Trabalhando a cultura do Vale do Paraíba, interior de São Paulo, o Trem da viração viaja nos trilhos da música regional por todo o país. Composto por caboclos autênticos, que carregam o jeito e costumes dos antigos da região, no sotaque, modo de falar, agir, nas piadas e causos que gostam de contar, o grupo já conseguiu gravar três discos, todos com canções autorais, que retratam a cultura e os sentimentos do povo local.
— Começamos de uma hora para outra, em 1998, na cidade de Monteiro Lobato, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Sem nos conhecermos direito, por brincadeira, resolvemos nos juntar e animar o ambiente. Na verdade, só conhecia o Márcio, porque tínhamos tocado juntos. E nasceu o Trem, de forma inusitada e já andando, que nem bezerro. Dali fomos focalizando e trabalhando as ideias da música regional — conta Déo Lopes, que é a voz no grupo.
— Além de mim, também estão no Trem o Cauíque Bonsucesso (sanfona), André Braga (contra-baixo), Marcelo Moreira (bateria), Márcio de Oliveira (violão) e Beto Quadros (violão, viola e bandola). A bandola, inclusive, é um instrumento raro, em processo de extinção, que faz parte da história musical daqui do Vale — acrescenta.
O nome do grupo veio da música Trem da viração, feita por Déo e Márcio.
— Na época, estava acontecendo uma mudança na minha vida, digamos, de ponta a cabeça. Tinha que ir embora de um lugar, mas não queria. Então surgiu o verso: ‘meu amor eu só vou embora no dia da viração’. Quer dizer, no dia que se completasse o tempo de ficar ali. No dia da grande virada, da grande mudança. É uma ideia de esperança — explica.
— A princípio, colocamos no grupo o nome de “Déo Lopes, com o concerto Trem da viração”. Depois pensamos melhor e resolvemos tirar essa coisa de Déo Lopes, porque somos um coletivo de igual importância, e deixamos Trem da viração mesmo. E o nome pegou, exatamente com o sentido da canção — comenta com alegria.
— Já conseguimos gravar três discos. O primeiro, Trem da Viração, 2000, foi todo ao vivo no Espaço Cultural Beira do Riacho, onde o grupo nasceu, em Monteiro Lobato. O segundo, Levanta poeira, 2002, gravamos pelo selo Taru Musika, do Rio de Janeiro. O mais recente é Chega junto, 2007, feito aqui em São José dos Campos — continua.
Os repertórios dos discos são de autoria da própria banda.
— Temos xote, catira, samba, maxixe, moda de viola, batuque, baião, arrasta pé, marchinha. Tudo e muito mais com uma levada que convida as pessoas a dançar, tanto sozinhas como juntas. São bem alegres. Ela tem uma sonoridade regional forte, ligada a nossa cultura cabocla daqui do interior de São Paulo. Todos nós somos do Vale do Paraíba — declara Déo.
— O Márcio de Oliveira é de Santa Branca, o Cauíque Bonsucesso é de Lorena, Marcelo Moreira é de Jacareí, André Braga é daqui mesmo de São José dos Campos, o Beto Quadros é de Taubaté, e eu nasci em Santo Antônio da Alegria e moro em Monteiro Lobato — continua.
Poesias caboclas
— Nossas letras falam de natureza, amor, a vida da gente daqui, as alegrias do interior, os causos, fatos e personagens do passado e presente da vida cabocla da nossa região. Por exemplo, o mestre Zé Mira, que comanda folias de reis do Vale do Paraíba há mais de 40 anos. Os violeiros Jair e Zé Monteiro, de Monteiro Lobato. Zé Quintino, caboclo contador de causos daqui, o mestre calangueiro Ernesto Vilela, de São José dos Campos, e muito mais — expõe.
Déo é o principal compositor do grupo, cerca de noventa por cento das músicas são de sua autoria. Além dele, Cauíque, Márcio e Beto também compõem.
— É uma coisa natural, que pode surgir a qualquer momento, às vezes até canções completas, só precisando serem melhor trabalhadas. Componho desde menino. No princípio o fazia porque não conseguia aprender as músicas que ouvia. Então para não ficar para trás, inventava a minha própria letra (risos) — lembra.
— Em 1973 fui trabalhar como metalúrgico em São Paulo, depois virei contabilista, mas sempre pensando em música, inclusive, participando de vários festivais. E acabei indo morar no morro do Querosene, no Butantã, um local que reúne músicos, atores, artistas plásticos. O nome foi dado porque houve uma época que lá não tinha luz e só lâmpada de querosene — explica.
— Lá, conheci um pessoal do Maranhão. Eram ligados à música e desenvolviam um projeto de bumba-meu-boi, trazendo essa cultura e a difundindo ali, e isso muito me influenciou. De alguma forma, tudo isso que vivenciei veio somar com o que já estava enraizado em mim, a minha cultura, porque tudo é Brasil e se assemelha na essência. Mas não gosto de misturar ritmos, deixo claro que é samba, baião, choro e tudo mais que produzo — declara.
O grupo costuma se reunir para ensaiar e trocar ideias em São José dos Campos, sua cidade oficial, e combinar as apresentações.
— Tocamos muito por aqui e já viajamos por várias partes do país. Só em São Paulo fizemos quase todos os Sescs. Também nos apresentamos em festas de aniversários de cidades e outros eventos assim. Alem disso, frequentemente estamos no Beira do Riacho, onde costumamos virar a noite — conta.
— É um barracão com chão de terra pilada, um gramado e um riacho que vem de uma cachoeira lá perto. Um lugar bem pitoresco, onde acontecem muitos bailes. Espaço alternativo, com linguagem bem ao estilo de Renato Teixeira, Zé Geraldo, Zeca Baleiro e outros afins — continua.
Segundo Déo, lá ou em qualquer apresentação, tem sempre muito bom humor e dança, tudo de forma natural, que lembra as festas tradicionais brasileiras.
— Se contamos com poucos espaços na mídia em geral ou em casas de shows, que dão preferência aos modismos, não é por falta de agrado do público, que sempre está presente onde vamos, curtindo conosco. E essa é a nossa grande recompensa — conclui Déo Lopes.
O contato com o Trem da Viração é: [email protected]