Talvez para deixar claro quem manda no Brasil e a quem seus governantes prestam contas, o Fórum Nacional disponibilizou em seu site, por ocasião do encontro extraordinário de 19 e 20 de setembro, um documento de 178 páginas intitulado “Diálogo Nacional – Plano Nacional de Desenvolvimento: a Hora e a Vez do Brasil”. Produzido em 2010 e relatado pelo coordenador-geral do Fórum, João Paulo dos Reis Velloso, e subtitulado “Proposta ao Próximo Governo”, esse texto compõe-se de demandas de sua “cúpula empresarial”. Durante as últimas eleições presidenciais, o documento foi entregue a Dilma Roussef por intermédio do vice-presidente Michel Temer.
Além da “proposta Alqueres” de privatizar bacias hidrográficas, faziam parte do projeto em questão o fim das restrições à participação das transnacionais na exploração do petróleo da camada pré-sal – tema de um painel na edição de abril do Fórum – e a privatização de rodovias e ferrovias. Essa última medida havia sido anunciada pelo Ministério dos Transportes em 15 de agosto, e o painel de 20 de setembro serviu para comemorá-la e definir alguns pormenores. Intitulado “Competitividade Passa por Um Salto na Infraestrutura e Logística (Prioridade a Portos, Ferrovias e Rodovias)”, esse painel contou com a participação da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffman; do presidente da recém-criada Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo; e do secretário do Tesouro Nacional, Arno Agustin.
O que os três fizeram foi, em resumo, fornecer elementos capazes de confirmar o diagnóstico de Eike Batista, dono de uma das patrocinadoras do Fórum (a OGX) que, no dia do anúncio oficial do pacote de concessões, chamou-o de “kit felicidade”. Figueiredo anunciou que os R$ 133 bilhões (R$ 80 bilhões nos próximos 5 anos) a serem investidos na construção ou reforma de vias de transporte serão emprestados às empreiteiras pelo BNDES a juros subsidiados (TJLP + 1,5% anuais), com 20 anos para pagamento e 3 anos para começar a pagar, no caso dos 7,5 mil km de rodovias; para os 10 mil km de ferrovias, os prazos são, respectivamente, de 25 e 5 anos, a risco zero: o mesmo Figueiredo já adiantara, quando do lançamento do pacote, que toda a capacidade de carga será comprada das concessionárias pela estatal Valec.
A TJLP está, atualmente, em 5,5% anuais, o que resultaria em juros de 7% ao ano, mais baixos que os da casa própria. Mas conforme lembra Agustin, a perspectiva é que caia mais – o que seria um dado positivo se o BNDES cumprisse sua função original de banco de fomento, mas não no contexto de sua política atual de cevar monopólios. Além disso, o secretário do Tesouro anunciou uma desoneração tributária sobre máquinas e equipamentos que interessa particularmente às concessionárias de transportes.
Se esses dados evidenciam o grau de controle que os monopólios representados no Fórum Nacional têm sobre o Estado brasileiro e, consequentemente, sobre seus recursos, eles revelam também a dependência desses mesmos setores face ao financiamento estatal. A crise financeira internacional iniciada em 2008 e agravada em 2011 transformou em lenda a ideia de que “bancos, bolsas de valores, sociedades corretoras, administradores de recursos, investidores institucionais e todos os demais agentes do mercado de capitais e do sistema financeiro privado deverão assumir o papel central na mobilização e alocação de recursos na economia brasileira, até agora desempenhado pelo setor público”, base do documento de fundação do braço operacional do Fórum, o Plano Diretor do Mercado de Capitais (PDMC).
Reflexo disso é o papel protagônico que, nas duas ou três últimas edições do Fórum, tiveram as megaempreiteiras, como Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez, que passaram a década anterior em plano secundário, obscurecidas pelo esplendor do sistema financeiro. Com o fôlego encurtado pela crise, a burguesia burocrática – e mesmo seus sócios majoritários transnacionais – veem-se forçados, ao menos momentaneamente, a renunciar a voos mais altos. Resta-lhes parasitar o Estado por meio de contratos de obra privilegiados – algo que sempre soube fazer muito bem.