Do Manifesto de Agosto de 1950 ao IV Congresso

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Do Manifesto de Agosto de 1950 ao IV Congresso

O PCB havia iniciado o processo autocrítico das ilusões constitucionais com a Declaração de Janeiro de 1948, que se aprofundou com o Manifesto de Agosto de 1950. A bandeira da revolução é novamente levantada e a questão da luta armada, como caminho para a conquista do poder, é retomada e posta na ordem do dia. O PCB inicia um rico período de sua existência, em que a luta contra o revisionismo, pela primeira vez, surgia no interior do Partido. E esta, ainda que não se desse de forma mais patente e organizada, ganhará maior dimensão. Uma demarcação mais nítida entre esquerda e direita, entre a linha revolucionária e reformista, será a base das futuras rupturas entre marxistas-leninistas e revisionistas.

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Ilustração de campanha de soltura de Elisa Branco

Na legalidade institucionalizada e com a Assembleia Constituinte, os comunistas conquistariam a maior bancada parlamentar de toda sua história, com 46 deputados e um senador, e a maioria de vereadores na capital federal. O PCB na legalidade contava com cerca de 200 mil militantes e oito jornais diários, já em 1947.

O general fascista Eurico Gaspar Dutra, como representante direto do imperialismo ianque, é eleito presidente com a missão de deter o movimento comunista no país. Rompe relações diplomáticas com a URSS e assume a ponta de lança da contrarrevolução em uma nova escalada fascista contra o povo e o PCB. Prisões e assassinatos se generalizam, comícios são dissolvidos a bala. O PCB não responde a altura aos ataques do inimigo. Apoiando-se no parlamento, o PCB pede inutilmente o impecheament de Dutra. Sem uma linha política revolucionária e organizações preparadas para resistir e combater, o PCB perde a iniciativa e não logra utilizar os acontecimentos para desmascarar o regime e preparar as massas para a luta revolucionária pelo poder.

Com Dutra se aprofunda a dominação do imperialismo ianque no país. A desnacionalização da economia e a subserviência ao USA se aceleram. Para cassar os deputados comunistas Pedro Pomar e Diógenes Arruda, que se mantinham abrigados em outras legendas a fim de utilizar a tribuna para denunciar o governo, Dutra passou a exigir atestado de ideologia para quem fosse disputar as eleições.

Diante da ilegalidade imposta e da compreensão da situação política como de tendência à fascistização e à preparação de uma nova guerra contra a URSS, o PCB inicia um processo autocrítico, para o qual teve grande importância a vitória da Revolução Chinesa em 1949, assim como a Conferência dos Partidos Comunistas na Polônia de 1947. Nesta, Andrei Zhdanov criticara os desvios de direita em que estava afundado o PCB.

Manifesto de Agosto de 1950

Na Declaração de Janeiro de 1948, Prestes levantava entre outras questões a pouca atenção às lutas dos trabalhadores rurais contra o latifúndio e a prática de “obscurecer os objetivos estratégicos revolucionários” com uma sistemática “contenção da luta de massas proletárias em nome da colaboração operário-patronal e da aliança com a burguesia progressista“.

Com o Manifesto de Agosto de 1950 aprofunda-se a autocrítica, reafirmando o papel dirigente do proletariado e apontando para a tomada revolucionária do poder através da luta armada. O Manifesto propõe a formação de núcleos da Frente Democrática de Libertação Nacional – FDLN para a derrubada do governo estabelecido e o estabelecimento de um governo democrático popular.

As limitações da autocrítica

Ainda que a Declaração de Janeiro de 1948 e o Manifesto de Agosto de 1950 tenham representado um importante avanço na superação de problemas históricos, mudando a orientação política e dando fôlego à esquerda na direção do PCB, este processo autocrítico ainda encontra sérias limitações. E estas não permitirão aprofundar suficientemente a luta entre marxismo e o revisionismo — que já manifestara com as posições de Browder no continente e de Togliatti na Europa — para ir às raízes do reformismo no partido e extirpá-las da sua direção.

Neste período, três problemas fundamentais se colocavam como pedra de toque, sem os quais o PCB não poderia superar o reformismo e a ideologia pequeno-burguesa. Questões que de forma geral se achavam resolvidas na experiência vitoriosa da Revolução Chinesa, a qual é profundamente subestimada pelos comunistas brasileiros. São eles:

1 A questão da burguesia nacional e a correta relação com ela. O PCB substitui a linha oportunista de direita de unidade cega com a burguesia, pela sua negação completa. Caracteriza a burguesia em bloco como força inimiga, sem separar a grande burguesia (que por sua vez se divide em frações: compradora e burocrática, inimigas), média e pequena (genuína burguesia nacional, sendo suas alas esquerdas aliadas do proletariado e do campesinato). Sem separar suas diferentes frações, o PCB seguiu equivocadamente tomando a grande burguesia burocrática, representada por Vargas, por burguesia nacional.

2 A compreensão sobre a questão agrário-camponesa. Ainda que tenha ganhado maior ênfase, não se define corretamente seu papel na revolução brasileira, ficando assim secundarizada na estratégia do Partido, assim como sua vinculação com o problema nacional, terminando por colocar o problema da eliminação do latifúndio apenas como condição para o desenvolvimento capitalista, e não principalmente como condição para a conformação da aliança operário-camponesa, para a libertação das forças produtivas no campo, para a hegemonia do proletariado na frente única revolucionária e para a passagem interrupta da revolução democrática de novo tipo ao socialismo.

3 A questão da via e forma principal de luta, ou seja, a luta armada. É aqui, quanto à questão da linha militar, que concretiza as tarefas da revolução, e à construção do segundo instrumento da revolução, o Exército Guerrilheiro Popular (são três os instrumentos da revolução: o partido, o exército revolucionário popular e a frente única revolucionária, sendo o partido o principal), onde os problemas se revelam de forma mais clara.

O Manifesto defende que o Exército Popular de Libertação Nacional seria formado a partir da “Expulsão das forças armadas de todos os fascistas e agentes do imperialismo e reintegração em suas fileiras dos militares delas afastados por motivo de sua atividade democrática revolucionária1“. Ou seja, ao passo que repudia qualquer possibilidade de aliança com a burguesia, defende a principal instituição de sustentação da grande burguesia e do latifúndio, as forças armadas brasileiras, como sendo a base de um instrumento revolucionário do proletariado.

Como bem sublinhara Mao Tsetung sobre o problema do Estado e a Revolução: “O principal é o problema da máquina estatal, isto é, o problema da destruição da velha máquina estatal (principalmente as forças armadas) e do estabelecimento de uma nova máquina estatal (principalmente as forças armadas [revolucionárias])”2.

Como a própria experiência da Revolução Chinesa afirmou, a condição para o proletariado manter a independência e hegemonia na Frente Única é possuir um verdadeiro Exército Guerrilheiro Popular, construído através de um longo progresso. A direção do PCB segue com a velha ilusão de um suposto caminho insurrecional como prevaleceu no levantamento armado de 1935.

Tais limitações mantêm o PCB ideologicamente no campo pequeno-burguês e farão com que não logre aprofundar a aplicação da linha revolucionária que estabelecera, fazendo com que oscile entre desvios de “esquerda” e de direita nos anos posteriores.

Na prática a direção do PCB mantém uma política ambígua. Ao mesmo tempo em que defende a luta armada e participa efetivamente de levantamentos armados, lança candidatos em 1950 (através de outras legendas), faz campanha pelo voto em branco nas eleições presidenciais e luta pelo retorno à legalidade burguesa.

Ademais do papel da direção oportunista de Prestes, este processo revela também a debilidade da esquerda na direção do PCB, particularmente quanto ao método de conhecimento, de estudo e de luta de linhas.

Pedro Pomar, então membro do Comitê Central, diverge da condução do processo autocrítico. Pomar discordara de que a direção do Partido passasse de uma posição a outra sem reconhecer o fundo dos desvios e as responsabilidades do Comitê Central neles. Em seguida, Pomar seria desligado da Comissão Executiva e do Secretariado Nacional e enviado para ocupar a primeira-secretaria e a secretaria de agitação e propaganda do Comitê Estadual do Rio Grande do Sul, como medida disciplinar para que “fizesse autocrítica”. No princípio dos anos de 1950, integra-se ao trabalho do PCB em São Paulo, participando ativamente da direção das importantes greves operárias deste período e do acompanhamento da luta armada em Porecatu, no norte do Paraná. Depois é enviado a Moscou e só retorna em 1955; logo, não pôde participar do IV Congresso, no qual foi simplesmente destituído do Comitê Central.

Contudo, e apesar dos zigue-zagues da direção, a partir da autocrítica das ilusões constitucionais, o PCB logrará avanços importantes, desenvolvendo uma grande experiência na mobilização e organização independente das massas de uma forma geral, procurando imprimir maior combatividade nas lutas das massas. É o período de grande auge das greves operárias, particularmente em São Paulo e que darão origem a novas organizações classistas, as associações sindicais por categorias, independentes do Ministério do Trabalho. A questão agrário-camponesa ganhou importância tanto nos debates teóricos e políticos no partido, quanto na luta concreta.

Mas foi quanto à construção partidária que o PCB mais avançou. Escolas de quadros foram realizadas, preparando centenas e centenas de novos quadros. Foi a primeira vez que a direção do partido debruçou-se seriamente sobre os problemas teóricos e práticos da revolução brasileira.

Contra a agressão à Coreia

Como parte da campanha contra a preparação de uma nova agressão imperialista à URSS, o PCB lança em 1950 o movimento nacional pela proibição de armas atômicas. Em 1951 organizou o Congresso Brasileiro dos Partidários da Paz.

Com a escalada da Guerra Fria, o USA lança uma guerra de agressão contra a Coreia (1950-1953) e, em 1951, pressiona o governo Dutra para o envio de tropas brasileiras para lutar junto com as tropas imperialistas. Os comunistas levantam um grande movimento contra a agressão a Coreia e a utilização da bomba atômica e organizam um abaixo assinado com 4,2 milhões de assinaturas. A militante comunista Elza Branco é presa em uma festa popular no Vale do Anhangabaú-SP por levantar uma faixa com os dizeres: “Nossos filhos não irão para a Coreia“. Ela se tornou um símbolo e alavancou o movimento de luta contra a agressão por todo país, impedindo o envio de tropas brasileiras.

A campanha “O petróleo é nosso!”

Nas eleições de 1950, Vargas é eleito, representando um duro golpe na fração compradora da grande burguesia representada por Dutra. Enquanto representante da grande burguesia burocrática, Vargas oscilará entre medidas populistas e concessões ao imperialismo, de acordo com a conveniência de seu grupo de poder. Os discursos “nacionalistas” e populistas buscavam conformar base social entre as massas populares.

Nos primeiros anos do governo, Vargas faz importantes concessões ao imperialismo ianque. Em 1952, assina o acordo militar Brasil—Estados Unidos, também autoriza a remessa anual de 5 mil toneladas de areias monazíticas para o USA. Estabelece acordo secreto com a força aérea ianque para fazer fotos aéreas do território brasileiro, com o objetivo de elaborar um “plano estratégico de defesa para todo continente“. O PCB, a partir do Manifesto de Agosto de 1950, denunciará Vargas enquanto lacaio do imperialismo ianque, convocando a derrubada do governo.

A campanha pela nacionalização da exploração do petróleo no país, após desmascarar as teorias do imperialismo de que no Brasil não havia petróleo, começou no início de 1948 contra o projeto entreguista de Dutra, que pretendia entregar nosso petróleo aos monopólios ianques. Nos anos de 1949-1951 o slogan “O petróleo é nosso!” se espalha por todo o país, aglutinando um amplo movimento de massas de operários, estudantes, camponeses, mulheres, estudantes, intelectuais e artistas e a participação de importantes personalidades do país, como o escritor Monteiro Lobato.

Na zona Leste de São Paulo, operários ergueram em meio a uma praça pública uma enorme réplica de madeira de uma torre de petróleo com 18 metros de altura, na qual estava fixado um cartaz “O petróleo é nosso! Fora o imperialismo”. Apesar da proibição pelo governo, outras torres como essa são fixadas em diferentes partes da cidade. Uma réplica, desta feita de metal, é instalada no bairro da Penha, com um público de nada menos que 20 mil pessoas, lá permanecendo por dez anos3.

Em 1952, o movimento popular derrota as tentativas de Vargas de criação de uma empresa de capital misto e garante o monopólio estatal na produção de petróleo, com o decreto que determina a criação da Petrobras.

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A revista dirigida pelo PCB divulgou os documentos do IV congresso do partido

Em 26 de março de 1953, o PCB dirigiu uma das maiores greves operárias da história. Durando cerca de um mês, envolveu cerca de 300 mil trabalhadores. No dia 18 de março é realizada em São Paulo a Passeata da Panela Vazia, convocada pelos comunistas, que reúne 60 mil pessoas. O PCB passa também a construir e estender um amplo trabalho feminino, dirigindo, no dia 28 de julho de 1951, o Primeiro Congresso da Federação de Mulheres do Brasil.

Em agosto de 1954 é realizada no Rio de Janeiro a vitoriosa Conferência Latino-Americana de Mulheres. Participaram desta Conferência 400 delegadas. Cerca de 100 expressivas mensagens de sindicatos, organizações profissionais e personalidades femininas foram enviadas à Conferência. O trabalho de preparação realizado no Brasil em função da Conferência deu novo impulso à organização do movimento feminino de massas. Surgiram no Brasil, nesse período, mais de 30 organizações de massas femininas operárias e camponesas.

“Tal fato foi confirmado na II Conferência de Camponeses e Assalariados Agrícolas, realizada em São Paulo, com a participação de camponesas de vários estados, eleitas como delegadas em grandes assembléias”4.

Ascenso de lutas camponesas

Entre os anos de 1948 e 1950 há um ascenso de lutas camponesas dirigidas pelo PCB. Greves de colonos de café, assalariados agrícolas, lutas combativas de arrendatários e meeiros. Destacam-se as lutas de Fernandópolis, de Canápolis, de Santo Anastácio e das usinas de açúcar na Bahia.

“No ano de 1953 o PCB realiza a I Conferência Nacional de Trabalhadores Agrícolas e Camponeses Pobres. A Conferência de Assalariados Agrícolas e Camponeses Pobres do Nordeste e a Conferência dos Flagelados no Ceará. Foram organizados Sindicatos Rurais de Colonos e de Assalariados Agrícolas e Associações de Camponeses.

No mesmo ano é realizada a II Conferência Nacional de Trabalhadores Agrícolas e Camponeses, como as conferências de sitiantes, posseiros, parceiros, meeiros e arrendatários, de colonos de café, de assalariados agrícolas da lavoura canavieira, do arroz e do cacau, etc. A Conferência tomou resoluções de alta relevância, tais como a elaboração da Carta dos Direitos e a fundação da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, ULTAB”5.

Desde janeiro de 1948, a questão agrário-camponesa passa a tomar crescente importância nos debates e ações do PCB. A experiência mais avançada e mais profunda do período será em Porecatu, no norte do Paraná. Esta será a primeira experiência concreta do PCB de organização da luta armada no campo, avançando de forma concreta a construção da aliança operário-camponesa.

A experiência da luta armada em Porecatu6

Nesta região do norte paranaense, em uma área de cerca de 4 mil hectares, desde o início dos anos de 1940, centenas de posseiros lutavam por suas terras de armas nas mãos contra grileiros, pistoleiros e a polícia. Assim como em outras regiões do país, com a valorização da terra a luta recrudesce e se radicaliza. A luta dos posseiros havia fundado duas associações de lavradores em 1944, as mais antigas organizações camponesas do país. A de Porecatu, com 270 famílias, e a de Guaraci, com 268 famílias. Em 1947, 1500 posseiros realizam uma manifestação armada em Guaraci e bloqueiam por cinco dias a estrada que liga Centenário do Sul a Porecatu.

Sob clara influência da “Declaração de Janeiro de 1948”, os comitês regionais do PCB de Londrina e Curitiba tomam conhecimento dos acontecimentos e, através do dirigente comunista Manoel Jacinto Correia, preparam relatório detalhado para a direção do PCB. O Comitê Central, após receber o relatório, decide se integrar à luta dos posseiros e envia quadros (principalmente militares) e armas para a região. Os posseiros são amplamente receptivos à direção do PCB. Em novembro de 1948, formalmente os posseiros decidem pela luta armada para defender suas terras.

A direção do PCB orienta a formação de Ligas Camponesas para ampliar o movimento e impedir o isolamento. Ao longo da resistência, doze Ligas são fundadas. Comitês de apoio à luta dos posseiros são formados em diversas capitais. A luta se desenvolve e diversos grupos armados de posseiros são formados. Com o Manifesto de Agosto de 1950, a luta ganha mais força e também influencia a luta no interior da direção do PCB, que chega a levantar fundos para aquisição de armas para a formação do Exército Popular da FDLN. No início, os grupos armados realizavam apenas ações de defesa das posses ameaçadas. Com o maior desenvolvimento da luta, os grupos armados de posseiros destroem as instalações do latifúndio, justiçam pistoleiros e expulsam latifundiários, chegando a controlar uma região de cerca de 40 km².

A luta armada resiste a diversas campanhas da polícia militar e dura até 1951. A polícia não consegue derrotar a guerrilha. A direção do PCB comete erros no manejo da tática e aos poucos a luta se desmobiliza de forma organizada, sem que as principais lideranças sejam presas. Com a luta, centenas de famílias obtêm o título da terra, sendo esta a primeira vez no país que terras são desapropriadas pelo governo para “fins sociais”.

O exemplo de Porecatu frutifica. Em junho de 1951, 200 camponeses do sul da Bahia resistem armados em suas terras contra a tentativa de expulsão pelo latifúndio. Em 1957, no sudoeste do Paraná ocorre outro levantamento armado de posseiros. Em 1954, a luta armada de Trombas e Formoso em Goiás, à qual o PCB também vai se integrar, encontra seu auge. A luta no interior de Goiás foi dirigida por José Porfírio e ocorreu quando os povoados de Trombas e Formoso foram atacados por pistoleiros e pela polícia militar. No final da década de 1950, toda a região estava organizada e dominada pelos posseiros, que resistiram armados à ação dos pistoleiros e policiais, derrotando suas campanhas e expulsando-os. Os posseiros se organizaram na Associação dos Trabalhadores de Trombas e Formoso, presidida por Porfírio. Devido à luta organizada dos camponeses, 20 mil títulos de terra são concedidos7.

A experiência da luta armada de Porecatu, além de ser a primeira de luta armada no campo dirigida pelo PCB, dera-se sob o impacto direto da declaração de 1948 e o manifesto de 1950. E, ainda que de forma parcial, representara a incorporação pelas massas da linha revolucionária estabelecida pelo PCB. Entretanto, em seu curso, e após sua derrota, essa experiência é profundamente subestimada. A direita na direção do PCB passará do silenciamento ao ataque à experiência de Porecatu, funcionando como arcabouço para sustentar suas posições reformistas.

O balanço profundo dos acertos e erros no movimento armado de Porecatu e suas lições serviriam para aprofundar a luta de duas linhas no interior da direção sobre o caminho da luta armada em nosso país. Combateria frontalmente as posições reformistas e fortaleceria as posições de esquerda, corrigindo os erros e limitações nas formulações desenvolvidas pelo partido.

Vejamos como a própria experiência de Porecatu fornecia importantes indicações sobre o caminho para a construção do Exército Guerrilheiro Popular com a rica experiência militar8 adquirida com a formação dos grupos armados; e sobre a própria questão da construção da Frente Única, com a formação das Ligas Camponesas e comitês de apoio a luta armada dos posseiros que foram criados nas pequenas e grandes cidades.

O erro de buscar o caminho da legalização da luta dos camponeses era o de buscar um fim institucionalizado, dentro do velho Estado. Isto se verificou tanto em Porecatu quanto em Trombas. Prevaleceu o oportunismo reformista de integrar a luta das massas ao Estado, quando deveria-se aproveitar a excelente oportunidade para formular a estratégia da generalização destas lutas nas vastas zonas rurais do país, combinando-as com a resistência popular nos grandes centros, onde a luta reivindicativa seria fortalecida com ações armadas da revolução. Isto seguramente teria aberto um novo caminho para a revolução não só no Brasil, mas em toda América Latina, onde fenômenos semelhantes estavam se gestando, inclusive fora dos partidos comunistas.

Suicídio de Vargas

As pressões do imperialismo ianque pela abertura total e, por outro lado, o aumento das lutas democráticas das massas, levam Vargas a adotar medidas populistas de viés nacionalista, a fim de fortalecer a base social do seu governo.

A fim de refrear as lutas das massas e tentar canalizá-las a seu favor, Vargas nomeia João Goulart para o Ministério do Trabalho e uma de suas primeiras medidas anunciadas é o aumento de 100% do salário mínimo, como defendiam os comunistas. Dado às tensões criadas, Goulart cai do ministério e Vargas retoma a proposta e radicaliza, ameaçando controlar a remessa de lucros dos monopólios estrangeiros.

Premido por ameaças de corrupção, por pressões dos círculos monopolistas ianques e por um golpe de Estado em curso, além do episódio do atentado contra Carlos Lacerda por um integrante de sua segurança pessoal, Vargas se mata com um tiro no peito. Na carta testamento que deixa acusa as “forças terríveis” da oposição (principalmente a UDN) e do USA. A tragédia de sua morte e o conhecimento dos termos de sua carta geram comoção nacional, provocando revoltas das massas populares que, saindo às ruas em manifestações coléricas, atacam sedes de partidos e jornais de oposição. Inclusive os jornais do PCB são atacados nas bancas de revistas com a mesma fúria lançada contra as publicações e organizações dos golpistas.

Estes acontecimentos confundem ainda mais a direção do partido que, sem compreender corretamente a questão da burguesia nacional, muda repentinamente de posição, e passa a defender Getúlio como anti-imperialista e a se aliar com seus correligionários.

Para entender o posicionamento político de Vargas é preciso compreender como a relação de dominação do imperialismo não é unilateral. Ou seja, as classes dominantes locais (os latifundiários e a grande burguesia em suas frações compradora e burocrática), ao mesmo tempo em que são lacaias, barganham seus interesses segundo a oscilação da correlação de forças no país e no mundo. Este movimento historicamente fez com que setores da burguesia nacional e do proletariado — influenciados pela linha reformista dos partidos comunistas de então — seguissem a grande burguesia burocrática principalmente, em nome de apoiar um suposto setor progressista no governo.

O IV Congresso do PCB

Meses depois do suicídio de Getúlio, o PCB realiza o seu IV Congresso (dezembro/1954 — janeiro/1955). Sua realização é um marco importante em sua história. Pela primeira vez, o partido formula seu programa de forma bem detida. As teses apresentadas serão as mais profundas já formuladas no país e expressam um maior conhecimento da realidade nacional.

Entretanto, os debates no congresso são extremamente restritos e débeis. Prevalecia o dogmatismo em questões de organização, métodos administrativos na luta interna. Isto não permitiu aprofundar o balanço do importante período de lutas vivido pelo PCB, precisamente quando este lutou por aplicar uma linha revolucionária. A linha do Manifesto de Agosto de 1950 impulsionou o partido para a luta revolucionária, porém na sua formulação limitada prevaleceu a ideologia pequeno-burguesa, numa mistura de ações revolucionárias e reformistas que culminaram em fracassos. Tudo isto dará maior força às posições direitistas que se nutriam na direção do Partido.

Tanto a linha de direita de Prestes, como a própria esquerda, que posteriormente rompeu com o reformismo, reconstruindo o PCB em 1962 (com a sigla PCdoB para diferenciar-se da organização de Prestes), afirmam que o IV Congresso fora marcado por teses esquerdistas e sectárias. Entretanto, suas posições e resoluções mantiveram no fundamental concepções reformistas da linha que ganhou força após a derrota de 1935, a da revolução nacional-democrática através da reformulação de instituições da velha ordem.

Vejamos que a imprecisão quanto à caracterização da burguesia brasileira leva ou a apoiá-la em bloco ou a tomar a grande burguesia burocrática (ligada à produção) como burguesia nacional, considerando como critério de distinção apenas seu posicionamento político aparente. O programa afirma o confisco apenas das grandes empresas e capitais ianques, eximindo as grandes empresas brasileiras que constituíam já capital monopolista. “Não serão confiscados os capitais e as empresas da burguesia brasileira. Serão confiscados os capitais e as empresas dos grandes capitalistas que traírem os interesses nacionais e se aliarem aos imperialistas norte-americanos9“.

Ao tratar da dominação imperialista ianque do país como um “simples apêndice da economia de guerra dos USA10, toma tal dominação de forma unilateral e não compreende o caráter semicolonial e o papel desempenhado pelas classes dominantes internas no país, notadamente as duas frações da grande burguesia, a compradora e a burocrática.

O programa centra na necessidade do rompimento de relações com o USA, “que impedem o Brasil de manter relações comerciais com todos os países e em prejuízo da economia nacional11 e de forma genérica fala sobre a necessidade de se estabelecer relações com “todos outros países“. Ainda no ponto 31 do programa: “Atrair a colaboração de governos e de capitalistas estrangeiros, cujos capitais possam ser úteis ao desenvolvimento independente da economia nacional”12.

Em suma, apesar de toda retórica, o programa apresentado no IV Congresso condensa as aspirações democrático-burguesas radicais, apontando para o desenvolvimento do capitalismo nacional e não da transição ao socialismo. As teses sustentam um “Desenvolvimento independente da economia nacional com a intensificação da industrialização do país13“. No programa não há nenhuma menção à transição ao socialismo, transformando na prática as conquistas democrático-burguesas em objetivos estratégicos.

As mudanças no regime político propostas pelo programa se limitam às reformas democrático-burguesas, tais como a supressão do senado federal, mandato de 4 anos, voto para analfabetos e militares de baixa patente. Reformas do sistema judiciário, tributária, laicidade do Estado, erradicação do analfabetismo, etc.

O IV Congresso mantém a formulação direitista do Manifesto de Agosto de 1950 quanto a formação do Exército Nacional Popular de Libertação através da “Democratização das forças armadas e criação do exército, da marinha e da aviação nacional-populares14“, da depuração de elementos fascistas das forças armadas. Isto num momento em que as forças armadas brasileiras já se achavam profundamente controladas, com o aprofundamento da subserviência ao imperialismo ianque, em especial através da formação da Escola Superior de Guerra, orientada pelo Pentágono e acordo militar Brasil-USA.

Após o Congresso, a linha de direita ganhará força no interior do Comitê Central e o PCB apoiará a candidatura de Juscelino em 1955. Caminhará para a Declaração de Março de 1958, que sintetiza as posições reformistas do revisionismo do grupo de Prestes na direção do partido, abrindo uma nova fase na história do PCB, a da ruptura com o revisionismo e da reconstrução do Partido Comunista do Brasil enquanto um verdadeiro Partido Comunista Marxista-Leninista.

Notas

1 –  Luis Carlos Prestes, Manifesto de Agosto de 1950.

2 – A Carta Chinesa. A revolução proletária e o revisionismo de Krushov. 1964. Ed. Terra.

3 –  Extraído de José Duarte Um maquinista da história. Luis Momesso. Ed. Oito de Março.

4 – Olga Maranhão. Ganhar Milhões de Mulheres Para o Programa do Partido, Intervenção no IV Congresso do Partido Comunista do Brasil — PCB. 1954.

5 – Programa do Partido Comunista do Brasil, Bandeira de Luta e da Vitória. Informe Apresentado, em Nome do Comitê Central, no IV Congresso do Partido Comunista do Brasil — PCB. Diógenes Arruda. Novembro de 1954.

6 – As informações foram retiradas do livro: Porecatu. A guerrilha que os comunistas esqueceram. Marcelo Oikawa.

7 – Entrevista com Valter Valadares, um dos organizadores do movimento em Trombas e Formoso-GO, publicada em www.anovademocracia.com.br

8 – Exemplo disto é o fato de um detalhado relatório sobre a experiência militar contendo mais de 500 páginas e que fora produzido pelos comandantes da luta armada em Porecatu e entregue a Carlos Mariguella (em nome do Comitê Central). Este relatório desaparecera sem ser alvo de debates e apreciação sistemática pela direção do PCB.

9 – Programa do Partido Comunista do Brasil, Bandeira de Luta e da Vitória. Informe Apresentado, em nome do Comitê Central, no IV Congresso do Partido Comunista do Brasil — PCB. Diógenes Arruda. Novembro de 1954.

10 – Idem

11 – Ibdem

12 – Ibdem

13 – Ibdem

14 – Ibdem

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