Maurício e André Grabois foram mortos em combate no Araguaia
A luta em busca da verdade sobre o que aconteceu aos revolucionários mortos e desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia vem desde 1982, quando as famílias entraram com uma ação na 1ª. Vara da Justiça Federal em Brasília.
Até 2003, o processo teve 16 recursos impetrados pelo advogado dos familiares. Durante todos estes anos iam sendo substituídos os juízes, até que, no dia 30 de junho de 2003, a juíza Solange Salgado proferiu a sentença de autorização para a localização das ossadas e da quebra do sigilo das informações militares relativas a todas as operações de repressão à guerrilha, a fim de esclarecer as circunstâncias da morte dos combatentes. Para tanto, o governo brasileiro deveria intimar todos os agentes militares que participaram de quaisquer operações, independente dos cargos à época, no prazo de 120 dias, e caso o governo não cumprisse este prazo deveria pagar uma multa diária no valor de R$ 10 mil. A Advocacia-Geral da União, que tinha 30 dias para se pronunciar, recorreu da sentença Judicial 307/2003, para a indignação das famílias dos desaparecidos.
No recurso, a Advocacia Geral sugere que o momento é distinto do período da guerra, quando ocorreram as mortes, e que as forças armadas, de medula do Estado para oprimir o povo, passaram a defensoras intrépidas e abnegadas da soberania nacional. Vejamos algumas passagens do recurso:
“(…) Estava-se naquele tempo sob as restrições de um regime de exceção, o que condicionava o procedimento de seus defensores e opositores, limitando também a atuação das instituições e de seus agente s. (…) Hoje, porém, vive o país a plenitude do Estado de Direito e do Regime Democrático, não existindo exceções à submissão de todos, do Estado e dos cidadãos, ao império da lei. (…)
As Forças Armadas, por sua vez, desempenham amplo e diversificado papel na vida nacional. Preservam a soberania nacional, controlam o espaço aéreo e as fronteiras marítimas e terrestres, desempenham significativas ações na manutenção da lei e da ordem. Constituem fator de garantia da ordem pública e prestam valioso apoio aos poderes públicos no combate à criminalidade. (…)
Participam, além disso, de diversos programas de natureza social, como o Fome Zero. (…)”, etc., etc.
No dia 17 de setembro, Vitória Grabois, filha de Maurício Grabois, dirigente do Partido Comunista do Brasil, principal quadro morto no Araguaia, prestou um depoimento à AND que, nesta oportunidade, publica alguns trechos:
“O Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM) do Rio de Janeiro, é uma das instituições que mobilizou várias entidades sérias e cresceu nesse processo de defesa dos direitos dos familiares. Em outros estados, organizações similares usam o nome do grupo com sua autorização, mas são independentes. Em primeiro lugar estão os familiares, consequentemente, na frente do GTNM do Rio, de Minas, da Bahia, de Pernambuco e São Paulo.
Quanto à campanha, fizemos em Brasília uma via crucis aos Gabinetes. Fomos ao ministro da Justiça, que disse não ser isso da alçada dele, mas, da Advocacia Geral da União. Por sua vez, a Advocacia Geral da União disse que ia dar um parecer técnico. Aí nós dissemos que a questão não era técnica, era política. Fomos ao Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, e ele disse que a última palavra seria a do presidente, o senhor Luis Inácio da Silva. Então, solicitamos uma audiência com o presidente.
Esconde-esconde
Se a União não recorresse, estaria reforçada a nossa posição quando chegasse a segunda instância. Porque, agora, com este recurso, provavelmente muitos desembargadores lá de Brasília vão seguir a orientação da Advocacia Geral da União. Eles vão copiar o parecer, vão dizer a localização, pegar os ossos, nos entregar os ossos e enterrar. Como passaram 30 anos, já voltei inúmeras vezes ao palco da Guerrilha. Muitos dos ossos já estão deteriorados. O André mesmo, meu irmão, foi enterrado em cova rasa e comido pelos bichinhos, pelos roedores; outros nem foram enterrados.
Agora, surgem vários fatos, o Correio Brasiliense está publicando várias notícias. Dizem tratar-se de fontes militares que participaram da repressão à guerrilha. Vendem estas notícias para o jornal, ficam falando por trás dos panos. Muitos não conseguiram ser enterrados. Então como que vão devolver? As ossadas são um símbolo, o que queremos é saber as circunstâncias da morte.
O governo Lula, dito de esquerda, foi eleito com 54 milhões de votos. Lula foi perseguido pela ditadura, preso em plena ditadura militar, não é isso? Vários membros de seu governo foram presos e torturados, e aí ele vem. Durante todo este tempo, a Justiça era o maior entrave. Conseguimos que uma juíza proferisse uma sentença favorável e somos travados justamente pelo governo.
O governo vai em cima — eu, particularmente, não tinha tanta esperança, mas a maior parte das famílias tinha. O presidente argentino, Kirchner, tomou atitudes muito mais democráticas do que o Lula. Teve o governo do Chile também. Agora, Kirchner e Ricardo Lagos (presidente do Chile) estão tendo ações conjuntas para descobrir tudo o que aconteceu durante a operação Condor, que atingiu Argentina, Chile, Brasil, Paraguai e Bolívia. Existe o Arquivo do Terror no Paraguai que foi descoberto. Lá tem um vasto material e eles estão unidos para estudar este arquivo e abrir outros arquivos, ouvir os militares para saber o que realmente aconteceu. E aqui no Brasil nós temos um retrocesso.
No palco da guerrilha
Representantes do Ministério Público Federal foram à região do Araguaia em 2001. Todos os depoimentos que eles pegaram nós ouvimos quando estivemos lá em 1981. Então, 22 anos depois, as mesmas pessoas falaram as mesmas coisas, só que em 1981 eles falaram para nós familiares, e não tinha o menor valor. Agora, falar para os Procuradores da República é outro departamento. Tudo que está aqui nós temos gravado.
A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), continua atuando na área. Descobriram uma casa com pessoas que participaram da guerrilha e que até hoje ganham cesta básica do Exército para não abrir a boca — isso foi divulgado na época, saiu nos jornais. A ABIN, em pleno governo Fernando Henrique Cardoso, ainda mantinha uma base de informação na região de Marabá. Os Procuradores da República e o Ministério Público Federal estiveram lá em 2001, descobriram esta casa, apreenderam um computador — só que tudo que foi aprendido está sobre sigilo, não pode ser divulgado até hoje em pleno governo Luis Inácio da Silva.”
Pizzaiolos não são de confiança
Após uma comissão de familiares ter vagado de gabinete em gabinete ministerial, tentado audiência com o presidente e enviado cartas ao mesmo com o apoio de entidades de direitos humanos indignados com o recurso, Luis Inácio constituiu uma comissão, noticiada no dia 4 de outubro, composta pelos ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, José Viegas Filho, da Defesa, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, o secretário especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda e o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro Costa, assistida pelos comandos do Exército e da Aeronáutica, excluindo os familiares. Restringindo comissão a pessoas de sua confiança, limitam-se as investigações — mais uma pizza à vista.
Maurício Grabois: um combatente abnegado
Maurício Grabois nasceu na Bahia, em 2 de Outubro de 1912. Estudou no Ginásio Estadual de Salvador e depois ingressou na Escola de Guerra de Realengo/RJ para tornar-se um oficial do exército. Em 1932, ingressou no Partido Comunista e foi um dos seus primeiros organizadores nas Forças Armadas. Desde então, dedicou sua vida por inteiro à atividade partidária. Neste mesmo ano houve um incidente na Escola Militar e vários alunos foram desligados. O comandante propôs retirar a ordem de afastamento para aqueles que se retratassem. Maurício se recusou, sendo então rebaixado para praça. A seguir, ingressou na Escola de Agronomia, cursando até o 2º ano.
Tomou parte ativa nas jornadas de 1934 contra o fascismo, trabalhou infatigavelmente ao longo de 1935 na criação e fortalecimento do grande movimento revolucionário, antiimperialista e antifascista, na Aliança Nacional Libertadora, sendo já então dirigente regional do Partido.
Em julho de 1942, imediatamente após sair da prisão, ocupou seu posto, integrando a CNOP (Comissão Nacional de Organização Provisória) que teve como tarefa principal rearticular nacionalmente o Partido. Passa a compor o Secretariado Nacional Provisório, eleito na chamada Conferência da Mantiqueira, convocada pela CNOP.
Deputado Constituinte em 1946, o dirigente comunista era líder de seu partido no Congresso e membro da Comissão de Relações Exteriores. Cassado em 1948 passou a viver na clandestinidade. Era o editor do jornal A Classe Operária e responsável pela Editora Vitória.
Em 1956, a luta interna estava acirradíssima e no intuito de descolá-lo das bases, Grabois, um dos defensores da linha revolucionária, foi enviado para a União Soviética para fazer alguns cursos, lá permanecendo por dois anos. Na volta, é afastado do bureau político. A luta interna chega ao seu ápice no V Congresso, em 1961. Tornando-se impossível a permanência no mesmo partido que os revisionistas liderados por Prestes, ocorre a cisão.
A partir daí, trabalha ativamente na reorganização do Partido que será formalizada na Conferência Nacional Extraordinária em fevereiro de 1962.
Em 1967 se transfere para a região do Araguaia, onde atuou abnegadamente junto aos demais combatentes, no comando das forças revolucionárias, elaborando também no campo de batalha documentos políticos e militares. Lá resistiu com armas na mão até ser morto num tiroteio com soldados do Exército.