São Paulo da rapaziada do Brás, de Alberto Marino e de Marino Jr.; São Paulo do grito do Ipiranga do menino Dom Pedro e do maestro Carlos Gomes; São Paulo do Largo São Francisco, do mosteiro de São Bento; das cobras e lagartos do Butantã, amadas e estudadas por Paulo Emílio Vanzolini, cientista mais importante que o povo todo daqui e dali conhece como o autor do clássico samba-canção Ronda, de 46, gravado em 53 por Inezita Barroso no seu primeiro disco de 78 rpm e em 78, o ano, plagiada por Caetano, o baiano… Coisas da vida, diria o próprio Paulo.
São Paulo de Anhanguera, de Anchieta e Borba Gato. São Paulo do Belém, Patriarca e Bom Retiro; de Itaquera, Itaim e Imirim: de Ana Rosa, Saúde e Jabaquara; do Jaçanã, Jaguará, Jaguaré, Penha e Tatuapé; da Liberdade, Aclimação, Lajeado e Limão; do Carrão, Mandaqui e Consolação; de Moema, Sacomã e Mooca; do Morumbi em dia de guerra — e de festa —, dos gols no Pacaembu… de Parelheiros, Perdizes, Pinheiros, Pirituba e Ponte Rasa; do marco zero fincado lá na Sé, seu José… do Solar da Marquesa, do Masp e USP. São Paulo dos camelôs, dos profetas loucos, dos pedintes perdidos, das putas, rufiões e travestis; dos ratos, baratas e bestas quadradas; dos trambiqueiros e picaretas em geral; dos meninos e velhos abandonados; das crianças prostituídas, violentadas e atiradas à própria sorte, ao vazio, à escuridão das noites sem lua. São Paulo das trevas, das favelas e mocambos; das seitas e religiões diversas; dos bueiros entupidos e das enchentes sem solução; dos salvadores da pátria; dos tarados e assassinos. São Paulo do caos e das enchentes; do velho Tietê de futuro incerto, já quase parado em leito putrefato, penando sem vida, sem alma, sem graça, sem jaça, mas ainda assim Tietê… São Paulo memorial, rural e urbana; imemorial, de tempos idos, dos belos pregões, dos jornaleiros anunciando manchetes… São Paulo de ontem, de hoje, de sempre. São Paulo de toda gente, de todos nós, desafiadora; acesa, acordada.
São Paulo gigante, vibrante, trabalhadora, provocadora, pecadora, encantadora… São Paulo cartão postal de trouxas e boçais; dos lampiões a gás, dos casarões impolutos de antiga gente austera e dos espigões que cutucam o céu poluído pela fumaça das chaminés. São Paulo da Augusta, dos cortiços e da mais Paulista das avenidas, seu símbolo; do monumento portentoso às Bandeiras; de Santo Amaro e São Miguel nordestinos; dos parques Trianon, Villa-Lobos e Ibirapuera cheios de moços e moçoilas que vão e que vem em dia de sol. São Paulo nublado, chuvoso, ardente, de anônimos joões, marias e manés que perambulam a esmo pelas ruas, pelas vielas e encruzilhadas em busca de pão e vida. São Paulo dos empregados, dos engraxates, patrões e desempregados em desespero. São Paulo de carros, de trens e aviões; do pomposo Martinelli, do eficiente metrô. São Paulo rica, da Fiesp, da Bovespa, da mais valia; do Municipal, dos velhos cinemas e do Memorial; das igrejas e hospitais, dos silêncios, das fábricas, dos apitos, Febem, rebeliões, choros e traições. São Paulo de doidos varridos, de tempos idos, doídos, confusos. São Paulo do mais musical dentre todos os grupos, o Demônios da Garoa; do samba, do samba-lenço e do batuque; de Geraldo Filme, Raul Duarte, João Pacífico, Germano Mathias, Lourenço Diaféria, Tonico, Tinoco, Tinhorão, Adoniran, Aloncin e do vira-lata Peteleco; da Vai-Vai, Rosas de Ouro, gafieiras e forrós… São Paulo de seu Nenê, de Thobias, de chineses, alemães, turcos e japoneses. São Paulo cruel, sem alma, seu Manel… Ah! São Paulo… São Paulo de 449 anos!
São Paulo de todos nós, feia e linda em seus 1.509 km2, mais da metade de urbanidade pura.
São Paulo estrangeira, de ingleses, gregos e americanos; de chilenos, chechenos e baianos; de armênios, mouros e muçulmanos; de portugueses e da italianada do Bixiga; de Campos Elíseos ainda com árvores; do Cambuci, da Luz, da Lapa, do Centro velho e do Centro novo; do Canindé da catadora de papé Carolina Maria de Jesus; do vento que sopra e põe cisco em olhos abertos. São Paulo de gente estradeira, de falar manso, macio e agitado taliquá nordestino em hora de espanto e nervosismo. São Paulo gourmet, do Artes, do Brahma, do Léo, do Ponto Chic e do Consulado Mineiro de Geraldo Magela e do solícito e bem humorado Marco Santa Cecília; do Parreirinha de boa memória e do tempo que não pode parar. São Paulo das pizzas e jabás, da cachaça de alambique e do indispensável caldinho verde e quente em noite de frio.
São Paulo de paz e de briga, das revoluções de 24, 32 e tantas outras. São Paulo de amor, ódio e esperança, de desigualdade com hora certa; de preto e de branco, de mestiço e mameluco; de doutores e analfabetos, engravatados, pelados, sem-teto, sem chão e sem nada. São Paulo corintiana e palmeirense, de pés rachados e mãos calosas… São Paulo de encrenqueiros, poetas e engenheiros; de Oliver Hossepian, Peter Alouche, Hernani Donato, Guilherme de Almeida, Mário e Oswald de Andrade, Ives Gandra e Paulo Bonfim; de Elyana Martins e das mineirihas Célia & Celma; de apologistas e cantadores repentistas; de Téo Azevedo, Andorinha, Sebastião Marinho, Zé Francisco, Oliveira de Panelas, Lourinaldo Vitorino, Valdir Teles e Geraldo Amâncio; de mestres Nóbrega e Waldeck de Garanhuns; de Klévisson Viana e dos deserdados aportados nesta mandona aldeia de Piratininga — oi, Xico Sá! São Paulo de Jarbas Mariz e do iraraense elétrico Tom Zé. São Paulo do Diabo, de Deus e de Zeus, seus ateus… de Luciana, Francisco, Rodrigo e Clarissa, sublimes herdeiros do meu desentoado cantar. São Paulo de Aneliese, Paulinho, Ritinha e Tadashi; de Alexandre Silva, José Gomes, Hélio Chagas, Marcos Henrique, Kauê e Néder Adib; de Paulinho Nogueira, Dominguinhos, Boldrin e Oswaldinho; de Mário Zan, Mário Albanese e Mariazinha Congiglio; de Maria da Paz, Rita Ribeiro, Renato Teixeira, Gereba e Arnaldo Xavier; de Anastácia, Carmélia Alves e do gogó de ouro Marinez (e sua gente)… São Paulo que é mundo — à parte —, que recebe o mundo, que faz o que quer — e um pouco mais. São Paulo homem, São Paulo mulher. São Paulo múltipla, de múltiplos sotaques; mágica na essência e definitivamente arrebatadora… São Paulo cidade querida, querida do meu coração, meu irmão…
São Paulo de todos nós
Vim de terras bem longínquas
Abrigar-me no teu calor;
Fugi da fome de solos áridos
Fugi de guerras de almas secas;
Vim da Sicília, vim do Japão,
Sou português, sou catalão,
Sou libanês, perdi meu chão,
Não tenho pátria, sou judeu errante,
Vim procurar paz, lar e pão.
Sou branco, sou negro, sou oriental,
Sou nordestino do sertão,
Deixei a casa onde eu nasci,
Ah! Que saudades do Cariri!
Vim descobrir minha esperança
Ao te pedir chão e trabalho;
Com muita lágrima e suor,
Fui perseguir teu futuro,
Edifiquei tua riqueza,
Tornei-te forte e poderosa,
A mais altiva da nação.
São Paulo, São Paulo de todos nós,
Ao te ver de braços abertos,
Te adotei no coração.
Poema de Peter Alouche,
musicado e gravado em CD pelo cantador
mineiro de Alto Belo Téo Azevedo.