O acordeonista Renato Borghetti é conhecido por sua maneira singular de tocar seu instrumento, seu regionalismo e modernismo, acoplados a um refinamento musical e cuidado em suas composições. No palco, geralmente com suas bombachas, alpargatas e chapéu enterrado na testa, vestimentas do típico gaúcho, Renato defende a sua cultura e o tradicionalismo de sua terra.
Quando nasceu, seus pais já eram ligados ao MTG — Movimento Tradicionalista Gaúcho — sendo este o ponto chave para que hoje Renato Borghetti desenvolvesse o seu estilo de trabalho. Ninguém da família é ou foi músico. A princípio, ainda menino, ele se interessou pela dança e fez parte de um grupo de danças folclóricas de um Centro de Tradições Gaúchas — CTG. Mas acabou desistindo por achar que não ‘levava jeito’.
— Nos CTGs acontecem eventos gauchescos, bailes, todo tipo de atividade cultural regionalista, e posso dizer que me criei dentro de um desses, o da 35. Lá conheci o acordeom ou gaita-ponto, como nós o chamamos aqui no Rio Grande do Sul. Sei que na maioria dos estados brasileiros a gaita é harmônica, aquela de boca, mas aqui o chamamos de gaita, assim como no nordeste é conhecido como sanfona — explica.
— Toco da forma que sinto, procurando sempre mostrar a cultura do meu estado, com o cuidado de dar um equilíbrio entre a modernidade que me proponho a fazer e o regionalismo que não quero perder. Não programo minha música para soar moderno ou diferente, porque acho que seria falso fazer uma experimentação só para, propositalmente, ficar diferente dos outros. Creio que tem que ser autêntico, soar honesto, essa sempre foi minha filosofia — diz.
— O meu desejo é que quando alguém ouvir a minha música diga: ‘isso é um gaúcho tocando’. Não é necessário saber que é o Borghetti, mas quero que saiba que é uma música gaúcha, creio que as pessoas precisam ter essa referência, conhecer a cultura regional — defende.
De uns oito anos para cá Borghetti tem viajado muito pela Europa, divulgando sua música e sendo sempre muito bem recebido.
— Não vou tocar valsa francesa em Paris para agradar o público, uma tarantela na Itália ou um fado em Portugal. Não acho que isso seja correto, justo, porque se estou indo me apresentar, tenho que mostrar o que faço. Não tenho preconceito nenhum de tocar qualquer outro tipo de música, como convidado, mas quando vou me apresentar acho que nada mais justo que fazer a música que me proponho — fala.
— Já gravei com diversos grupos, desde rock, clássico, jazz, música nordestina, e sempre que me convidam, deduzo que eles queiram exatamente esse regionalismo que tenho. Não querem, por exemplo, que eu toque um acordeom com blues, uma gaita bluzeira, e sim esse tempero regional gaúcho — acrescenta.
O ritmo mais popular no Rio Grande do Sul, segundo Borghetti, é o vanerão, que é para os gaúchos como o samba para os cariocas. Depois vem a milonga, a rancheira, o xote, um pouco diferente do nordestino, mas de mesma origem.
— O povo brasileiro tem em sua formação básica o português, o negro e o índio. Depois vêm outras influências isoladas. O povo gaúcho é formado também por descendentes de imigrantes italianos e alemães, e tem uma ligação cultural forte com a Argentina e o Uruguai, por questão de fronteiras, por isso, a nossa música é um pouco diferente em relação aos outros estados brasileiros — conta.
— Mas de tudo que ouço o que mais gosto é do refinamento musical, do cuidado ao compor, do regionalismo tradicional do local misturado ao modernismo, assim como o violeiro Chico Lobo faz em Minas, sem que para isso precise se transformar em um músico ‘pop’. Por outro lado, o descompromisso com a qualidade musical que tem as músicas descartáveis é justamente o que as faz durar pouco. Aqui no Rio Grande do Sul existe o tchê-music, assim como no nordeste tem o axé-music, e são feitas sem a intenção de ser uma música que daqui há anos seja lembrada pelas pessoas — continua.
Mercado paralelo se abrindo
Borghetti comenta que a música de consumo fácil, os modismos, não existe só no Brasil, e sim no mundo inteiro, e o que ele prefere observar é o quanto o mercado paralelo das gravadoras especializadas na música de qualidade, as gravações independentes e, principalmente, a internet, está se abrindo, proporcionando espaço para que essa música apareça.
— Hoje, via Internet, se consegue pelo menos conhecer uma música regional até para dizer se gosta ou não. Também temos algumas rádios aqui em Porto Alegre que tocam músicas regionais e brasileira cultural em sua programação, em horários acessíveis. Há alguns anos para se ouvir essa música por aqui era necessário acordar às cinco horas da manhã, porque só nesse horário elas tocavam nas rádios. Por volta das sete e meia da manhã elas já não tocavam mais — lembra.
— Em todo o estado tem rádios com programação direcionada para a música regional, inclusive, com altos índices de audiência, mostrando que o povo gosta, e é esse direito de escolha do povo que eu acho bonito e muito válido. Temos também um programa na televisão aberta, que está no ar há mais de vinte anos, chamado ‘Galpão Crioulo’, apresentando somente música gaúcha — acrescenta.
— Gosto de observar os bons espaços que temos, até porque o Brasil é muito rico musicalmente, culturalmente, com artistas espetaculares de um canto a outro do país, que precisam divulgar os seus trabalhos, e ver esses espaços surgindo é maravilhoso para quem faz a arte e para quem a usufrui — continua.
Renato diz que seu trabalho é feito pelo amor que tem pela música e as tradições de sua terra.
— Fiz três anos de medicina veterinária, mas não cheguei a me formar, vindo a optar pela música, que é o que realmente eu gosto de fazer. Hoje sou plenamente satisfeito com o que faço, não me proponho a ser famosíssimo, simplesmente quero viver tocando o meu trabalho da forma mais digna possível.
Renato, que já está no seu vigésimo terceiro disco, sendo o primeiro gravado em 1984, ainda em vinil e cassete, tem gravado seus C Ds de forma independente e vendido depois de seus shows e também pelo seu sítio na internet.
— Gosto desse tipo de distribuição, porque aproxima mais o público do artista. Parece que você conhece pessoalmente cada um que compra o seu trabalho, e sinto que lucramos na experiência. Já é o segundo disco que eu faço assim. No momento estou em plena divulgação do meu último trabalho, lançado esse ano, o Fandango, que foi inclusive indicado para o Grammy latino, com shows pelo Brasil e exterior — finaliza Borghetti.