Há sete anos o americano Michael Moore (escritor e cineasta, autor do famoso documentário Fahrenheit 11/9) publicou o seu livro Will they ever trust us again?, cuja a versão brasileira foi traduzida como Cartas da Zona de Guerra: Algum Dia Voltarão a Confiar na América?. Esse livro contém 107 cartas escritas por soldados estadunidenses que compuseram as forças invasoras no Iraque e Afeganistão. Dentre essas cartas, também é comum encontrar relatos de soldados que abandonaram o exército ianque e também cartas de familiares de militares mortos.
Em 2004 o USA ainda não se debatia na grande crise imobiliária, estava sob o primeiro mandato de Bush filho e completava um ano de agressão contra o Iraque. Através dessas cartas é possível perceber como a maioria dos soldados desconheciam a guerra de agressão em tomavam parte, como é fraca a consciência de um soldado treinado para invadir, destruir e matar os povos.
Através delas conseguimos perceber a face de um Estado fascista que organiza um exército genocida, para levar a cabo as mais horripilantes incursões rapaces pelo mundo.
Michael Moore tornou-se conhecido por suas produções cinematográficas que atacam uma série de políticas antipovo movidas pelo Estado ianque. Ainda que cidadão estadunidense, Moore se coloca como o portador das denúncias desde as entranhas do agressor. O que segue são trechos dessas cartas.
Venha e morra por nós!
(…) Nós, da força de Coalizão, não libertamos esse povo; nós os levamos inclusive para uma pobreza mais profunda. Eu não estou prevendo um alívio econômico breve para esse povo, inclusive o Bush já está desviando o petróleo que essa guerra está rendendo para ter certeza que haverá petróleo suficiente para os nossos veículos utilitários esportivos.(…)
Kyle Waldman,
27 de fevereiro de 2004 – Iraque
O presidente não liga
(…)É difícil ouvir o sargento do meu pelotão dizendo “Se você decidir que quer matar um civil por aparentar ser uma ameaça, atire nele. Eu prefiro preencher uma papelada que ter um dos meus soldados morto por algum maltrapilho. (…)
Especialista Willy,
9 de março de 2004 — Iraque
Isso realmente me faz querer voltar
(…) Eu passei três anos na Marinha, até janeiro de 2003, quando eu recebi ordens de mudar do Kuwait para o Iraque. Eu disse aos meus oficiais que eu me recusava ir. Passei os próximos cinco meses em Nova Orleans, estado de Lousiana, onde eu encontrei outros marinheiros que também se recusaram a ir para aquela guerra. Os militares nos classificaram como objetores de consciência (OC), e nossos comandantes nos classificaram como queimadores de bandeira. Os jovens soldados que eu tinha encontrado em Nova Orleans eram alguns dos mais bravos homens que já me deparei. Eles iriam para a cadeia mas não iriam lutar no Iraque. Um de meus amigos que estão lá, Stephen Funk, foi submetido à corte marcial e depois foi preso por seis meses. Mas eu tenho certeza que ele viu isso como um preço pequeno a pagar por seguir seus princípios. Mas o mais engraçado é que ele é o único OC que já vi que foi preso. Isso é porquê ele foi o único OC que foi em público divulgar sua negativa de lutar. Ele deu muitas entrevistas em programas de rádios e jornais impressos. (…)
Vadim Nuniyants,
15 de julho — Iraque
Segundas intenções óbvias
(…) Quando nós somos continuadamente lembrados de que nossos soldados estão sendo mortos por pessoas que simplesmente estão defendendo suas terras de uma força invasora estrangeira, isso é assustador. Eu tenho somente vinte e poucos anos, mas isso parece um Vietnam pra mim. (…)
Brett Sholtis,
27 de dezembro — Iraque
Isso me adoece
(…) Se houvesse o mínimo de evidência sobre uma arma de destruição em massa, ou algum sinal de que o Saddam e sua horda tivessem ligação com o 11 de setembro, as coisas poderiam ser diferentes. Eu sei, eu sei que muitos Iraquianos não gostam da gente. Muitos Russos, Chineses, Mexicanos, Canadenses, Americanos, e todos os outros tipos de “enses”, “eses”, etc, não gostam da gente. (…)
Soldado R.L.C,
23 de maio de 2004 — Iraque
Não existem desculpas para essa guerra
Estou escrevendo essa carta enquanto um veterano irado, que gastou vinte e cinco anos sendo instrutor de infantaria no Exército de Reserva dos Estados Unidos. Eu entendo pessoalmente que muitos dos milhares de soldados os quais eu treinei para o combate foram mandados para o inferno de uma zona de guerra com pouquíssima noção sobre o que aquilo significa. Eu não tenho nenhuma maneira de saber quantos soldados têm problemas mentais, perderam membros, perderam a visão, desenvolverem sérios problemas de saúde ou perderam suas vidas. Nós sabemos que o número de mortos hoje está perto de 900* e o número de feridos está próximo de 7.000. Além disso, um em cada cinco soldados tem problemas mentais por causa de suas campanhas. Existe a possibilidade de que alguns deles sejam meus soldados.
A mentira que ele repete diariamente é de que Saddam Houssein não permitiria os inspetores de armas fazerem seus trabalhos. Falácia! Tinham cerca de 400 inspetores da ONU no Iraque indo para onde eles queriam inclusive nos palácios presidenciais, quando Bush deu a ordem e invadiu uma nação soberana, interrompendo a lei internacional em vigor.
De um veterano do exército,
13 de julho 2004
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*Hoje já passam dos 4.500 militares ianques aniquilados pela resistência iraquiana.
“Equipe da morte”: a Abu Ghraib afegã
Reportagens publicadas pela revista alemã Der Siegel e pela revista estadunidense Rolling Stone em março desse ano denunciaram que militares ianques do 3º Pelotão da Companhia Bravo faziam parte do grupo denominado Kill Team (Equipe da Morte), responsável pela tortura e assassinato de cidadãos afegãos.
Fotos dessas atrocidades foram publicadas junto de um detalhado relato. Militares ianques fazem poses e sorriem ao lado de corpos mutilados de civis afegãos, como troféus de uma caçada. Cenas revoltantes iguais às torturas praticadas pelos invasores ianques na prisão de Abu Ghraib, no Iraque.
A reportagem da revista Rolling Stone é aberta com a narração da montagem de uma cena pelos militares ianques Jeremy Morlock e Andrew Holmes, que simularam um ataque de granada para assassinarem o adolescente afegão Gul Mudin, 15 anos, e desse modo, praticarem o assassinato impunemente. A atrocidade foi tamanha que o sargento Calvin Gibbs cortou um dos dedos do jovem Mudin e deu ao soldado Andrew Holmes como um troféu por ter matado o primeiro afegão. Após um período, esse ‘dedo troféu’ foi utilizado como ficha de aposta em um jogo de cartas. Jeremy Morlock, um mês antes de ir para o Afeganistão, já havia respondido a um processo por “desvio de conduta” após queimar sua própria esposa com cigarros.
Assim como fizeram com o jovem Gul Mudin, outros quatro assassinatos cometidos pelo Kill Team ianque são descritos, sendo um deles um cidadão que aparentava ter deficiência mental.
O sadismo dos criminosos ianques é revelado em planos repugnantes como esse: “Quando estivermos passando dentro de algum vilarejo, vamos jogar doces pela janela do tanque e quando as crianças vierem pegar a gente atira nelas” — propôs um soldado.
Denúncias ainda dão conta de que o exército do USA moveu esforços para que as fotografias não fossem tornadas públicas chegou a promover buscas em casas de familiares dos militares confiscando computadores em que pudessem haver essas imagens.
A reportagem de 14 páginas da Rolling Stone está disponível em inglês no endereço, www.rollingstone.com/kill-team, assim como fotos e vídeos que comprovam as atrocidades cometidas pelos militares ianques no Afeganistão.