De “Maria, a Louca” ao controle tecnológico externo

De “Maria, a Louca” ao controle tecnológico externo

O parque industrial brasileiro foi construído com o uso indiscriminado de pacotes tecnológicos agregados fora do País e controlados por grandes corporações estrangeiras (houve exceções a esse modelo na década de 70, que analisaremos no próximo número). A dependência externa é consequência do modelo de crescimento financeiro implantado entre nós na segunda metade dos anos 50, inspirado nas idéias desenvolvimentistas da CEPAL — Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, órgão do sistema das Nações Unidas.

A “tecnologia externa” é o principal meio de condicionamento e subjugação, mediante o qual se molda e controla a estrutura produtiva industrial nacional, para subordiná-la a interesses externos. Isso acarreta graves consequências para o desenvolvimento, especialmente em setores estratégicos, com efeitos diretos sobre a sociedade como um todo. Essa “tecnologia” engendra o moderno colonialismo, que atinge de modo marcante a estrutura de produção, subjugando-a, como jamais o imaginou o mercantilismo colonial do século XIX, que operava por ação externa pela via dos mercados e das alfândegas.


A “abertura dos portos” afastou-nos da “primeira revolução industrial”.
Hoje estamos onge da segunda pela origem externa do pacotes tecnológicos


O crescimento industrial medido pelo parâmetro financeiro instalou-se no Brasil e teve por base pacotes tecnológicos externos. Assim, deslocou-se para o exterior importantes e intransferíveis decisões. Nessas condições, o modelo de crescimento financeiro dependente de pacotes tecnológicos externos é controlado por corporações transnacionais ligadas a nações hegemônicas.

A “Abertura dos Portos” afastou-nos da “primeira revolução industrial”. Hoje estamos distantes da “segunda revolução industrial” pela origem externa dos pacotes tecnológicos imposta por esse modelo. O que equivocadamente designamos como “transferência de tecnologia” não passa de aluguel a ser pago pelo uso de determinada forma de produção que privilegia as políticas e os fatores produtivos ligados a interesses alienígenas em detrimento de fatores e políticas nacionais.

Os executores externos das opções que compõem os pacotes tecnológicos desvalorizam as matérias-primas e a mão-de-obra locais e desprezam as formas energéticas tropicais. Isso cria divisão internacional do trabalho favorável aos países hegemônicos e promove a desvalorização dos fatores nacionais de produção.

Nos processos de elaboração dos pacotes, as universidades brasileiras têm papel secundário. Elas são excluídas das decisões e viram meras escolas de terceiro grau. Preparam mão-de-obra para as corporações transnacionais que operam no País. Seus pesquisadores estão desligados dos problemas e das soluções locais com participação reduzida no processo competitivo. As soluções tecnológicas vêm de fora, das matrizes de corporações estrangeiras. Na realidade, esses pacotes são elaborados em “fábricas de tecnologia”, externas, de impossível convivência com o modelo dependente. Em consequência, damo-nos ao luxo da cópia e da repetição dos equipamentos importados, quaisquer que sejam as incompatibilidades com nossas realidades naturais e com nossos interesses.

A ideologia colonialista fundamenta-se, desde o século XVI, em países dirigentes e países subjugados. É o imperativo da divisão internacional do trabalho e do saber: à colônia cabe fornecer matérias-primas, de modo cada vez mais oneroso para si, ao passo que o comando do processo fica com a metrópole. A primeira revolução industrial fez-se com essa ideologia colonialista: as metrópoles são superiores em virtude da raça, do clima e da geografia. É a preparação ao imperialismo fundamentado na transplantação cultural para a colônia dos paradigmas metropolitanos que supostamente refletem para eles “razões universais”. É a velha arrogância da prepotente metrópole colonial.

O apanágio cultural da colônia seria a reprodução mimética dessa razão universal, concebida e veiculada pelas nações metropolitanas. Resulta aí a ótica deformada da visão colonizada que desqualifica a Natureza, o local, o habitat, tudo o que é concreto e próprio, o nacional. Conhecemos no dia-a-dia os dísticos do imperialismo: ajuda externa, capital e investimento estrangeiro, austeridade fiscal, superioridade tecnológica, sociedades avançadas, etc.

Está em nossa memória histórica a época de Dona Maria I, A Louca, que mandou destruir os três mil teares existentes no Brasil e deu o monopólio da demanda nacional de tecidos à incipiente indústria inglesa. Agora, a globalização repete o gesto da rainha louca em relação aos países hegemônicos que pretendem alcançar a plenitude com a ALCA. De Maria, A Louca, à CEPAL, há a diferença da tutela tecnológica. No século XIX, os manuais ingleses de colonização, por ignorância e desprezo, estigmatizavam a Natureza brasileira: montanhas altas, rios largos, insetos inumeráveis, calor pavoroso, ventos alísios. Cem anos depois, procedeu-se a industrialização do país, mas com pacotes agregados no exterior dentro dos interesses das nações hegemônicas. A transplantação se faz pela estratégia tecnológica que garante cabal dominação.

Veio o neoliberalismo e eliminou a empresa de capital nacional e qualquer vestígio da participação tecnológica nacional. Surge então a revolução pelo voto, que exige mudanças profundas, muito especialmente na redução da dependência externa, na autonomia e valorização comparativa dos nossos fatores de produção.

Por mais incrível que possa parecer, a solução é a volta à Dona Maria I, revivendo o velho, carcomido e colonial modelo da CEPAL, que há 50 anos vem colonizando o Brasil e entregando o mercado industrial da América Ibérica ao total controle externo, pela reserva de mercado para o estrangeiro dos pacotes tecnológicos que estruturam e dão conteúdo aos parques produtivos nacionais.


Dr. Bautista Vidal é engenheiro, com pós-graduação em Física. Por três vezes, Secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e do Comércio, quando foi propugnador e principal coordenador da implantação do Programa Nacional do Álcool — Pró-Álcool.
Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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