Cordel do Fogo Encantado: O som do sertão, de Arcoverde para o mundo

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Cordel do Fogo Encantado: O som do sertão, de Arcoverde para o mundo

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Com a proposta de expor a dura realidade do povo sertanejo, assim como os detalhes de sua rica cultura, surge em 1997 o espetáculo teatral Cordel do Fogo Encantado, que dois anos depois ganharia fortes traços musicais, transformando-se em uma das maiores representações artísticas do nordeste na última década.

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Localizada a 252 quilômetros de Recife, a cidade de Arcoverde não é só considerada a capital do sertão pernambucano, mas também um berço da produção artística e cultural do nordeste, de uma vasta gama de artesãos, músicos e artistas plásticos; conhecida como a terra do Samba de Coco, com seus "coqueiros" contando o cotidiano da labuta e a história de seu povo. Assim como o Cordel do Fogo Encantado que em 1999 deixa Pernambuco para levar a riqueza da cultura do sertão, seus sons, costumes e as lutas de seu povo, para os confins do Brasil e do mundo. Na formação, Lira Paes no vocal, Clayton Barros no violão e na percussão, a batucada arretada de Emerson Calado, Rafa Almeida e Nego Henrique.

No nome do grupo, o Cordel — tradicional poesia popular falada e escrita — ganha o criativo contorno do Fogo Encantado das fogueiras de São João, representando a cultura e os outros traços do povo sertanejo pelas palavras de um cantador. O aspecto regional das letras, explica-se no primeiro contato com "Lirinha" — como é conhecido o vocalista — compositor de grande parte das letras e dono de um carregado sotaque pernambucano, ao falar e ao cantar, evidência de suas raízes e de sua lealdade cultural ao sertão nordestino.

A origem teatral do Cordel do Fogo Encantado também é perceptível nas apresentações do grupo, onde Lirinha faz expressões corporais muito bem sincronizadas com a evolução musical dos shows, marcados também pela percussão e sua variedade de ritmos, como o Samba de Coco, o Reisado e o Toré.

Em entrevista exclusiva para A Nova Democracia, Lira Paes exaltou a importância do teatro e da música para a disseminação da cultura popular, assim como a extraordinária responsabilidade de músicos, atores e demais artistas dentro desse contexto.

Tem primeiro que haver uma sinceridade de quem está emitindo a mensagem, seja pelo teatro ou pela música. No momento em que isso vira uma coisa estética, toda a questão cultural desaparece. A abordagem política às vezes tem coisas legais e às vezes não, porque tem muita gente faltando com a verdade. A gente tem muito cuidado no sentido de misturar a abordagem política com a questão poética, porque nosso objetivo é tirar o povo de uma situação e colocar em outra. A gente quer que o povo escute as músicas que têm uma abordagem política e decifre da mesma maneira que outro tipo de música, sem que isso seja uma especialidade. A gente canta o tipo de mundo que a gente imagina alternativo a esse — conta Lirinha.

Nas letras, o protagonista é sempre o povo, suas amarguras, felicidades e demais peripécias. Em algumas músicas, como Pedra e Bala, o grupo revela criteriosamente a agonia da vida no sertão e a revolta dos sertanejos, com sua "face marcada pela mesma vida seca, como a terra, rachada".

Essa música surgiu com o B Negão, que é meu parceiro, e a gente queria falar dessa intifada que o povo enfrenta hoje em dia. A ‘pedra contra o tanque’ é como remar contra a maré. Na década de 70 havia um forte movimento nesse sentido, com letras politizadas, mas de lá pra cá, pouca coisa mudou socialmente para o povo, então a gente acha que é legal a poesia social, já que faz o povo escutar a música e ter uma identificação enquanto classe, mas a gente acha que também tem que ter uma ação concreta para que essas coisas mudem — explica o músico, que trata o tema da terra como uma das prioridades no trabalho do Cordel do Fogo Encantado e a essência de transformações sociais muito mais amplas.

O tema da terra é muito presente no nosso trabalho, porque nele está embutida a grande solução para os problemas do nosso país. Acho que muita coisa vai mudar quando a gente encarar com mais seriedade o problema agrário no Brasil. Eu acredito em uma nova condição e em um novo homem, porque para se haver um novo mundo, um novo homem deve surgir, processo do qual nós queremos fazer parte, dando condição para que o homem mude e em seguida mude a sua condição. Eu não acredito na transformação do mundo sem que isso passe pelas pessoas­ — comenta o vocalista.

Em mais de dez anos de existência, o Cordel do Fogo Encantado passou por diversos lugares, no Brasil e fora dele. Países como Bélgica, Alemanha e França já tiveram o privilégio de apreciar o melhor da cultura popular brasileira, dos segredos do sertão e da realidade sofrida de seu povo. Experiência que, de acordo com Lirinha, foi fonte de importantes lições.

É difícil fazer show pra turista. A nossa música tem uma percussão agressiva. Mas foi muito interessante essa viagem pra Europa, porque a gente percebeu que esses limites regionais são invenções nossas. A turma de lá se identificou muito, mesmo não conhecendo Arcoverde e não conhecendo o sertão. A banda também ganhou outra evolução. Pra turma de Arcoverde a música é oferecida de outra forma. Mas foi uma experiência boa — conta.

E todo o mérito pelo sucesso do grupo pertence apenas aos seus componentes e ao povo que o acompanha, já que o Cordel do Fogo Encantado trata-se de um trabalho independente, desde a sua criação.

– Eu acho que não existe uma régua que meça a qualidade dos trabalhos artísticos. Nós nunca nos guiamos pela música aqui do Rio ou outra que seja mais divulgada ou até mais popular do que a nossa. Nesse aspecto cultural, infelizmente hoje o que representa uma coisa muito boa como elemento pra nossa música, pra maioria dos outros segmentos não representa nada. O Cordel do Fogo Encantado nunca fez parte de gravadora. Desde 1999 que ele é independente. A gente tem orgulho disso e não abre mão, porque depois de todo sofrimento que passamos, hoje a gente já fez show em todos os estados do país e no exterior, mesmo com toda dificuldade. Essa é uma vitória da qual a gente não abre mão. O povo não conhece a música do sertão, por conta do poder da grana, o poder do capital. Esse mundo onde tudo é o cachê e tudo envolve grana. Esse monopólio da industria musical direciona o que o povo vai escutar, mas nós estamos aí com a nossa guerrilha e vamos lá — diz Lirinha.

Quando lhe apresentamos um exemplar de A Nova Democracia, Lirinha emenda:

A Nova Democracia, uma coincidência, porque isso é tudo que a gente quer. Eu digo que nessa luta a gente tem que seguir em frente, tem muita gente impedindo o povo de lutar, muitos obstáculos, mas a força do povo é infinita.

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