Se há algo que deve ser creditado a Rafael Correa é sua evidente facilidade para escalar e chamar a atenção dos meios de comunicação do exterior; não exatamente por ser um homem de esquerda, como foi falsamente construído, mas por se aproveitar de qualquer circunstância para entrar no olho do furacão do ruído midiático internacional.
O affaire Assange
Agora Correa está aproveitando uma situação que encontrou por casualidade. Julian Assange é personagem chave em revelar informações secretas das metodologias, escândalos, comentários e conteúdos das políticas e dos políticos de diversos estados do mundo, em particular do USA, através da rede de informação Wikileaks.
Assange, como medida de defesa, argumentou que a real intenção do governo sueco ao pretender extraditá-lo é entregá-lo ao USA, onde é processando por um suposto crime de terrorismo virtual. Até aqui se vê uma mistura de argumentos que complica a situação.
Não seria a primeira vez que um Estado — seja europeu ou de qualquer parte do mundo — utiliza supostos delitos comuns para sancionar ou vulnerabilizar posições políticas e ideológicas críticas. Por isso, é necessário considerar as repercussões políticas que o trabalho do Wikileaksvem gerando. É preciso reconhecer que muitas das informações divulgadas revelaram múltiplos jogos sujos do USA e de outros Estados, confirmando várias suspeitas — algumas que realmente se tratavam de verdades cantadas — que obviamente nenhum dos políticos reacionários confirmaria.
De fato, sempre haverá necessidade de que os povos do mundo estejam informados, através de fontes confiáveis, sobre a forma como o USA manipula e concebe suas semicolônias, e a forma como os políticos bananeiros pró-imperialistas dirigem os países onde governam. Dessa maneira, o mérito de Wikileaks simplesmente é fazer o que todo jornalismo democrático deveria fazer: informar com veracidade. Ainda mais hoje, quando é gritante a manipulação midiática e a sujeição dos jornalistas aos parâmetros dos proprietários do monopólio dos meios de comunicação. Assim, o jornalismo veraz e crítico se converteu em uma espécie em extinção.
Deve ficar claro que o nosso propósito não é dar eco ao pedido da cabeça de Assange, por mais que reconheçamos que se trata de um comunicador e não de um revolucionário. Não faremos o jogo da hipócrita política de cooperação penal internacional com a que diversos Estados reprimem as ideias e informações relevantes aos povos do mundo.
A cara repressiva de Correa
Mas, por outro lado, é preciso mostrar que já estamos acostumados às poses anti-imperialistas e à recorrente autovitimização feita por Correa. Ainda estão frescas em nossas retinas as imagens da falsa “telenovela” que ele protagonizou ao simular que pretendiam dar um golpe de Estado ao seu governo há pouco tempo.
Esse jogo de Correa fica claro quando contabilizamos os jornalistas não alinhados a seu governo que têm sido denunciados e perseguidos através do dócil poder judiciário que Correa maneja no Equador, assim como o número de rádios que foram fechadas também por este líder revolucionaróide.
Correa costuma argumentar que todo jornalista que coloca em evidência o verdadeiro lado conservador do seu governo é um jornalista reacionário que pretende desestabilizar seu governo, supostamente progressista.
Além disso, desde março desse ano Correa vem perseguindo os comunistas, quando ordenou ao serviço de inteligência equatoriano que inventasse uma tramóia chamada “Operação Sol Vermelho” para prender esses lutadores sociais sob o pretexto que estavam conspirando contra seu governo.
“As provas” se tratavam de pequenos textos com conteúdos comunistas, que foram apresentados exageradamente como “literatura subversiva”, como se o comunismo e o terrorismo fossem sinônimos. Que governo “revolucionário” o de Correa! Sua atividade repressiva é uma verdadeira “caça às bruxas”, no mais puro estilo do macartismo ianque, somado à aplicação do chamado Direito Penal do Inimigo para reprimir as vozes críticas.
Em abril desse ano, as forças policiais, sob determinação política de Correa, invadiram e revistaram a casa do cidadão equatoriano Javier Estupiñán, em Esmeraldas, onde só encontraram uma velha bandeira da Federação de Estudantes Secundaristas do Equador (FESE). Eles esperavam encontrar armas e explosivos, mas não encontraram nem mesmo uma guimba de cigarro. Claro que isso não impediu que manchassem a imagem do mencionado cidadão.
Mas, estas não são as únicas pérolas deste repressor com pretensões ridículas de paladino da liberdade de expressão e do anti-imperialismo latinoamericano, que não só atacou a comunistas e jornalistas equatorianos, mas atualmente vem encabeçando a destruição dos frágeis mecanismos de “direitos humanos” da América Latina, pois está pressionando a Organização de Estados Americanos (OEA) para que corte a independência e o financiamento da Relatoria para a Liberdade de Expressão, acusando-a de manifestar irregularidades.
Além de tudo o que já foi relatado, em aliança com o Presidente Evo Morales da Bolívia e os governos do Brasil e Venezuela, em junho desse ano, durante a Assembleia Geral da OEA realizada em Cochabamba, Bolívia, acusaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de defender interesses políticos e econômicos contrários a seus países. Realizaram uma campanha nesse fórum para diminuir as atribuições da CIDH, somente para garantir a impunidade a todas as arbitrariedades cometidas contra os direitos civis e políticos de diversos cidadãos dos países americanos.
É preciso recordar que a CIDH funciona de acordo com padrões internacionais de “direitos humanos”, assinados pelos países membros da OEA. Não se trata de nenhuma instituição de esquerda, mas uma instância meramente jurídica, que se calou em muitas ocasiões frente aos abusos realizados pelos Estados aos cidadãos de diversos países do continente, mas que também atuou algumas vezes para evitar a impunidade de militares nos contextos da guerra suja na Guatemala e no Peru, por exemplo.
Também são conhecidas as investidas que o governo equatoriano, do pseudorrevolucionário Correa, vem exercendo contra os índios e camponeses de seu país, que se levantaram contra as transnacionais do petróleo e as mineradoras que operam com a autorização do governo. A única coisa que os indígenas e camponeses queriam era defender seu acesso à água sem contaminação e ao uso coerente de seu território, submetido à espoliação por estas empresas extrativistas.
Todos esses fatos mostram a verdadeira cara de Correa, muito diferente daquela que aparece nas câmeras do affaire Assange e que cavalga na defesa do direito de expressão dos povos do mundo, armando um show com a participação dos demais Estados membros da OEA, UNASUR e ALBA. Correa tem essas duas faces de Jano: uma hipócrita e a outra repressiva.
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*Jano, na mitologia grega, é um deus que tinha duas caras, cada uma olhando para um lado.