Desde 2007, pelo menos, veículos como Globo, Folha de São Paulo e Valor Econômico noticiam a iminência de uma nova contra-reforma previdenciária. O que, até meados deste ano, eram balões de ensaio lançados pelo Plano Diretor do Mercado de Capitais (PDMC) e repercutidos por empresas de comunicação habituadas a noticiar como fato o que gostariam que acontecesse, aproxima-se, agora, perigosamente, da realidade.
A Previdência Social é o grande tema pendente do processo de financeirização da economia e desmonte dos serviços públicos consumado no octênio tucano e mantido, com matizes, na década petista. Bancos, corretoras e fundos de pensão cobiçam o dinheiro que trabalhadores e empresas entregam todo mês ao INSS e o das aposentadorias, pensões e auxílios pagos por este.
No primeiro caso, pretendem usá-lo para sua própria capitalização e investimentos. No segundo, porque quanto mais o INSS paga, menor a parte do orçamento federal que sobra para ser abocanhada pelos monopólios via juros, empréstimos do BNDES, etc.
Mas mesmo num sistema político estruturalmente corrompido, qualquer governante ou parlamentar pensa muitas vezes antes de comprometer-se com medidas que atingiriam a fonte de sobrevivência direta de 30 milhões de pessoas e teriam impacto dentro da casa de cada família brasileira.
Por isso, mesmo contando com a quase unanimidade do parlamento, imprensa e STF, F. H. Cardoso não conseguiu – e Lula, com menor respaldo da “elite branca”, nem sequer tentou – impor o desatrelamento entre aposentadoria mínima e salário mínimo, a proibição da soma entre períodos de trabalho no campo e na cidade ou a privatização do sistema. Embora suficientes para atormentar a vida do trabalhador, as contra-reformas produzidas desde 1995 não chegam a 20% do que queriam o Fórum Nacional e o PDMC.
Agora, o governo da senhora Roussef e os fatores de poder representados por esses dois dispositivos chegaram a um acordo: eles adéquam suas reivindicações à realidade e o governo compromete-se com mais uma contra-reforma. Indicativa desse compromisso é a aprovação, em maio, da lei que dá efetividade à Emenda Constitucional 41/2003, que prevê a aplicação do dinheiro da contribuição previdenciária dos servidores federais no mercado de ações e títulos. Luiz Inácio havia promovido essa alteração constitucional ainda no primeiro ano de seu mandato, mas, em oito anos, não chegou a regulamentá-la. Dilma garantiu sua efetivação antes de completar dezoito meses de mandato.
Outro indicativo de sua disposição para atender as reivindicações do PDMC e do Fórum são as inúmeras manifestações do ministro da Previdência, Garibaldi Alves, em favor da redução do valor e dificultação do acesso a pensões por parte de viúvas e órfãos no Regime Geral de Previdência Social (INSS). Essa medida é o eixo da contra-reforma em gestação. Outro ponto de consenso é a manutenção do fator previdenciário ou o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição. No último encontro do Fórum, em maio deste ano, Raul Velloso, um de seus homens-chave, indicou que esta poderia ser 60 anos – um recuo face aos 67 que o PDMC tentou impor cinco anos atrás.
Paradoxalmente, o que viabiliza essas medidas é o enfraquecimento dos monopólios representados pelo Fórum e pelo PDMC. É fato que a crise financeira internacional aumenta sua fome por recursos do Estado – e a receita do Fórum para garanti-los, repetida pela enésima vez pelo mesmo Raul Velloso no encontro de maio, é cortar despesas previdenciárias. Mas é também verdade que, no quadro atual, a sobrevivência de alguns desses monopólios depende da demanda garantida pela renda de aposentados e pensionistas. A preservação do pacto de poder e a inviabilidade objetiva de passar-se ao regime de capitalização com o sistema financeiro internacional em bancarrota produzem o denominador comum entre esses interesses e levam à mudança de estratégia.
Na reunião de novembro de 2011 do PDMC, foi acertado que “deveríamos concentrar nossos esforços junto ao Congresso e Executivo para defendermos (…) o fator previdenciário, nova legislação sobre pensões, a não correção pelo salário mínimo dos benefícios maiores do que um salário”, como se lê em sua ata. “Com relação ao Novo Modelo Previdenciário (projeto de privatização e corte mais profundo de direitos) e ao uso do FGTS (no mercado de ações) foram considerados que não eram politicamente oportunos”, ainda segundo a mesma ata. Na lista de ações específicas relacionadas à Previdência na agenda de 2012 do PDMC, constam a “manutenção do fator previdenciário” e a “nova legislação sobre pensões”. As “entidades-âncoras” para essas ações são Abrapp, Febraban, Fenaseg e CNI.
Seis meses antes, em maio, numa reunião do PDMC da qual participaram também Raul Velloso e o coordenador técnico do Plano, Carlos Rocca, o secretário-executivo do Ministério da Previdência, Carlos Gabas comprometeu-se com a restrição às pensões e “se colocou à disposição no ministério para discutir esses temas com as entidades do PDMC”, conforme a ata. Em retribuição à gentileza, o coordenador-executivo do plano, Thomas Tosta de Sá “colocou à disposição do Ministério o apoio para aprovação dos PLs[projetos de lei]” relativos ao assunto. Na reunião seguinte, em agosto, deliberou-se pela atuação junto a “algumas lideranças no Congresso para abordarmos os temas previdenciários” e por centrar nas pensões e na manutenção do fator os esforços junto aos “principais interlocutores” do PDMC no governo: os ministérios da Fazenda e Previdência e Palácio do Planalto.
Mas o impulso político decisivo é dado pelo Fórum Nacional. Na abertura do primeiro painel de maio – tendo como tema “Prioridade à Estratégia de Competitividade Internacional do Brasil” –, Raul Velloso apresentou as propostas de idade mínima de 60 anos e redução do valor das pensões de 100 para 70% da média dos salários sobre os quais o trabalhador contribuiu, além do estabelecimento de uma quantidade mínima de contribuições (carência) para que a viúva e o filhos tenham direito ao benefício (hoje, basta que o trabalhador tenha vínculo com o INSS no momento de sua morte). Outra proposta é impedir ou limitar o recebimento simultâneo de pensão e aposentadoria, obrigando a viúva ou viúvo a optar entre sua renda e a do cônjuge que falecer. Para setembro, está marcado um encontro cujo primeiro painel contará com a presença de Fabio Giambiagi, co-autor do projeto de 2007 do PDMC e garoto-propaganda do desmanche da Seguridade Social na imprensa monopolista.
De quem estamos falando
Criado no fim de 1988 para reverter as conquistas obtidas pelas forças democráticas na Assembleia Constituinte, o Fórum Nacional é uma mescla de remanescentes da ala liberal-americanófila do regime de 64 – oriundos, em geral, da Escola Superior de Guerra – e membros do PSDB. Para este ano, os patrocinadores privados de suas reuniões e estudos são Telefonica, Odebrecht, Vale, Ibmec, Vivo, Light, Bradesco, CCR, Andrade Gutierrez, Icatu, Oi, Natura, Shell, Queiroz Galvão, OGX, Statoil, Brasif, Siemens, Brasil Foods, Gerdau, BM&F/Bovespa, Firjan, Fiesp, CNI e IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo). Os estatais são Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, Eletrobrás, Correios, Prefeitura do Rio, BNDES, IPEA, Finep e Governo Federal. A entidade conta, ainda, com apoio financeiro do BID.
O PDMC, formado em 2002, funciona como braço operacional do Fórum, atuando junto a ministérios, tribunais superiores e ao Congresso para traduzir suas diretrizes em medidas concretas mediante a elaboração de leis e jurisprudência de interesse de seus financiadores.