Depois de Carajás

Depois de Carajás

Os assassinos de 19 camponeses, no massacre de Eldorado dos Carajás — cujo sétimo aniversário transcorreu em 17 de abril deste ano, marcado por manifestações em praticamente todos os estados brasileiros — continuam impunes. Embora os relatos da crueldade empregada pela repressão tenham despertado a indignação de milhões de pessoas em várias partes do mundo.

Apenas num Estado dominado por latifundiários pode a justiça ter tal procedimento. Lamentar para quê? Como na história do sapo e o escorpião, “faz parte da sua natureza.” Chamar isso de “tal de democracia”, somente podem os incautos ou os beneficiados com a miséria e a exploração do nosso povo.

Mais que lamentar, cabe aqui registrar o que a história já consagrou como lei: “o sangue dos mártires rega o chão da luta.” Como está o movimento camponês depois de Corumbiara e Eldorado dos Carajás? E sendo assim, qual o nível de consciência dos camponeses quanto a distinguir quem são os seus amigos e quem são os seus inimigos?

Na verdade, o movimento camponês brasileiro vem enfrentando galhardamente os seus inimigos. Sejam os que se apresentam de frente, como o latifúndio com sua justiça, sua polícia e seus jagunços, seja os que de forma sorrateira, como os oportunistas, traficam com sua luta para garantir um lugarzinho no velho e podre Estado burguês-latifundiário serviçal do imperialismo.

Gradativamente, o monopólio de uma determinada sigla sobre o movimento é, não apenas questionado por dentro, diante da paralisia e ilusão com o novo gerenciamento do Estado, como efetivamente quebrado pelo surgimento de uma infinidade de organizações de camponeses pobres dispostos a tomar a terra e destruir o latifúndio.

No Pará, sementes de lutas — como Araguaia, Rio Maria, Perdidos, Cachoeirinha e outras consideradas adormecidas — hoje são brotos que vicejam nos quatro cantos do Estado, bem temperadas no enfrentamento com a forma moderna de perseguir o povo, chamada de “força tarefa” (operações combinadas dos órgãos de repressão e Ibama), ou com a velha forma representada pelos jagunços e curiós.

No Nordeste, a tomada de terras e o corte de rodovias tem mostrado a vitalidade da luta e a disposição dos camponeses de não esperar pelo Incra — corrupto e carcomido instrumento dos latifundiários — que o governo do Partido dos Trabalhadores (?), mais aliado do que nunca às oligarquias, busca dar nova aparência para seguir cumprindo as mesmas ordens dos mandões nacionais com os seus grandes patrões estrangeiros.

No sul e no sudeste, as ameaças de latifundiários de formar organizações criminosas para perseguir os camponeses não surtiram efeito prático sobre os movimentos de massa na região. O movimento camponês retoma mais áreas e aprimora ainda mais a organização da produção, da comercialização e da própria vida dos camponeses livres, imprimindo a sua marca na solução de problemas como a produção diversificada, a instrução pública, o abastecimento de suas famílias e das populações vizinhas, etc.

Porém, a pressão dos latifundiários não foi inócua. Registramos que a partir dela o ministro do Desenvolvimento Agrário fez um recuo em seu discurso de suspender as medidas de Cardoso de criminalizar a desapropriação feita pelos camponeses pobres e médios da camada inferior contra os latifundiários que roubam imensas faixas de terra do povo trabalhador e do país.

Em Rondônia, o chavascal de fraudes na distribuição de terras entre a oligarquia local e seus apaniguados tem sido desmontado pelo movimento dos camponeses pobres que, inclusive, levou ao ministro nomes de matadores de camponeses que, na região, agem sob proteção do governo estadual. Em várias oportunidades, os ataques dos jagunços têm sido revidados, o que os leva a pensar duas vezes antes de atacar.

Democracia sem a extinção do latifúndio?

Dados do IBGE sobre a situação da terra dão conta de que, de um total de 353 milhões de hectares, a metade (178 milhões) está ocupada por pastagens; 94 milhões são de matas e florestas; 15 milhões são de terras inaproveitáveis; 50 milhões constituem a área de lavoura atual e há 16 milhões de hectares de terras produtivas não utilizadas.

Da área plantada de 50 milhões de hectares, 37,8 milhões estão ocupados com a produção de grãos. Nessas áreas cultivam-se, principalmente, café, soja, algodão, milho, além de cana-de-açúcar, laranja para suco e fumo. A área cultivada restante produz arroz, trigo, feijão e culturas permanentes, como as hortifrutigranjeiras.

Assim, enquanto imensas propriedades agrícolas estão dominadas pelo modelo de grandes propriedades sentadas na monocultura para exportação — altamente mecanizadas e servidas dos avançados recursos tecnológicos, sementes melhoradas, etc. — a menor parte, formada por médios e pequenos proprietários, é a que se dedica à produção diversificada, destinada, principalmente, ao abastecimento interno.

De acordo com o último censo agropecuário, de um total aproximado de 5,5 milhões de propriedades (desde pequenas propriedades até as de dezenas e centenas de milhares de hectares), 1% — apenas 55 mil — de propriedades latifundiárias (acima de mil hectares) representam 48% das terras tituladas e totalizam 172 milhões de hectares. Em contrapartida, no outro extremo, os que detêm propriedades e somam 5 milhões de hectares correspondem a 21% das terras tituladas. Dentro destas, os que possuem até 20 hectares representam 70% e possuem 6% das terras.

Mas, no conjunto, a agricultura encontra-se submetida pela grande indústria e pelo capital financeiro, ambos, por sua vez, associados aos grandes grupos mundiais. É a base das relações de intensa exploração da cidade sobre o campo. Isto conduz ao agravamento extremo, à dependência e à subjugação do país às potências estrangeiras.

Seguramente não há país no mundo onde a concentração e o monopólio da propriedade da terra se assemelhe ao Brasil. Em razão direta disso, existem 5 milhões de famílias de camponeses sem terra.

Dessa mata não sai coelho

O governo FMI/Oligarquias/ PT colocou nos ministérios da agricultura, da indústria e comércio homens intimamente ligados ao agrobusiness.

Desde o governo Cardoso, o Banco Mundial e outras fontes externas de financiamento vêm direcionando as pesquisas da Embrapa e das universidades para a exportação e, agora, com o retorno do “exportar é o que importa”, novamente tendo o senhor Delfim Neto como “guru”. Tudo indica que a velha estrutura fundiária brasileira será alterada apenas para incrementar a incorporação de terras, para continuar servindo de fonte de acumulação dos latifúndios e burguesia burocrática nativas, bem como do capital financeiro mundial.

Mantida a velha estrutura fundiária, agora “embrulhada para presente” através de modificações e iniciativas que visam maior “competitividade no mercado exterior”, somadas aos desígnios exportadores dos ministros, e as instituições, como o Incra, Banco do Brasil, Basa, BNB, Emater, tudo seguirá como antes no latifúndio do Abrantes.

As disputas entre os candidatos do sub-governo para dividir e ocupar os melhores cargos destas instituições gestoras dos projetos agrobusiness, apenas mostram a verdadeira face do oportunismo daqueles que, “cansados da luta dura” de enganar o povo, buscam a sua vez nos confortáveis gabinetes.

E com que ansiedade invocam sua “autoridade” de representantes das campanhas clericais, tecnoburocráticas e revisionistas da contra-reforma agrária!

São os technopols emergentes, a mais nova e promissora safra de servidores para cada uma das modalidades em que se praticam os interesses latifundiários, da grande burguesia e do imperialismo em nosso país. Desertores da resistência nas décadas de 60 e 70; trotskistas confessos ou sujeitos apenas a pequenas recaídas; ex-kruschovistas; hoxistas arrependidos; monarquistas; cristãos fundamentalistas; a mais nova geração formada no Iadesil, etc., etc. Enfim, competentes para repetir “de cor e salteado” quaisquer doutrinas e teorias da moda e conceitos correspondentes, desde que aprovadas pela Nova Ordem do imperialismo. Gente preparada e disponível se expressa (e principalmente, obedece) em inglês, admiravelmente. Mas também entende e fala o dialeto tucano. E mais, controla com grande habilidade a massa dos seus militantes, com medidas administrativas, ou através de oposições ajustáveis, quantas queiram e necessitam para manter a maioria Articulação.

A propósito, os “eleitores militantes” já foram dispensados. Agora a propaganda eleitoral, pouco a pouco, adotará um estilo mais adequado ao novo ambiente. Pressa para resolver os problemas do imperialismo e de seus associados internos, e paciência, muita paciência, quando se trata de reivindicações populares — conquanto promete conservar a expressão “companheiros”.

Porém, o movimento camponês, rapidamente, começa a se livrar destes oportunistas. Já demonstrou que jogará por terra todas as ilusões ainda existentes e se encontra consciente e decidido para cumprir sua tarefa histórica de liquidar a oligarquia latifundiária no Brasil.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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