A crer nos “interlocutores” da humanidade que têm acesso privilegiado à mídia, estamos mergulhados numa brutal crise ambiental. Será que suas causas têm origem na natureza? Para enfrentar essa crise, os “interlocutores” sugerem ajustes no processo de desenvolvimento, tornando-o sustentável.
Os movimentos sociais surgidos no mundo a partir de 1960 foram acompanhados por debates intelectuais que buscavam novas bases para as Ciências Sociais. Dentre os debates, tentou-se superar a dicotomia natureza-cultura.
Os esforços para a superação da dicotomia natureza-cultura ligavam-se ao surgimento de uma crítica ambiental da sociedade industrial emanada de um movimento simultaneamente político e acadêmico denominado “ecologia política”.
A postura crítica desse movimento ia além da análise das contradições do modo de produção capitalista para denunciar uma alienação mais radical que a simples expropriação da mais-valia, qual seja, a alienação entre a sociedade industrial e a natureza.
Essa postura suscitou reações por parte daqueles que viam na industrialização um processo de evolução inevitável e, por isso, uma onda de desqualificação dos ecologistas foi desencadeada, rotulando-os de “opositores do progresso”.
No entanto, a crítica da ecologia política aos problemas relativos à poluição ambiental e, principalmente, à escassez dos recursos para a produção industrial, serviu aos paladinos do desenvolvimentismo para criarem a categoria de “variáveis ambientais”, dando legitimidade ao debate sobre a sociedade industrial.
Nesse sentido, houve uma despolitização do debate ecológico. Isto porque os defensores da industrialização só reconheciam aqueles temas ambientais que não colocavam em cheque o modelo de sociedade vigente.
Segundo Henri Acserald, no livro Re-volta da Ecologia Política, a consagração do termo “desenvolvimento sustentável”, a partir de 1990, atendeu a esse quesito, uma vez que reconhecia a “crise ambiental” em escala planetária, mas não questionava o modo capitalista de produção e consumo.
A concepção de “desenvolvimento sustentável” considera a “natureza” como uma variável manejável e gerida na velha tradição racionalista-iluminista, de maneira a não obstaculizar a concepção (capitalista) hegemônica de “desenvolvimento” e, nesse passo, a natureza, a sociedade e as relações sociais passam a ser incorporadas como recursos para a produção.
Portanto, o ponto de partida para a crítica ao modelo de desenvolvimento deve ser econômico, uma vez que se propaga ser a atividade produtiva a principal responsável pela crise ambiental que se encontra mergulhada a humanidade.
O Contexto da Crise Ambiental
A partir de 1992, com a realização do Earth Summit, no Rio de Janeiro, ocasião em que se reuniram chefes de Estado, entidades e organizações da sociedade civil num fórum global, para discutir o destino do planeta Terra, ficou evidente à humanidade que as condições ambientais resultantes da exploração de recursos e da geração de rejeitos seguindo um padrão material de vida norte-americano deixaria o planeta terra em condições inabitáveis.
No entanto, uma discussão séria sobre essa evidência evocaria questões que radicalizariam o debate e, por isso, introduziu-se o discurso do “desenvolvimento sustentável”, a fim de amenizar consequências políticas e econômicas.
É importante lembrar que o padrão material de vida norte-americano, do qual somos reféns, funda-se num crescimento intensivo que se apoia numa produção e consumo de massa, cujo processo produtivo envolve a transformação do ambiente natural (hidrosfera, atmosfera e litosfera), bem como aquele já alterado pela sociedade humana, ou seja, o meio-ambiente rural e urbano.
Capitalismo maquiado de verde
É importante que os problemas ambientais, indiferentemente das suas origens e perspectivas, sejam seriamente debatidos. Entretanto, o discurso da sustentabilidade tem servido de filtro para escamotear a (verdadeira) natureza dos problemas ambientais.
A linguagem do desenvolvimento sustentável, antes de revelar, tem encoberto as causas concretas da crise ambiental, ocultando as conexões entre a lógica e a dinâmica do processo de acumulação capitalista e os seus impactos sobre o meio ambiente e, consequentemente, sobre a saúde humana.
Em agosto de 2008, o relatório divulgado pela OMS – Organização Mundial de Saúde, elaborado por um grupo de especialistas com ampla experiência em desenvolvimento e saúde, inicia se com as palavras “Justiça social é um assunto de vida e morte”.
O documento concentra-se na questão da desigualdade e sua relação com a saúde e conclama os governos, no período de uma geração, a superar o fosso entre ricos e pobres. Esse fosso é ilustrado pelos extremos de mortalidade infantil e expectativa de vida entre os mais pobres da África, Ásia e América Latina quando comparados a indicadores das classes médias e altas de áreas urbanas privilegiadas.
No entanto, pouco se fala da indústria de mineração e petroquímicas que, entre outras, são responsáveis pelo despejo ou descarga de resíduos químicos letais (mercúrio, benzeno, enxofre etc.) nos solos e rios, causando impactos muitas vezes irreversíveis na saúde das populações residentes na região.
Outra grave ameaça ao meio ambiente, mas encoberta pelo capitalismo verde origina-se nos produtos alimentícios fornecidos por uma agricultura praticada em larga escala, baseada numa poderosa indústria de agrotóxicos, pesticidas e fertilizantes químicos que contaminam seus produtores e consumidores. Tudo sob a alegação da necessidade de prover alimentos básicos à população, sobretudo nas áreas urbanas.
Além disso, é importante mencionar a introdução de transgênicos que, sob o discurso de resolver os problemas de escassez de alimentos, seus riscos à saúde humana e animal, devido às pressões políticas das grandes empresas produtoras, não têm sido apresentados à sociedade.
Diante das alegações de satisfazer necessidades humanas infinitas com recursos naturais finitos, a questão central da crise ambiental não é atacada, mas encoberta sob o discurso da “sustentabilidade”, como se desenvolvimento não tivesse lugar num tempo histórico e num espaço social determinado.
A questão central encoberta pelo discurso da sustentabilidade é que, quando o capital reinveste seu lucro, precisa encontrar meios adicionais de produção disponíveis no mercado e os insumos de que necessita são de dois tipos: os produtos intermediários que já sofreram ação do trabalho humano, para serem utilizados no processo de produção (ex.: tecido para a confecção de um casaco) e as máquinas e equipamentos de capital fixo, incluindo as edificações das fábricas e as infraestruturas físicas (ex.: sistemas de transportes e portos para fluir a produção).
Se qualquer um desses insumos tornar-se indisponível haverá uma barreira à acumulação de capital (ex.: a indústria automobilística não poderá expandir-se se não houver insumos de aço, plástico, borracha, componentes eletrônicos; bem como estradas na qual se possa dirigir).
Portanto, o que deve ficar claro é que os limites naturais constituem-se em problemas sérios à acumulação e expansão capitalista, o que torna a discussão do atual modelo de desenvolvimento um problema mais profundo do que simplesmente adjetivá-lo com a expressão: “sustentável”.
Por isso, os capitalistas (maquiados de verde) na busca dos seus próprios interesses de curto prazo, constantemente impelidos pelas leis da competição, atribuem ao esgotamento da natureza e não ao modo capitalista de produzir, os limites e barreiras que serão responsáveis pelos baixos padrões de vida.
Segundo Marx, em O capital, o capitalismo gera pobreza em virtude de suas relações de classe e sua necessidade imperiosa de manter um excedente de trabalhadores empobrecidos para exploração futura. E Harvey, no livro “O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo” chama a atenção para o fato de que, sempre, em tempos de turbulência, a fim de mascarar as causas reais do modo de produção capitalista, as explicações ambientais assumem a “agenda do dia”.
Foi assim, na crise dos anos 1970, através dos influentes documentos “Dia da Terra” e “Limites do Crescimento”; ambos de Donella H. Meadows, publicados em 1970 e 1972, respectivamente.
Portanto, não surpreende que na turbulência iniciada em 2006, nos países desenvolvidos, os fenômenos naturais que ocorrem há centenas de milhões de anos e contra os quais a humanidade, além de adaptar-se adequadamente a eles, pouco pode fazer, sejam convertidos em (falsa) emergência mundial, a fim de explicar as dificuldades econômicas atuais.
Considerações Finais
A quem interessa o discurso de um desenvolvimento sustentável, onde os pilares da acumulação capitalista não apresentam alteração?
Através da ideia de que desenvolvimento é um processo complexo, com lugar num dado espaço social e num certo tempo histórico, percebe-se que o alarmismo em torno da crise ambiental é promovido por interesses políticos e econômicos, que transformaram o debate científico sério e imparcial numa verdadeira indústria da crise ambiental, que aponta como solução inevitável o desenvolvimento sustentável, escamoteando a lógica que governa o processo de acumulação de capital.
Tal como tem sido considerado, principalmente depois da revolução industrial, o modelo de desenvolvimento nunca pressupôs uma dinâmica econômica subordinada às diretrizes da biologia, a fim de alcançar o equilíbrio entre sociedades humanas e o meio ambiente.
Nesse sentido, a economia dos países industrialmente mais desenvolvidos não poderá continuar servindo de modelo para os outros países, simplesmente porque não haverá recursos naturais em quantidade suficiente.
É claro que, além do discurso da sustentabilidade escamotear relações capitalistas perversas, a relação entre a economia e a biologia carece de análises mais apuradas para que se chegue a propostas mais realistas.
Lamentavelmente, qualquer período histórico só pode ser compreendido quando está no fim e, nesse sentido, Hegel certa vez comparou a filosofia com a coruja da deusa Minerva, que carrega toda a sabedoria do mundo, mas só voa ao anoitecer, quando não há mais luz para aproveitá-la.
O que se pode inferir dessa metáfora de Hegel à questão em tela neste artigo, é que a sabedoria nem sempre é considerada para explicar a história presente. Isto por que os paladinos do desenvolvimento avançam sem (querer) olhar para trás.
Portanto, além de interpretar o mundo, devemos tentar mudá-lo, reivindicando um vôo mais consequente da coruja para um aproveitamento mais prático da sua sabedoria, a fim de vencer o vasto abismo que separa a filosofia da prática cotidiana.
Nesse sentido, é imperativo que a humanidade passe a questionar os valores da sociedade capitalista, rejeitando um modelo de desenvolvimento produtor de valores de troca e predador de recursos. Caso contrário, o que nos restará a fazer senão assistirmos a ordem global ganhar dimensões que recoloquem no horizonte a alternativa da barbárie?
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Doutorando em Planejamento Regional e Urbano, no Ippur/UFRJ.