Crônicas da mafiocracia

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Crônicas da mafiocracia

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/58/8b.jpg12 de setembro de 2009, Niterói.

Dois jovens de 17 e 18 anos, após jogar futebol de areia na praia de Icaraí param para pedir informações sobre uma casa a venda no bairro, já que o pai de um deles pretende comprar um imóvel. O proprietário não acredita que dois rapazes de bermudas e sem camisa possam ser compradores. Desconfia se tratar de um assalto, não abre as portas e telefona para a polícia comunicando sobre os suspeitos. Não poderia imaginar que as "autoridades" fossem agir com truculência, até por conta da influência da propaganda apologista das ações policias incrustada nos principais programas jornalísticos, que mostram os "agentes da lei" levando cidadania à população.

Mas, os jovens contam que logo que se afastaram da casa foram abordados pelos policiais. Mesmo se identificando foram algemados, colocados na viatura e levados ao alto de um morro onde sofreram torturas, espancamento e ameaças com armas de fogo. Segundo os rapazes, os policias queriam 10 mil reais para soltá-los, chegando depois a diminuir a extorsão. Pretendiam no mínimo uma arma, como para não sair "empatados". Finalmente contam que os policiais não os mataram porque tinham ficha limpa. Os humilharam mais um pouco e os soltaram.

No dia seguinte, cobertos de escoriações, foram acompanhados dos pais até o 12º Batalhão de Polícia Militar, onde reconheceram por fotografias um soldado e um sargento. O batalhão não divulgou o nome deles e continuam trabalhando. Mas, prometeram "investigar o caso".

Ovelhas negras ou formação de quadrilha

O relato dos jovens coincide com dezenas de outros, nos quais a violência policial com um forte encobrimento dos superiores acaba em versões repetidas. Confrontos, acertos de contas entre traficantes, autos de resistência, suicídios, explicam os cadáveres das páginas policiais. Extorsões a delinquentes ou seus familiares que não são investigadas. E quando não tem mais saída, quando as provas são irrefutáveis, se entrega algum policial para satisfazer a sociedade. Mas que aconteceria se o povo não aceitasse mais isso, se exigisse uma profunda investigação, chegando a quem manda, a quem acoberta e quem é servido. Nos bairros e morros das cidades e no interior do país onde policiais atuam a mando de coronéis contra os camponeses, como AND vem denunciando em cada edição.

Podemos ter uma boa noção voltando sete anos, na Argentina, país que padece uma estrutura de poder bem similar a nossa:

26 de junho de 2002, Avellaneda, Buenos Aires.

Transcorre uma manifestação pacífica contra a política econômica do governo com milhares de participantes. Eles pedem aumento do salário mínimo e da ajuda aos desempregados, e pretendem fechar as vias de acesso à Capital. Um grupo de policiais descaracterizados quebra vitrines de lojas e danifica automóveis. Cria-se assim o motivo para os uniformizados começarem a repressão. Os policiais começam a atirar contra a multidão e quando um jovem cai ferido e um companheiro corre para ajudá-lo, ele também é baleado pelas costas. Os dois são levados ao hospital, onde falecem*. Da porta do hospital o delegado responsável pela operação dá sua coletiva de imprensa:

— São rapazes novos, não tem documentos — disse o delegado Alfredo Fanchiotti, fingindo sentimentos

— Em que situação eles morreram? — pergunta um jornalista

— Desconheço. Eram mais de duas mil pessoas — responde o delegado — A atuação da polícia se marcou dentro da legalidade, nos não nos excedemos. Os tratamos de fazer desistir, mas ninguém liderava o grupo deles, não teve diálogo possível, não pudemos dialogar…

E nesse instante, diante de jornalistas e câmeras de televisão, alguém não aguentou o cinismo e conseguiu acertar dois golpes na cara do delegado. Os dois caíram. Outros policiais se jogaram sobre o cidadão revoltado, mas ele foi rapidamente resgatado pelo povo presente.

A notícia corre e a indignação mobiliza as pessoas. Nessa mesma noite milhares tomam as ruas do centro de Buenos Aires se concentrando na Plaza de Mayo, exigindo castigo aos culpados.

No dia seguinte, as fotografias nos jornais desmentem a versão oficial. O delegado Fanchiotti e seus homens tinham sido flagrados nos assassinatos. Dezenas de oficiais são demitidos, vários julgados e o delegado condenado a prisão perpétua, no caso que ficou conhecido como "O massacre de Avellaneda". Mais do que isso, correu um sentimento pelo país de dizer basta aos contínuos abusos das autoridades. A resposta do povo muda, a revolta aumenta, delegacias são incendiadas. Tráfico de drogas, roubo e desmanche de veículos, associação com delinquentes, seqüestros, extorsão e assassinatos emergem como rotina da prática policial. Mais de seiscentos delegados e oficiais da polícia são exonerados. E uma coisa é clara, estes policias eram pessoas de confiança de prefeitos e governadores. Também é evidente que juízes os acobertavam. Mas o sistema encontra a saída para sua continuidade: a convocação antecipada de eleições. Nenhum político é preso.

A policia é só a parte mais evidente, mas ela é apenas o braço repressivo do Estado. O policial, quanto mais corrupto e truculento, é também o mais fiel e sanguinário cão de ataque, pronto para atuar, para reprimir, seja na defesa de um latifundiário, seja numa manifestação contra vendidos que entreguem a nação. Por isso é promovido e protegido tanto diretamente pelo poder Executivo quanto pelo Judiciário quando aceita sem discutir nem pedir novas investigações as alegações de "autos de resistência" ou de "simples abusos" para os casos de tortura.

Do poder Legislativo saiu a melhor análise extensível a todo o podre velho Estado.

Há meses um senador lançou a idéia de fechar o Senado. Seria uma boa ficar livres, assim rapidinho, desta legislatura abarrotada de figuras desprezíveis, mas nos teria privado do palco para as palavras de um dos mais emblemáticos representantes.

16 de setembro 2009, Brasília

— Aqui um encobre o outro. Não é possível isso aqui virar uma máfia.

O senador Artur Virgilio acertou no diagnóstico.

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*Ademais de Maximiliano Kosteki e Darío Santillán, os jovens assassinados, outros 33 manifestantes ficaram feridos com balas de chumbo. Segundo a versão oficial (apoiada pela maioria da imprensa nos primeiros dias) a polícia só usava balas de borracha levando a concluir que as vítimas eram fruto de uma briga entre os piqueteiros. O jornal Clarín, espécie de versão argentina do O Globo, sempre contrário aos movimentos sociais e apoiador da repressão, reforça a versão oficial, mas sem perceber, publica na capa a foto de um dos mortos ainda vivo e andando nas mãos do delegado.

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