Do campo de batalha ao cinema

Do campo de batalha ao cinema

Ousado projeto do cineasta Ronaldo Duque, Conspiração do Silêncio pretende lançar luz sobre um dos episódios mais censurados da história recente do Brasil.

Arte: Rose Nogueira


Cenas do Filme Conspiração do Silência. de Ronaldo Duque (divulgação)

Filmado em 11 semanas na localidade de Marituba (40 km de Belém) pelo cineasta e jornalista Ronaldo Duque, 48 anos, o filme Conspiração do Silêncio trata de um tema ainda não explorado pelo cinema nacional: a guerrilha do Araguaia. Fruto de mais de 15 anos de pesquisa sobre o tema e baseado no depoimento de centenas de moradores da região, esta será a primeira produção do gênero a abordar a luta dos revolucionários e camponeses do sul do Pará por uma nação livre, independente e verdadeiramente democrática.

"Nosso povo precisa conhecer a história da guerrilha do Araguaia", diz Ronaldo Duque, em entrevista concedida à AND, em 11 de março. De Brasília, onde trabalha na fase final de produção de seu longa-metragem, Ronaldo Duque fala mais sobre o filme: "O interesse em filmar sobre o Araguaia surgiu já em 1977, quando estive lá pela primeira vez, atrás de informações sobre a guerrilha, e se reforçou na minha segunda ida à região, em 1984, quando colhi depoimentos para um documentário, não finalizado por falta de recursos. Para a realização de Conspiração do Silêncio, passamos os últimos anos captando finanças, num processo difícil. A produção foi orçada em R$3,5 milhões, mas estamos trabalhando abaixo disso".

Ficção e história

"Para contar a história da época, nos baseamos em fatos reais – extraídos dos muitos depoimentos dos camponeses e dos sobreviventes da luta -, apesar do filme ser uma obra de ficção, na qual convivem personagens reais e ficcionais. Conversas com os ex-combatentes Michéas Gomes da Silva, o Zezinho do Araguaia, Criméia (Alice) e tantas outras pessoas, nos orientaram bem para caracterizar uns personagens e criar outros especialmente para o filme. Aqui estão os guerrilheiros Osvaldão (Norton Nascimento), Dina (Françoise Fourton), Alice, Juca, Geraldo, Zé Carlos, (Danton Melo), além da recriada Tininha (Fernanda Maiorano) – misto das jovens Helenira, Áurea e Sônia, etc. Aparecem também vários militares e religiosos que atuaram na região, e um deles é o narrador da história: o Padre Chico." O trabalho de Ronaldo Duque revelou-se minucioso. Com paciência e dedicação foram planejadas as locações de modo a reproduzir com nitidez a guerrilha. Foram reconstruídas, também, duas pequenas vilas, Xambioá e Caiano. Duque explica: "Para as cenas de mata foi escolhida a cidade de Marituba, próxima a Belém, que ainda conserva pedaços da floresta, o que não acontece nos locais dos combates, onde a descaracterização é total: a antiga mata hoje é só pasto, com milhares de cabeças de gado. Isso impossibilitou qualquer locação lá, o que foi uma pena. Mesmo assim, conseguimos reconstruir significativamente o ambiente, dando boa dose de realismo ao filme".

Assunto proibido

Mesmo passados quase trinta anos de seu fim, a guerrilha do Araguaia é um tema praticamente proibido em muitos lugares. Existe um cerco levantado sobre esta luta, ora mais escancarado, ora mais dissimulado, mas sempre presente. Nesse sentido, as dificuldades encontradas pela equipe de Conspiração do Silêncio foram muitas, desde problemas para a captação de recursos até negativas veementes do Exército em fornecer informações de qualquer ordem. Nem mesmo material básico para a produção de obras deste tipo, como fardas e armas, puderam ser conseguidos, o que só foi solucionado com o apoio de outro cineasta e dogoverno do Pará. "Remexer no passado da guerrilha incomoda muita gente, que considera o que se passou lá acabado. Mas, considero necessário pôr a mão aí, e divulgar o que aconteceu", diz Ronaldo Duque.

"Até onde nós sabemos, ninguém tentou nos impedir de filmar, mas os órgãos oficiais do Estado e do Exército não facilitaram nada, não liberaram nenhum documento oficial. Foi uma vitória realizar o filme, que terá 90 minutos de duração e, salientamos, não busca estabelecer uma versão definitiva sobre o que aconteceu no Araguaia. Queremos lançar o tema para o debate na sociedade, onde possa ser discutido e apreciado corretamente em seus defeitos e qualidades", conclui Duque, na expectativa da finalização e lançamento próximo de Conspiração do Silêncio, um filme que, certamente, poderá ser marcante na cinematografia brasileira.

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