Dengue desmoraliza gerenciamento fascista

https://anovademocracia.com.br/42/07.jpg

Dengue desmoraliza gerenciamento fascista

Print Friendly, PDF & Email

A epidemia de dengue, que ora assola a cidade do Rio de Janeiro e ameaça vários estados, tem-se prestado a demonstrar não apenas a incapacidade do Estado brasileiro para solucionar qualquer problema de saúde do povo, como também a desmedida inspiração fascista dos que estão no poder.

https://anovademocracia.com.br/http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/42/07-85f.jpg

"Todo cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio ou inundação; e de dia só será fraqueada a sua entrada nos casos e pela maneira que a lei determinar". Este mandamento jurídico, introduzido na Constituição em 25 de março de 1824 pelo Imperador Pedro I e mantido (embora não cumprido) até pelo gerenciamento militar, acaba de ser afrontado por um decretinho do gerente do Estado do Rio, Sérgio Cabral Filho, autorizando agentes de saúde a arrombar casas, com cobertura da Polícia Militar e ajuda de chaveiros se tiverem dificuldades para procurar focos do Aedes aegypti.

A rede de saúde pública em todo o Brasil é uma calamidade que se abate sobre a população mais empobrecida que, sem recursos para recorrer ao serviço privado, se vê obrigada a recorrer sempre aos mesmos hospitais e suas intermináveis filas, onde são atendidos por médicos mal remunerados, com excesso de serviço e péssimas condições de higiene e trabalho. Se essas são as condições normais, imaginem em caso de uma epidemia, de qualquer doença que seja.

E é exatamente isso que aconteceu, ou seja, os hospitais entraram em colapso absoluto, uma vez que já trabalhavam mal e no limite. A responsabilidade do Estado neste caso é dupla. Primeiro pela situação do sistema de saúde público e depois pelo péssimo cuidado com a proliferação do vetor da dengue, um simples mosquito.

Com taxa de incidência de 345 casos por 100 mil habitantes, a dengue já caracteriza a epidemia que se temia há alguns anos, ainda que uns e outros gerentes fiquem negando sua efetiva existência, preocupados mais com o ano eleitoral do que com as sucessivas mortes de fluminenses.

Verbas federais destinadas a estados e municípios com vinculação ao combate à dengue foram desviadas para outros programas, veículos novos para combate ao mosquito apodrecem nos depósitos da prefeitura do Rio e se convertem em criadouros do mosquito, enquanto agravam-se a cada dia os dados do Ministério da Saúde sobre a evolução da doença.

Neste ano, o gasto previsto para o combate à doença é de 227 milhões de reais, mas não se sabe ainda quanto efetivamente foi gasto, uma vez que os desvios e a corrupção são verdadeiros sorvedouros do dinheiro público. E ainda que tenham sido gastos a efetividade do que foi feito se mede agora, pelos milhares de cidadãos doentes de dengue pelo Brasil.

Diante do quadro de total falta de capacidade para acolher os doentes e ministrar o tratamento, basicamente de hidratação, a gerência FMI-PT tratou de convocar as forças armadas e vários postos de hidratação — como vêm sendo chamados os hospitais de campanha — foram instalados principalmente na cidade do Rio de Janeiro e algumas cidades da Baixada Fluminense, onde cresce o número de casos. Claro, como é ano eleitoral, todas as tendas foram inauguradas com pompa e circunstância, como se fossem obras públicas da maior envergadura.

Médicos de outros estados também foram convocados para socorrer os pacientes que não param de chegar aos hospitais. A prefeitura ordenou que mais de 40 postos de saúde que já existem funcionassem dia e noite no atendimento das emergências, não explicando porque eles se encontravam fechados ou funcionando precariamente.
O fato é que o transmissor do dengue continua livre e o tratamento às vítimas da doença permanece o mesmo: um comprimido de paracetamol para aguardar na fila do exame médico, com grandes possibilidades de se morrer sem atendimento. É o que está ocorrendo este ano: a secretaria estadual de saúde confirmou, até o dia 10 de abril, 80 mortes por dengue no estado, mas outras 79 mortes ainda estão sendo investigadas. Doentes já somam 76 mil casos comprovados da doença.

O prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, o gerente estadual, Sérgio Cabral Filho, e o Ministério da Saúde estão assistindo ao incêndio e pensando nas eleições de outubro. Todas as declarações e acusações têm esse ob jetivo, cada um demonstrando maior incompetência que o outro enquanto a população morre à míngua nos hospitais do estado.

Iniciativas dignas, como a do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro de processar o município, o estado e a União por "crime sanitário" no caso da dengue são raras e logo tomadas como justificativas para medidas como a que autoriza o "pé na porta" dos moradores da cidade. Como sempre, vale a pergunta: a Polícia invadirá casas da classe média e da alta sociedade carioca com a mesma disposição com que adentrará nos lares proletários?

Repressão histórica

Expedido em 24 de março, o decreto de Sérgio Cabral permitindo abrir residências a pontapé tem a mesma data da Constituição do Império, com diferença de 184 anos, mas é tão inconstitucional quanto as arbitrariedades cometidas no Rio de Janeiro em 1902-1905 para erradicar a varíola e a febre amarela invadindo e derrubando barracos, para culminar com a Revolta da Vacina.

O Aedes aegypti veio da África no século 17 a bordo dos navios que traziam escravos, deflagrando vários surtos de febre amarela, doença que se tornou endêmica no Rio de Janeiro em 1850.

O número de vítimas aumentou assustadoramente. Entre 1880 e 1889, foram registrados 9.376 casos. Rodrigues Alves, que assumira a presidência da República em 1902 e perdera um dos filhos por causa da doença, deu plenos poderes a Oswaldo Cruz para erradicá-la.

Para combater a doença e o mosquito, Oswaldo Cruz dividiu a cidade em distritos e organizou as chamadas "brigadas mata-mosquitos", que tinham o poder de invadir e isolar qualquer residência suspeita de abrigar focos do mosquito.

As medidas de profilaxia de Oswaldo Cruz tiveram características de uma campanha militar. Os doentes eram isolados, e a cidade ficou sob a constante vigilância das autoridades policiais e sanitárias.


Solução chinesa é infalível

Problemas sanitários muito mais sérios do que a epidemia de dengue que assola o Brasil foram solucionados pela China revolucionária (até 1976), a despeito de suas gigantescas dimensões e de sua população ser sete vezes maior do que a brasileira, conforme testemunha o médico britânico Joshua S. Horn.

No seu livro Medicina para milhões — a experiência chinesa, no qual analisa a política de saúde introduzida pelo Presidente Mao na década de 50, o doutor Horn dá especial ênfase às vitórias obtidas contra a sífilis e a esquistossomose, sem que tenha sido necessário violar nenhum direito do povo nem atirar um único centavo no poço sem fundo dos programas de última hora.

O grande segredo, segundo aquele cientista, está na convicção, difundida pelo Presidente Mao, de que as pessoas comuns possuem grande poder e sabedoria e que, quando se dá livre curso à sua iniciativa, elas podem fazer milagres. A arte da liderança está em aprender com as massas, aperfeiçoar e sistematizar a experiência delas obtida e, assim fundamentado, decidir o programa a seguir. Esses são os princípios da "linha de massas" do presidente Mao, aplicados à política e à economia, desde o início da revolução chinesa.

Empregando esta combinação de abordagens política e médica, os chineses venceram, primeiro, a sífilis: promoveram o fechamento pacífico dos bordéis, libertaram as prostitutas, cuidaram de sua saúde, deram-lhes trabalho e ajudaram-nas a resgatar seu amor próprio. Em paralelo, deram tratamento à população acometida pela doença, eliminando-se, com um só programa, a causa e o efeito.

Com a esquistossomose, que afeta cerca de 300 milhões de pessoas nos cinco continentes, os seguidores do presidente Mao agiram do mesmo modo. E a China tornou-se o primeiro país do mundo a colocar sob controle efetivo a "Doença Invencível", que tem no caramujo o seu principal transmissor.

Na China, a esquistossomose ocorre principalmente na parte mais baixa do vale do Yangtse, onde, em 1955, estimava-se em mais de 10 milhões o número de doentes. A região tem muitos lagos e é cortada por rios e canais. Predomina ali a cultura do arroz e, como o arroz é plantado na água, é quase impossível aos lavradores evitarem o contato com a água potencialmente infectada. A estratégia adotada para a erradicação é, segundo Horn, "o resultado vivo de estudos e da efetiva aplicação dos conceitos estabelecidos pelo Presidente Mao e repetidamente praticados e testados ao longo da Guerra Revolucionária".

Os camponeses foram mobilizados contra o caramujo mediante explicações sobre a natureza do mal que os flagelava há tanto tempo. Quando tomaram conhecimento, através de cinema, conferências, cartazes e eles próprios elaboraram o método de derrotá-lo.
Duas vezes por ano, em março e agosto, a população inteira de cada município, suplementada pela mão-de-obra voluntária de todos os soldados, estudantes, professores e trabalhadores de escritório, deixavam seus afazeres e drenavam os rios e canais, escavando e aterrando-lhes as margens, comprimindo a camada inferior de terra. "Não fica nada: confiar na experiência do camponês é de importância vital. Mobilizá-los não significa enchê-los de pás, enxadas e instruções, mas insuflar-lhes entusiasmo, apoi-ar-lhes a iniciativa, aproveitar sua experiência. Assim, vencido um local, passa-se a outro, e outro mais. Aos poucos, as mais extensas zonas ficaram livres dos moluscos".

Horn observa, finalmente, que sempre esteve presente "o conceito estratégico de confiança na vitória final, encontrando expressão na resposta de milhões de camponeses, o que tornou possível uma mobilização sem precedentes de mão-de-obra e de recursos. Além disso, o conceito tático de levar a sério o inimigo expressou-se nos métodos de ataque, bem planejados e versáteis, e na constante vigilância" — nada do que está sendo feito no Brasil.

Velhas doenças, novas ameaças

Em meio aos apelos por todo tipo de ajuda para o combate à dengue, os médicos alertam que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2007, foram registrados 79 mil casos de tuberculose no Brasil, com elevado índice de abandono do tratamento, que leva seis meses. O Brasil é o 15º país do mundo em número de casos registrados da doença, e o estado do Rio de Janeiro era, até 2007, o de maior incidência.

Informa-se, também, que o país assiste nos últimos anos a um aumento significativo do número de casos da leishmaniose visceral em humanos que, quando não tratada, mata até 90% dos pacientes. Em 2001, foram 2.806 infecções confirmadas no Brasil. Em 2006, esse número saltou para 4.526 casos — aumento de 61,3%. A taxa de mortalidade também subiu em um ritmo semelhante. Cresceu de 169 mortes pela doença para 308 no mesmo período (82,3%).

O Brasil ocupa ainda o segundo lugar no mundo em casos de hanseníase, também conhecida como lepra ou mal de Hansen, doença infecciosa causada pelo Mycobacterium leprae, que afeta os nervos e a pele e que provoca danos severos. A contaminação se faz por via respiratória, pelas secreções nasais ou pela saliva, mas é muito pouco provável a cada contato. A incubação, excepcionalmente longa (vários anos), explica por que a doença se desenvolve somente em indivíduos adultos. 90% da população tem resistência ao bacilo de Hansen, causador da hanseníase. O tempo de incubação após a infecção é longo, de 2 a 20 anos.

O aumento nos casos dessas doenças, conhecidas também como doenças da pobreza está diretamente relacionado com as condições de vida e de trabalho das massas, principalmente no campo e nas periferias das grandes cidades. Esses são também os locais mais negligenciados pelas chamadas políticas públicas, com o Estado se fazendo presente apenas através da polícia.

Habitar em becos e vielas húmidos e quentes e trabalhando em locais sem ventilação e higiene — condições que se assemelham às do século XVIII — são grandes as chances de que um trabalhador contraia tuberculose, por exemplo, doença que já foi quase erradicada do Brasil e agora reaparece como um fantasma, fruto da política genocida de saúde do Estado brasileiro.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: