O Cuíra é o que se costuma chamar de teatro alternativo: aquele que está fora da grande mídia, e assim sobrevive. Sua sede, em Belém, é palco para ensaios e apresentações de seus espetáculos e de grupos convidados, e abriga oficinas cênicas e de outras atividades, como confecção de bijuterias e até ateliê de moda, transformando-se em mercadinho de roupas, bijuterias, e tudo mais que é fabricado pelos participantes dos projetos do grupo.

O Cuíra encenando Toda minha vida por ti.
— Cuíra é uma expressão bem daqui do norte do país, e quer dizer ‘muita vontade de fazer algo’. É comum se ouvir pelas ruas da cidade: ‘estou cuíra para fazer isso’. Com essa vontade toda, estamos em atividade há mais 25 anos — explica Edyr Augusto Proença, autor teatral e diretor do grupo.
O grupo nasceu do Experiência, que foi muito importante e conhecido em Belém, na década de 1970. Alguns dos antigos componentes formaram o Cuíra, que ao longo dos anos vem apresentando espetáculos diversificados em sua maioria de autores paraenses, sempre falando de algo relacionado ao universo, o ambiente e o palavreado do povo, envolvendo aspectos da cultura e da história.
— Não costumamos falar exatamente do folclore e sim do cotidiano, da vida da nossa gente. Na verdade, meu primeiro espetáculo Foi Boto Sinhá uma ópera de Carimbó, a respeito da lenda, mas depois disso não cheguei a usar mais especificamente a questão do folclore, e sim qualquer coisa que se volta para a cidade — diz Edyr, acrescentando que é autor de aproximadamente quinze peças do grupo.
O grupo tem espetáculos de vários tipos, como comédias e musicais, para todas as idades.
— Procuramos sempre experimentar novas linguagens, submetendo-nos à forma de trabalhar de diversos diretores convidados, para que possamos realmente, através do teatro, mudar o mundo para melhor, sem demagogia, e sim com muito trabalho e esforço — fala.
— Nossa idéia é fazer com que as pessoas se reencontrem, se vendo em um espelho. Usamos o teatro como um elemento transformador, de pensamento, reflexão, ajudando o povo a construir uma sociedade melhor para si — continua.
— Atualmente o grupo conta com 5 componentes fixos, mas sempre chamamos pessoas de outros grupos, daqui e de outras cidades, e também das oficinas que fazemos para participar das nossas montagens, e assim podermos trocar idéias — acrescenta.
Há três anos o grupo conseguiu alugar uma casa, construída em 1905, no centro da cidade, transformando-a em um teatro com 100 lugares. As poltronas foram compradas de um grande cinema da cidade que fechou suas portas.
— Além de ensaiar e apresentar nossas peças, também oferecemos o local para qualquer outro grupo que queira se apresentar, por no mínimo um mês. Isso porque os teatros daqui, a maioria do governo, sofrem de falta de pauta e acabam oferecendo apenas um final de semana para apresentarmos uma peça que ensaiamos por até seis meses. Algo muito pouco proveitoso — comenta Edyr.
Teatro e transformação
Além de fazer teatro, o Cuíra considera importante uma atitude social junto à comunidade vizinha.
— O local onde estamos é onde funcionou a zona de meretrício da cidade, no passado frequentada por políticos e empresários, e hoje uma área abandonada, onde ainda há algum tipo de prostituição muito barata. Inclusive, quando chegamos, a primeira pessoa ‘curiosa’ que veio perguntar o que seria feito aqui, foi uma prostituta — conta Edyr.

O Cuíra em A voz que fala e canta para a planície
— Por fatos assim, o primeiro espetáculo que realizamos na sede foi ‘Laquê’, falando sobre o período áureo dessa zona do meretrício, com metade do elenco formado por prostitutas da área. A partir daí, passamos a fazer oficinas diversas, com todo tipo de pessoa, não somente com vistas a formar profissionais de teatro, como também demonstrar para essas pessoas outras possibilidades de vida — constata.
Desenvolvemos oficinas cênicas, que as proporcionaram atuar na peça, e de ocupações como: oficinas de bio-jóias e moda. Chegamos inclusive a realizar um desfile de moda com o que elas produziram durante uma semana. Inclusive algumas delas mudaram de vida por terem uma chance de trabalho. Isso nos trouxe muita motivação — afirma.
Os componentes do Cuíra não fazem teatro para ficar ricos ou famosos, e sim por uma questão de ideologia e amor pela arte cênica.
— São inúmeras as dificuldades que temos para nos manter em atividade, já que não temos ajuda do município, estado ou federal, e nem de empresas privadas. O que conseguimos recentemente foi a indicação para Ponto de Cultura, que junto com as verbas de mais dois prêmios que ganhamos, irá nos ajudar bastante — expõe.
— Mas isso só veio agora, normalmente estamos é na rua mesmo tentando patrocínio para as nossas produções, e para bancarmos aluguel, água, luz e tudo mais, além da sobrevivência das pessoas do grupo, já que eu exerço outra profissão paralelamente, mas outros vivem da nossa arte — fala, acrescentando que as peças do grupo sempre são à preços populares.
— Evidentemente que as pessoas que estão no eixo Rio/São Paulo podem vir a achar que a produção daqui tem menos nível, técnica ou luxo, mas isso não é verdade: fazemos teatro de qualidade. E não desanimamos porque acreditamos que se não fizermos a nossa parte não melhorará esse quadro. Por isso estamos sempre realizando oficinas e botando gente nova no palco — conclui Edyr.
No momento o grupo está em cartaz com a peça Abraço, que trata da solidão nas cidades grandes, levando a uma reflexão a respeito do comportamento das pessoas e do individualismo. Paralelo está trabalhando na remontagem do infantil A cidade do circo, e no projeto Cuíra por memória, que contará fatos importantes do passado de Belém.