Do glamour à maquinaria

Do glamour à maquinaria

Há muito, o futebol brasileiro foi uma manifestação artística representada pelos atores da bola que proporcionavam ao público partidas que não eram exatamente sinônimo de deslealdade. Havia uma relação estável entre grandes times e seus atletas que se estabelecia por 5, 10, às vezes 15 anos, um vínculo afetivo com a torcida que se assegurava na condição de ícones e de prestígio da camisa vestida.

Hoje, a história se inverte consideravelmente. Os passes dos atletas, que já se assemelhavam às relações de feudo, evoluíram em sofisticação burocrático financeira, onde o jogador fica exponencialmente à mercê das grandes corporações.

Por exemplo: um jogador assina contrato com o Sport Club Corinthians, um dos maiores e mais populares do país. Este, por sua vez, se submeteu contratualmente com um fundo ianque de investimento, o Media Sport Investiment — MSI, que detém o controle das ações do clube por 10 anos. Fácil entender: o poder de decisão dos dirigentes corinthianos é nulo e o contrato do jogador é assinado no Corinthians, mas passa para o controle da corporação estrangeira. E tal é a rotatividade do mercado, que atletas, em menos de 8 meses, são capazes de já terem beijado mais de três escudos diferentes, muitas vezes, dirigidos pela mesma corporação.

É preocupante constatar que os clubes mais populares do Brasil empenham-se em alugar times para não se desvincularem de seus maiores consumidores: a torcida tradicionalmente imensa e apaixonada.

Afonso Celso Garcia Reis, 58 anos, médico psiquiatra e conhecido popularmente como Afonsinho, por ser ex-jogador de futebol de grandes clubes como Santos, Botafogo, Flamengo e um dos pioneiros do passe livre na década de 70, questiona o vínculo explorador que os magnatas da bola estabelecem com os clubes mais populares do país em favor do lucro máximo e em detrimento do futebol:

— Vejamos o nosso presente: o Corinthians, campeão brasileiro de 2005, é barriga de aluguel e o Flamengo inveja o Corinthians. Quer roubar a "namorada" ou dividi-la, pelo menos. Essa é a pior dor. Clube com dono? Onde já se viu? Quando se negocia um contrato com um Flamengo, Corinthians ou outro clube, quem está sendo negociado é o torcedor, porque ele vai consumir a marca do clube, através do meio de comunicação que divulga e passa os jogos. Além do mais, com esse "Clube dos 13" — que exerce uma política claramente excludente -, querem ditar suas sentenças aos principais clubes do Brasil. Com todo esse aparato, a solução é ser "barriga de aluguel" ou, então, vender o time todo para fora do país. Isso, quando o futebol no país se expressa como uma forma cultural muito forte dos grupos sociais, é inaceitável. É ridícula a condição a que se submetem o torcedor diante dos interesses de compra e venda.

Os campeonatos na Europa aos poucos vão assumindo mais importância do que os ou trora grandes certames no Brasil. As copas européias exibem uma fartura de jogadores latino-americanos, que enchem de dinheiro os clubes de lá e as máfias de intermediários de cá.

Os G-7 da bola

Somente no Brasil, vinte clubes grandes trabalham para esse G -7 do futebol mundial, um negócio que envolve bilhões de reais. Por essas razões, os clubes se calam… se adequam.

Por sua vez, a publicidade favoreceu à forte influência televisiva na transmissão dos jogos. Hoje, essas empresas de comunicação só transmitem campeonatos que favoreçam aos seus cofres, além de boicotar outros, considerados relevantes pelo público.

Os times se submetem, sem nenhum protesto, à rede Globo de televisão — por natureza intermediadora das maiores corporações estrangeiras -, grande monopolizadora de jogos esportivos no Brasil. E as forças "globais" do marketing esportivo demonstram que o futebol nacional é moldado à imagem e $emelhança da Globo — já que seria desonesto dizer perfeição.

Clubes de renome vêm assumindo tropeços em campeonatos nacionais consecutivamente. A crise do futebol surgiu atingindo os tradicionais escudetos do Brasil e, mesmo assim, nada é alterado. Para Afonsinho, um dos principais malefícios, trazidos por essa atual crise, está na manutenção do coronelismo das federações de futebol:

— Nós vivemos um momento horrível porque os donos do poder são reacionários e não conseguem abrir mão do que querem. As federações estaduais em funcionamento são exemplos nítidos de sistemas feudais — como nos estados do Rio e Minas. Em Minas Gerais, o cargo da federação é passado de pai para filho. No Rio, nem a imprensa, nem dirigentes, nem jogadores conseguem derrubar esse mandario odioso que as federações sustentam. Então, essas pessoas, como se beneficiam muito disso, não querem abrir mão e declaram publicamente que poder não se outorga, se conquista. E agora, nesses atuais dias — que seria uma oportunidade extraordinária de oxigenar um relacionamento de maneira negociada, cavalheiresca e decente — estamos vendo os grandes clubes disputando para não cair. Mesmo assim, eles querem continuar dessa maneira. A modificação seria insustentável, na opinião deles. O Bahia, por exemplo, foi para terceira divisão junto com seu rival Vitória. Não abrem mão desses clubes. E o torcedor, que é o poder maior, fica impotente, amarrado, preso, pois não consegue desprender de sua paixão.

Celeiro para quem?

A América Latina passou a ser um imenso celeiro de mão de obra das grandes corporações, que a elas serve nos seus países de origem e no exterior. No Brasil, pelo menos uns 400 clubes do futebol profissional, nos mais diversos recantos do país, oferecem atletas para a exploração do esporte (e dos jogadores), apesar de menos de 10 por cento das agremiações terem projeção nacional. Além desse contingente, entre titulares e reservas, que somam aproximadamente 11 mil atletas federados — com uma média salarial de 2 a 3 salários mínimos -, centenas de crianças e adolescentes disputam nos grandes times uma vaga e, quase todos os meses, são dispensadas dos treinamentos e dos sonhos de uma carreira promissora.

As partidas entre as quatro linhas estão se transformando em batalhas campais. Já o nível de esforço físico dos atletas profissionais vem ocasionando problemas fisiológicos, às vezes irreversíveis e, até, fatais. A transgressão às normas básicas do esporte se tornou normal sob a ótica das equipes técnicas, dos árbitros e dos "dirigentes esportivos". Dessa forma, a vida profissional do atleta, já a princípio muito curta, vem diminuindo ainda mais. O "futebol profissional" tornou-se um mercado de alta rotatividade de jogadores, pelo qual mecanizam-se funções que exigem uma produção temporária eficiente, vale dizer, sub-humana.

— Onde entra dinheiro, se desenvolve o mecanismo de desfaçatez. A violência dentro de campo tornou-se normal. Não há críticas sobre isso. Teve um caso, na copa de 82, que um Sheik entrou dentro de campo reclamando de uma marcação de gol do juíz. Ele certamente deve ter comprado a participação. Quem tem o poder sobre essa violência entre jogadores deveria ter um mínimo de vergonha, mas o poder é muito grande — declara Afonsinho, atleta de uma época em que se podia apreciar futebol.

Nesse contexto, um fato que era inusitado multiplica-se em acontecimentos idênticos ao do zagueiro Serginho, que servia ao São Caetano, do ABC paulista. Ele caiu morto no estádio do Morumbi, fulminado por um ataque cardíaco, no decorrer da partida contra o São Paulo pelo Campeonato Brasileiro de 2004. Até hoje, depois do primeiro aniversário do falecimento do jogador, nenhuma outra providência foi adotada que não procurasse descaracterizar responsablidades dos empresários, livrando-os de qualquer futura acusação de crime.

O mesmo vêm acontecendo com o caso mais recente, cujo protagonista foi Alessandro, jogador do Ferroviário do Ceará que faleceu após sentir-se mal durante um treino. Famoso também pelo "excelente preparo físico", o jogador procurou o massagista alegando mal estar e foi encaminhado para um hospital público. Não suportou. Tentaram reanimá-lo, mas a resposta foi um infarto súbito.

Com seus precoces 23 anos, Alessandro já tinha se sentido mal uma semana antes, o que o levou a fazer exames médicos, que seriam concluídos dois dias após sua morte. O Ministério Público, mais uma vez, tirou a responsabilidade dos empresários e transferiu-as para os profissionais que trabalham diretamente com o atleta. As condições econômicas que afunilam a prática do jogador à condição de máquina, são impetuosamente descartadas. A morte do jogador foi notificada em muitos veículos de comunicação, à maneira dos casos insolúveis por natureza, embora se esperasse, no mínimo, uma acalorada discussão sobre a repetição de desfechos fatais.

Isso sem falar nas mortes dos jogadores Marc-Vivien Foe, camaronês de 28 anos, em 26 de junho de 2003, depois de desmaiar na partida contra a Colômbia, pelas semifinais da Copa das Confederações; Miklos Feher, atacante húngaro de 24 anos, em 25 de janeiro de 2004, durante o jogo entre Benfica e Vitória dos Guimarães pelo campeonato português; Cristiano da Lima Junior, brasileiro de 25 anos, em 5 de dezembro de 2004, depois de um choque com o goleiro adversário, na Índia.

Esporte é saúde?

A imprensa "nacional" no ano de 2004 aproveitou a fatalidade de Serginho para criar sensacionalismo que, espontaneamente, produziu a oportunidade dos profissionais da área médica jogarem uma luz sobre o assunto. Foi nesse vendaval que Nabil Gorayeb, um dos maiores cardiologistas do Brasil com especialização em esporte, comentou a probabilidade de ocorrência de problemas cardíacos em atletas profissionais:

— As chances de ocorrer um problema cardíaco durante a atividade física é quatro vezes maior do que em descanso — afirma Nabil, que confirma ser a morte súbita por parada cardíaca um problema de saúde pública. Em todo mundo, a morte súbita mata mais que a AIDS, câncer de próstata e mama juntos.

— Quanto mais se ambiciona chegar a níveis elevados de competições, mais difícil escapar dos desgastes e do perigo da atividade — diz Nabil.

Estudos do Centro de Medicina de Atividade Física (Cemaf) constatam que esportes competitivos como o futebol não são sinônimos de saúde (ao menos em se tratando do futebol atual), e que pode levar, no futuro, ao desenvolvimento de sequelas que distanciam do conceito de vida saudável. O fisiologista do Cemaf, Turíbio Leite de Barros diz:

— O esforço físico exacerbado nos jogos oficiais mudam os quadros patológicos dos atletas, piorando ainda mais, se o mesmo tiver má formação genética.

Esgotamento e combate

A obsessão dos empresários pelos resultados financeiros evolui para a sofisticação da covardia e da deslealdade — que somente por essas razões o futebol não pode ser comparado às artes marciais. A preparação física tornou-se quase soberana na qualidade profissional de cada atleta com a única finalidade de comercializar o jogador a qualquer momento.

Na opinião de Afonsinho, o empresário hoje consegue obter do jogador, na sua curta carreira profissional, uma superprodutividade. O ex-jogador enxerga na participação desses agentes um favorecimento de poucos e a perceptível exploração da maioria dos atletas:

— Para o jogador beneficiado diretamente com essas negociações é ótimo, não há o que reclamar. Até porque, com uma certa independência financeira, pode se desvincular de um empresário e trocar por outro. Mas para a maioria, cujos valores e direitos expressos em porcentagens são inferiores, ocorre uma exploração às vezes não percebida. Aparentemente, o jogador comum se vincula ao empresário apenas por opção — não por imposição, escravização.

Jogar e participar de muitas competições consecutivas faz parte do futebol de alto rendimento, prática respondida com premiações pelas grandes corporações aos clubes de maior porte — até que, num determinado dia, atletas acumulam tantas e variadas contusões que põem fim às carreiras no seu melhor momento. Se as equipes tornam-se desfalcadas, surgem novas contratações.

Já o presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), Ivo Amaral, diz o seguinte:

— O clube, o empresário e o próprio jogador querem atingir metas, serem campeões etc.. Quanto mais sucesso financeiro, melhor. O jogador pode estar esgotado, mas ele quer estar amanhã dentro do campo decidindo o campeonato. Quer valorizar o bolso, pois a carreira é curta, e quanto mais aproveitar, melhor. Vai aparecer mais, será mais valorizado, terá mais vídeo. E esses torneios, como Sul-Americana, Copa do Brasil, Libertadores, que entrelaçam entre si, correspondem à vontade de permanecer vivo em todos os meios.

Mas para Afonsinho, esse esgotamento físico, psicológico e social, além de arrastar o jogador para relações de trabalho típicas de escravidão, faz degenerar a expressão popular de solidariedade e afeto por um clube que dá significado às torcidas, além de desvalorizar profissionalmente seus ídolos:

— O sistema político-econômico que a gente vive é um "salve-se quem puder". Este sistema cria no jogador — um trabalhador -, uma relação muito ruim com o clube. Na defesa dos interesses "empresariais", o clube não se adapta ao futebol esperado, amarrando-se na mão desses esquemas superados, ultrapassados. Mas enquanto eles tiverem poder eles vão amarrando. E o que sustenta tudo é o torcedor, sua relação (e paixão) com o clube, com as cores. Deveriam, no mínimo, preservar seus clubes. No entanto, a maioria dos clubes não tem nem campo para treinar. É o espelho da relação social do país. Estas competições tratam de explorar a todo custo. Tome como exemplo a "pré temporada" que come as férias do jogador, alegando que o jogador necessita submeter-se a exames. Isso é aceitável nas relações profissionais? Mas é a cara do momento social do mundo. O futebol tornou-se um dos melhores negócios da atualidade, não tenho nem idéia com o que se passa nessas transações milionárias. Eu não tenho idéia quando alguém, na TV, diz que vendeu tal transmissão para tal campeonato. Eu nem tenho idéia do que pode acontecer nesses acordos. Diante disso, a meu entender, o espetáculo empobrece, quando deveria mostrar toda a beleza que tem o futebol. Se você é presidente da UEFA, você trata de aproveitar o máximo. Se você é da FIFA, você manipula um campeonato mundial onde manda um jogador atuar ao meio dia num país tropical porque um determinado patrocinador ou sistema de comunicação exige. As copas do mundo são um grande exemplo de enriquecimento de cofres e esgotamento de jogadores, porque é o momento único para se valorizarem. Porém, muitos caem de quatro por não suportarem as condições físicas e psicológicas impostas. A questão dos princípios não é importante e a saúde é deixada de lado por essas entidades. É todo um esquema cruel que se apresenta. Dão dinheiro e mais dinheiro para os jogadores resistirem aos esforços, mas é coisa que não se compra.

A força prevalece

As contusões decorrentes das partidas regionais e nacionais, resulta em lesões cumulativas. Essa falta de respeito dentro dos gramados é construída pelas grandes exigências mercadológicas, cujas manifestações têm início nas novas técnicas de preparo físico, implantadas na sala de musculação, evidente em qualquer clube de grande porte.

Determinante nas partidas oficiais, o preparo físico hoje ganhou destaque com o aumento da comercialização internacional de clubes, visto que muito dos jogadores rentáveis, na visão dos empresários, devem ter uma presença assídua e extremamente "produtiva" nos campeonatos. Ou seja, quem adquire mais resistência é mais adaptável ao sistema da bola.

— Muitos jogadores chegam da categoria de base para o profissional com um ótimo preparo físico, mas sem saber chutar uma bola direito, comprovando que o mais importante na ótica do técnico é o futebol de alto rendimento — declara Ivo.

Super-preparação, super-alimentação e desumanização do esporte. Nivaldo Baldo, grande especialista em trabalho de reabilitação em fisioterapia esportiva no Brasil, é responsável por tratar e recuperar lesões de jogadores em nível de seleção, como Falcão e Amoroso.

Nivaldo teve um grande papel no desenvolvimento da fisioterapia esportiva, sendo um de seus precursores. Ele considera que muito dos atletas recorrem ao uso de produtos químicos, medicamentos, aditivos, hormônios animais, no intuito de não ficar no anonimato, onde as dificuldades sociais e econômicas predominam.

— O dinheiro tem sido a maior arma de destruição ou de construção, na sociedade como no futebol. Assim, quando milhares de dólares ou euros são envolvidos nas transações dos jogadores, podem ocorrer as mais variadas contravenções emocionais e de dignidade humana — afirma Nivaldo.

Embora haja uma imensa e sofisticada estrutura tecnológica no desenvolvimento da fisioterapia mundial, ajudando mais abruptamente a recuperação dos atletas contundidos, muitos deles, após um grande esforço, voltam à berlinda. Segundo o especialista, a propagação dos desenvolvimentos tecnológicos esportivos no Brasil são barrados pela falta de investimento do governo, dos clubes e pela mais cúmplice ignorância sobre todos os fatos comprovados:

— Quando um atleta submete-se a algum procedimento cirúrgico, é com o objetivo de deixá-lo igual ou melhor em sua performance física, profissional e esportiva anterior. Tenho dito desde a década de 70, que: "joelho operado fica melhor ou pior, igual nunca mais." E para ficar melhor, tem que ser muito bem operado e muito bem recuperado com procedimentos de avaliação que comprovem se realmente o atleta está melhor ou retorna com perdas na sua qualidade e na sua performance profissional — às vezes, com o encurtamento de tempo de carreira. Daí a figura do "bichado", que se insere na história do futebol. Quando o atleta que não foi bem operado e nem bem recuperado volta ao exercício de sua profissão, ele, por algum tempo, garante apenas seus ganhos econômicos para alimentar necessidades reais, ou suas ganâncias pessoais, e as dos clubes, com imensos prejuízos para si.

E o que dizer dos "gladiadores" atuais do espetáculo futebolístico? Nos últimos anos, essa função única se configura como uma das essências de um time destinado a por fora de combate o adversário. A tática de ambas as equipes é a de interromper a partida diante de uma investida, não importa para tanto o nível de violência empregada.

Ambição e despreparo

A adoção do estilo de gladiadores pode ser observado pelo método com que os cartolas conduzem o futebol. Eles induzem o técnico de futebol a extrapolar a ética competitiva, a ensinar durante os treinos disputas que são verdadeiros golpes marciais. A feição teatral se materializa pelas transmissões da TV, através de quedas simuladas e, por parte dos técnicos, xingamentos, invasões de campo etc. Diante disso, Afonsinho considera o poder ditadorial do dirigente como grande influenciador da conduta do técnico brasileiro:

— É um relacionamento ditatorial. O clube aqui se compara a um quartel. O treinador impera sem aceitar contestações. O dirigente dá ordens ao próprio técnico, ao nutricionista, ao médico, ao preparador físico, ao jogador etc. Paga os profissionais para, quando quiser, dispensá-los. É cômodo, mas ridículo. Vou citar um exemplo: o time perdeu duas partidas. Aí você vê no jornal que o time foi se concentrar em alguma cidade pequena. Então, a vida dessas pessoas fica muito limitada. O que é concentração senão que agrupar pessoas sob um determinado regime severo, pagar o jogador que vai ser lançado na hora do jogo e, às vezes, nem vai jogar? E o relacionamento humano como é que fica? É um mecanismo de controle, uma exploração desenfreada com a finalidade de tirar o máximo do jogador. Eles pagam ao atleta, dando o melhor que um hotel pode oferecer ao jogador, para que ele não reclame. A classe do jogador de futebol ainda é uma classe a ser construída.

Com o aumento do número de competições, alguns dos medíocres e truculentos jogadores, às vezes, são suspensos ou expulsos para que o seu substituto siga o mesmo padrão anti-esportivo. Sendo assim, um time, às vezes superior na arte, se vê impedido de melhor desempenho em meio a paralisações constantes, provocadas por golpes brutais do adversário com a finalidade de acovardá-lo no seu intento de aproximação do gol.

Acrescenta Afonsinho:

— O momento é muito incoerente com a realidade do futebol. Parece que o jogo é disputado só num curto espaço de campo e a bola vai e volta, não há riqueza de jogadas. O campo parece que é cheio de lacunas. O jogador cruza uma bola para ninguém porque todo mundo está no mesmo lugar, um em contato com o outro, desencadeando faltas desnecessárias. Parece uma luta. As laterais não são exploradas como antigamente. Sem dúvida, a exigência que se faz do "atleta profissional" conduz à violência e a episódios horrorosos.

Há quem diga que o futebol atual não é tão violento, inclusive não acreditando haver deslealdades dentro da disputas:

— O número de faltas tornou-se mais normal porque o espaço dentro de campo reduziu e, a meu ver, é consequência do desenvolvimento de treinamentos de marcação dupla, tripla, para não deixar o adversário construir jogadas. São apenas acidentes de trabalho — afirma Ivo Amaral

Mas o fato é que a cobrança vem desde cedo. Muito dos jovens das categorias de base já recebem uma carga de instruções sobre brutalidade e covardia de "cunho meramente profissional". Esses adolescentes sonhadores abandonam seus estudos por um só motivo: ser jogador de futebol. Isso gera, consequentemente, nos meninos a idéia de submeter-se a uma intensa adaptação fisiológica. Para tanto, dedicam, sobretudo precocemente, tempo integral às obrigações de um atleta adulto e superdotado.

Muitos desses jovens, ao alcançarem destaque em nível nacional, o farão submetidos pelos tais empresários e dirigentes ao processo de agregar valor ao mercado internacional. Contratos de longo prazo são propositalmente feitos na intenção de um eventual interesse de clubes, na maioria europeus, em comprar seu passe e, consequentemente, dar feição teatral a uma indenização (multa recisória).

Diante dos casos fatais que misteriosamente vêm ocorrendo no futebol, Nivaldo Baldo comenta que, com o número crescente de atletas que tentam ingressar no esporte, no caso futebol, para ter uma profissão e reconhecimento, muitos são pegos de surpresa. Sem o devido encaminhamento destes atletas aos centros de avaliação com cardiologistas, angiologistas, formam-se as condições necessárias para um aumento de acidentes vasculares, inclusive ocorrências cardíacas fatais.

— Muitos clubes mantém um departamento de saúde, departamento médico ou laboratórios de fisiologia sem o mínimo de investimento material e profissional. Usam a imprensa para impressionar, dizendo que fazem trabalhos de alto nível, performance científica e atlética. Na verdade, existem muitas salinhas ou salas inadaptadas aos procedimentos, estrutura e investimentos científicos — afirma Baldo.

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