… Depois, punir os explorados – Eis a lógica da justiça da burguesia e do latifúndio

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Nos últimos meses, o povo de Rondônia, o movimento camponês combativo, as organizações e personalidades democráticas de todo o país voltaram suas atenções para o julgamento do camponês Wenderson Francisco dos Santos, preso político encarcerado na Penitenciária Urso Branco, Rondônia. Assim como ele, dezenas de dirigentes e centenas de ativistas do movimento camponês encontram-se detidos e enquadrados em diferentes artigos do código penal, na Lei de Segurança Nacional, tratados como criminosos comuns. Desta forma, o Estado brasileiro pretende encobrir o grave quadro da luta pela terra em nosso país.


Ato de apoio a Wenderson em Jaru

Fosse Roma antiga o julgamento de Wenderson Francisco dos Santos, o Ruço, estava previsto para o dia 14 de setembro último. Uma mobilização nacional coletou assinaturas de centenas de personalidades democráticas como Oscar Niemeyer, cujo nome figura entre os maiores arquitetos do mundo; o proeminente advogado carioca Nilo Batista; o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, Ênnio Candotti; o presidente da Associação Brasileira de Imprensa ABI, Maurício Azedo, entre outros*. Também aderiram à campanha sindicatos, diretórios estudantis, centros acadêmicos e entidades democráticas do Brasil e exterior, que somaram até o momento 600 subscrições exigindo a libertação do camponês. Manifestações de apoio e solidariedade partiram de todo o país, indo até ao município de Jarú, onde seria realizado o Júri Popular.

A solenidade de lançamento do abaixo assinado, publicado na última edição de AND, foi feita em um salão da Universidade Federal de Rondônia, na capital Porto Velho. Na ocasião, esteve presente o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ênnio Candotti que visitou Wendersom Francisco no interior da penitenciária Urso Branco. A direção da penitenciária não permitiu que a carceragem fosse vista. Deslocaram Ruço até a “brinquedoteca” — para onde mandam os filhos dos presos durante as visitas. Lá, conversaram por alguns instantes.

Convencido da inocência do camponês e indignado com o tratamento dado a ele pela justiça, Ênnio Candotti em seu discurso durante a solenidade, disse que neste caso deveriase adotar o procedimento jurídico da Roma Antiga: judex damnatur, ubi nocens absolvitur , ou seja, o juiz é condenado quando o culpado é absolvido.

Durante toda a semana que precedeu a data marcada para o Júri, ocorreram mobilizações de camponeses, advogados, estudantes e professores para acompanhar o julgamento.

Eis o que temem

Contudo, a juíza Fabíola Cristina Inocêncio, que presidiria o Júri, solicitou o desaforamento, ou seja, o cancelamento do Júri Popular em Jarú e sua transferência sem previsão de data, para outra comarca.

Dr. Yvan Gomes Miguel, advogado criminalista empenhado da defesa de Ruço, em Hábeas Corpus encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, detalhou o fato da seguinte forma:

Segundo o pedido da M.M. Juíza Fabíola Cristina Inocêncio, acatado pelo Desembargador Relator, o julgamento não poderia ter lugar na comarca de Jaru, porque teria sido realizada, por alunos da Universidade Federal de Rondônia, panfletagem de uma carta aberta, subscrita por renomados advogados (Técio Lins e Silva, Nilo Batista etc), além de outras personalidades reconhecidas nacionalmente {Oscar Niemayer, Ênnio Candotti (SBPC) Maurício Azêdo (ABI) etc.}.

Outrossim, arguiu a Magistrada que o acusado, ora paciente, por ser membro da Liga dos Camponeses Pobres, recebeu apoio nacional e estariam ocorrendo manifestações em seu favor em todo o Brasil, inclusive na comarca de Jaru, o que, segundo ela, afetaria a parcialidade dos jurados.

Ademais, alegou a Nobre Magistrada que o julgamento do paciente não se realizou ainda em razão de intervenções do patrono constituído do acusado.

Verdade é, Colenda Turma, que o paciente é um trabalhador rural que luta pela melhoria da qualidade de vida dos seus semelhantes, sendo certo que onde for julgado haverá manifestações de apoio e solidariedade do povo brasileiro, uma vez que se trata, na realidade escondida pelo Juízo a quo, de um preso político.

O simples fato de haver manifestações de apoio e solidariedade não tem o condão de ensejar o desaforamento.

Esquivam sempre

O advogado Yvan Gomes ainda contra-argumenta o pedido de desaforamento:

No caso em testilha, não pode o Nobre Desembargador Relator acatar o pedido de desaforamento da Magistrada a quo, uma vez que tal pedido é baseado em meras conjecturas e tem o fim exclusivo de procrastinar o feito e manter o paciente preso sem culpa formada.

Ainda sobre o malfadado pedido de desaforamento, salientamos que o acusado, ora paciente, se encontra recolhido no presídio Urso Branco, não podendo ser culpado pelas manifestações e panfletagens, que ocorreram a sua revelia, e constituem exercício do direito constitucional da livre liberdade de expressão.

Portanto, fica patente que o excesso de prazo não se deu por culpa do paciente ou de seus patronos e sim por culpa da M.M. Juíza a quo, até porque, no que se refere ao desaforamento, este foi pedido em razão das manifestações de apoio ao acusado, ora paciente, e não em razão da atuação do Dr. Ermógenes Jacinto de Souza.

Nem a gerência militar

Dr. Yvan Gomes Miguel

E é justamente pelo fato de estar preso, há mais de três anos sem julgamento, que sua situação se reveste de ilegalidade. Eis que a Constituição Federal, além de assegurar o estado de inocência dos acusados não condenados por sentença transitada em julgado (que não cabe recurso), garante os prazos razoáveis para julgamento dos réus em geral. Contra esta ilegalidade impetramos, junto ao Superior Tribunal de Justiça um habeas corpus, com pedido de liminar, pleiteando, em apertada síntese, a nulidade processual, por falta de fundamentação da decisão que recebeu a denúncia, que o feito fosse julgado de acordo com as regras de competência territorial, ou seja, no local do fato, e a soltura do acusado pelo excesso de prazo para o julgamento, uma vez que Wenderson se encontra preso há mais de três anos sem culpa formada.

A medida liminar foi indeferida pelo Ministro Paulo Medina, o qual houve por bem aguardar as informações do Tribunal de Justiça de Rondônia, razão pela qual impetramos, junto ao Supremo Tribunal Federal, novo habeas Corpus, também com pedido de liminar, para que o acusado Wenderson aguarde o julgamento em liberdade pelo excesso de prazo. No STF o remédio heróico aguarda julgamento.

Mas o que seria um prazo razoável para a duração do processo? Para a Ditadura Militar cerca de um ano! Senão vejamos este julgado do Supremo Tribunal Federal, do qual foi relator o Ministro Evandro Lins e Silva:

HABEAS-CORPUS: EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. PACIENTE PRESO PREVENTIVAMENTE DESDE 30.6.64, POR INFRAÇÃO PREVISTA NA LEI DE SEGURANÇA. ORDEM CONCEDIDA PARA POR O PACIENTE EM LIBERDADE, SEM PREJUIZO DA AÇÃO PENAL”. (HC 42181/ HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. EVANDRO LINS, Julgamento: 03/05/1965, Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO, Publicação: DJ 26-05-1965 PP-***** RTJ VOL-32690- PP-) (grifos nossos).

Dessa forma, a bem da verdade, o pleito defensório é para que os verdugos atuais dêem tratamento igual ao que a ditadura militar dispensava às suas vítimas, uma vez que, considerando o tempo de prisão sem julgamento e as condições insalubres do cárcere, os algozes de “Ruço” receberiam uma lição de cidadania até mesmo da ditadura!


*Uma entidade denominada Cebraspo, com escritório no centro do Rio de Janeiro, publicou o abaixo-assinado na íntegra em www.cebraspo.com.br
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