que foi enfático.
— A Rocinha sempre se posicionou contra o muro. Eu acho que a favela, o povo pobre e os movimentos sociais que defendem as suas causas, já vêm sendo criminalizados há muito tempo. E com a implantação desse muro, estará concretizada definitivamente essa discriminação. Quando as pessoas passarem em frente às favelas, elas entenderão que ali estão os mais pobres, os prisioneiros sociais. Isso tudo vem para acirrar o apartheid social em que mergulharam nossa sociedade, o que também trará mais violência, pois todos querem ter direito à dignidade, não só um lado, então não pode haver separação — protestou Xaolim.
Murar o povo pobre
Curiosamente, pesquisa divulgada pelo Instituto Pereira Passos revela que o crescimento das 11 favelas escolhidas por Cabral para construção dos muros foi mínimo comparado ao percentual relativo a todas as comunidades da cidade.
Segundo os resultados da pesquisa, de 1999 a 2008, a expansão física das favelas do Rio foi de 6,9%, enquanto na zona Sul esse percentual não ultrapassou 1,2%. Favelas como o morro Dona Marta — onde já foram construídos 55 dos 634 metros de muro previstos para a primeira fase do projeto — o crescimento foi de apenas 1%.
Assim, revela-se que a construção dos muros está longe de ter alguma relação com a preservação ambiental ou com o controle do crescimento vertical, mas trata-se de uma nova medida fascista de segregação social e marginalização da pobreza, traços marcantes da atual gerência estadual, que se soma aos seus múltiplos ataques policiais promovidos diuturnamente nas favelas da cidade.