Democratizando a música erudita

A Orquestra de Rua ensina música para os meninos do Morro da Providência

Democratizando a música erudita

Quinteto de cordas composto por jovens de favelas do Rio de Janeiro que iniciaram seus estudos musicais em projetos sociais, a Orquestra de Rua tem como objetivo levar música erudita a vários locais e pessoas que não têm acesso a ela. Mesmo enfrentando barreiras como a falta de recursos, o grupo carioca ministra aulas gratuitas para crianças de uma comunidade do Rio e deseja expandir esse trabalho para outras.

Banco de dados AND
A Orquestra de Rua ensina música para os meninos do Morro da Providência
A Orquestra de Rua ensina música para os meninos do Morro da Providência

— Todos nós da Orquestra fizemos parte de projetos sociais nos lugares em que residimos: eu e o Gilbert moramos no Morro da Providência, a Jéssica e o Lucas no Morro dos Macacos e a Juliane é da Mangueira. Nos conhecemos em um projeto social e depois de uma apresentação um amigo nos chamou para tocar na rua, o que deu super certo — conta Gláucia Maciel, componente do grupo.

A partir daí a Orquestra começou a definir seu objetivo de trabalho, até aonde queria chegar e quais caminhos usaria para isso.

— Traçamos uma rota para chegar ao nosso objetivo, que é tocar pela democratização da música, porque as pessoas das comunidades onde moramos não têm acesso à música erudita. Às vezes tocamos música popular para que possam ver que os nossos instrumentos estão próximos a elas — fala Gláucia.

— Queremos que saibam que o violino, a viola e violoncelo não são algo longínquo como parecem por pertencerem às orquestras dos grandes teatros e só aparecerem para um certo público elitizado. Inclusive, a ideia do nome do grupo foi pensada nesse sentido para alcançar esse público das comunidades, porque se colocássemos os nomes corretos, como camerata ou quinteto, as pessoas poderiam não entender e não chamaria a atenção desse público— diz.

Além das ruas e transportes públicos, a orquestra toca também em hospitais e escolas públicas.

— É nas escolas onde mais costumamos tocar, vamos totalmente de graça para que as crianças possam ter acesso à oportunidade de escutar a música erudita e, dessa forma, podermos fazer uma pequena mudança no mundo. Cultura é um bem básico para nós seres humanos e temos que ter acesso a ela, o que muitas vezes acaba não acontecendo — constata Gláucia.

— Em 2018 fomos para Rondônia participar da comemoração do aniversário de 28 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e tocamos em escolas da periferia para crianças que nunca tinham visto um violino de verdade. Além desse objetivo de democratização da música, tocamos na rua para ajudar em casa e, com o dinheiro que conseguimos passando o chapéu, mantemos também nossos estudos — conta.

A Orquestra de Rua é formada por: Gláucia Maciel (violino), Lucas Freitas (violoncelo),  Jessica D’ornelas (viola), Gilbert Vilela (violino), e Juliane Nascimento (violino).

— Somos todos estudantes de música. Atualmente, três estão em universidades públicas – UFRJ e UNIRIO – e os outros dois estão estudando para ingressar na universidade, sendo que um deles faz parte da Academia da Petrobras Sinfônica e lá recebe uma preparação de excelência e estuda os grandes músicos da história. Estamos nos profissionalizando e contamos, de certa forma, com a ajuda e apoio das nossas famílias e dos nossos professores — diz Gláucia.

 

Partilhando conhecimento

— Na verdade não somos exatamente um projeto, somos somente uma orquestra de rua. Porém agora estamos realizando um trabalho na Casa Amarela, no Morro da Providência, para dar aulas gratuitas dos nossos instrumentos para crianças de uma faixa etária que vai dos seis até os quinze anos de idade, aproximadamente. Sentimos essa necessidade desde que fomos a Rondônia — conta Gláucia.

— A falta de instrumentos vem atrapalhando bastante o nosso trabalho. As aulas são feitas em conjunto e demandam que cada criança tenha o seu próprio instrumento para estudar em casa. Trabalhamos com elas em uma sexta-feira e quando voltam para a próxima aula na semana seguinte, muitas vezes, precisamos repetir o mesmo conteúdo passado, pois não puderam praticar em casa e se esqueceram — relata.

Gláucia conta que alguns amigos doaram instrumentos, porém, ainda não é o suficiente.

— Está bem difícil, mas estamos persistindo e temos tido muita coisa boa. Por exemplo, além de Rondônia já fomos para Brasília. Queremos mais para frente nos profissionalizar e melhorar nosso grupo na questão de sonoridade, expandir o  trabalho para outras comunidades e formar novos músicos que venham da mesma realidade que a nossa — relata.

— Queremos também servir de inspiração para outras pessoas, porque todos tivemos amigos que foram para o tráfico, amigas grávidas adolescentes etc. Nascemos em uma realidade em que seres humanos estão fadados a não dar certo e tínhamos tudo para tomarmos o mesmo caminho, mas resolvemos estudar e vencer muitas barreiras, inclusive a da nossa cor e, para as meninas, também a do gênero — diz.

Banco de dados AND
Gilbert, Gláucia, Juliane, Jéssica e Lucas compõem a Orquestra
Gilbert, Gláucia, Juliane, Jéssica e Lucas compõem a Orquestra

— O caminho é muito duro, recebemos muitos nãos e continuamos persistindo, então queremos influenciar outras pessoas nesse sentido. Estamos tentando dar uma formação musical, e não somente isso, mas também uma formação crítica. Seres humanos que contestem as coisas dentro da sociedade, porque essa formação eles não encontram nas suas escolas, como no passado não encontramos nas nossas, mas recebemos dos nossos professores de música — expõe.

 Gláucia conta que todos do grupo sempre quiseram trabalhar uma mudança social e agora começaram a fazer isso.

— Algo que nos marcou muito em Rondônia foi quando tocamos em unidade de internação e vimos o quanto o governo faz descaso conosco e o quanto [a vida] é difícil quando não se tem oportunidades. É fácil dizer “eu não fui para o caminho errado porque não quis” ou “eu faço faculdade porque quero”, mas não é bem assim. As pessoas muitas vezes não têm oportunidades de verdade — afirma.

— Elas nascem em uma realidade difícil e, quando acompanhamos isso de perto, percebemos que a única fuga foi cometer o mesmo erro que os outros, se tornando um círculo vicioso. Mas não estamos aqui para julgar ninguém e sim para falar “mano, você não teve oportunidade, mas estamos aqui firmes e fortes tentando mudar essa realidade, e esperamos que você se junte a nós para isso” — fala.

— Estamos aceitando doação de instrumentos, e até mesmo de qualquer quantia. Aceitamos qualquer cinco reais, porque já dá para comprar cadernos, quadro com pentagrama etc e introduzir teoria musical. O nosso trabalho na Casa Amarela é para todas as crianças, quem quiser pode vir que estamos de braços abertos para receber — conclui.

(21) 985216202 é o contato do grupo.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: