Após os 100 dias de mandato, Barack Obama começa a imprimir seu próprio estilo a sua ação política. O presidente do USA aproveitou um encontro de países americanos para mostrar os traços de como pretende projetar sua imagem através de um audacioso marketing político, que nega e encobre coisas extremamente evidentes, como a cobiça imperialista ianque. Desta forma, com sutilezas e galanteios demagógicos Barack Obama se aventura em recobrir a velha “Doutrina Monroe”* para convertê-la na nova “Doutrina Obama”.
Entre os dias 17 e 19 de abril último se realizou a V Cúpula das Américas em Puerto España, Trinidad y Tobago, sob o grandiloquente chamado: “Assegurando o futuro de nossos cidadãos mediante a promoção da prosperidade humana, a segurança energética e a sustentabilidade ambiental”.
Esta cúpula tinha dois caminhos: o primeiro — ser uma dessas cúpulas rotineiras como as três primeiras, nas quais se faria uma longa lista de finalidades sobre a luta contra a pobreza, a melhoria da educação e saúde aos povos da América, que cairiam logo no esquecimento como o conjunto de promessas não cumpridas, aparelhadas por outro conjunto de projetos repressivos sob o título de luta contra o narcotráfico, o terrorismo e a segurança cidadã que se plasmariam em políticas tangíveis de cooperação financeira, logística armamentista, capacitação de grupos repressivos de elite, etc, tudo em detrimento dos interesses dos povos da América como um todo.
Entretanto, o segundo caminho era se transformar num show circense, ou seja, um cenário lamentável das palhaçadas, de histrionismos inúteis e inofensivos para o imperialismo da parte da suposta “esquerda” latino-americana que proclama um falso socialismo do século XXI, encabeçada por Hugo Chávez, Evo Morales e Daniel Ortega tal como ocorreu na IV Cúpula das Américas em Mar del Plata, na Argentina.
Não foi nem um, nem outro; os postiços ímpetos antiimperialistas de Chávez e companhia baixaram o tom e a aparência foi colocada em evidência quando este punhado de charlatões tranquilizou suas consabidas perorações frente à nova e remoçada fachada do imperialismo personificada por Barack Obama.
Desta forma, Obama instaura um novo estilo de fazer política, um verniz cativante que encobre os velhos conteúdos do imperialismo ianque, agora patenteado com a denominação de “Doutrina Obama”, o estilo do atual presidente do USA busca maquiar o rosto rapace mostrado sem nenhum desembaraço nas sucessivas administrações ianques nas últimas décadas, onde não só se interviu nos países oprimidos com guerras de agressão imperialista, senão que se erigiu, como nunca antes, no “super-gendarme mundial”. Obteve esta posição privilegiada com a culminação da chamada “Guerra Fria”, aproveitada ao máximo para pressionar as diversas economias mundiais a embarcar no trem do “neoliberalismo” sob a chantagem do chamado “Consenso de Washington” da década de 1990, que aprofundou sua irrupção.
De fato, com a atual crise econômica mundial, a golpeada economia dos povos do mundo e a voracidade do capitalismo inviabilizam a vigência do “neoliberalismo”. Por isso, sem se envergonhar, a superpotência mundial ianque, após décadas exaltando as bandeiras do livre mercado, arriou-as para optar novamente pelo intervencionismo como mecanismo que defenda os interesses dos imperialistas, pois não importa os meios, o principal para esta gente é reimpulsionar a exação capitalista em todo o mundo. Prova disto é a promessa de injeção com quantias extraordinárias em dinheiro nas economias mais poderosas, tal como anunciado por Obama na reunião dos países do G-20, dias antes da V Cúpula da Américas.
É possível ressaltar que a “Doutrina Obama” está centrada numa mudança de imagem, mais próxima do marketing político que a mudanças dos objetivos imperialistas. O objetivo é projetar uma imagem de tolerância até às diferenças culturais, baixar o eterno perfil ianque de se assumir como condutor dos desígnios planetários, detentores dos valores “corretos” que merecem ser expandidos pelo mundo para que, num ato de falsa humildade, a América do Norte seja vista como uma nação que escuta os pontos de vistas dos “outros”, que reconhece o valor da diferença multicultural. Num claro giro pós-modernista, se pretende desprender da lógica do “choque de civilizações” de que falava o ideólogo pró-imperialista Samuel Huntington, deixa de se ver como “povo eleito” por Deus para “salvar o mundo”, pretendem discursivamente deixar de ser os cowboys matando à torto e a direita Sioux, Navajos ou Cheyenes como em seus filmes sobre a conquista do Oeste Norte-americano e tentam vender a imagem de tolerância a diversidade cultural.
Definitivamente, este discurso é apenas retórico, palavras ocas que não sustentam uma mínima confrontação com a realidade, onde se vê permanentemente perseguição e opressão aos distintos povos e nações oprimidas do mundo. A atitude que mantém em solo iraquiano é mais uma prova contundente, a permanência do campo de concentração de Guantánamo, a hostilização aos afegãos, sudaneses e paquistaneses, a cumplicidade com o sionismo para aniquilar o povo palestino. Estas são razões de peso para não se deixar seduzir pelo canto de sereia imperialista.
Quem parece ter mordido o anzol foi o líder desse palavrório vazio chamado “Socialismo do século XXI”, Hugo Chávez, que em seu incorrigível estilo de chamar atenção das câmeras de televisão deu de presente a Obama As veias abertas da América Latina, obra de Eduardo Galeano, dando a entender que o atual presidente do USA desconhecesse essa história de exploração, opressão e abuso, gesto localizado entre o absurdo e o ingênuo, pois de uma coisa os povos e nações oprimidas do mundo devem ter certeza: é que para alguém chegar ao primeiro mandato ianque é necessário ter clara a consigna de esmagar qualquer um que se coloque à sua frente.
Particularmente, ao lado da retórica pós-modernista que disfarça a atual fachada imperialista está claro que a “Doutrina Obama” é uma versão adoçada da “Doutrina Monroe”, ou seja, a visão ianque sobre a América Latina como seu “quintal” continua a mesma, só que agora vem acompanhada de dardos caramelizados, elogios e flertes como a proposta de “aliança de iguais” ou aquela em que se assinala “Estou aqui para lançar um novo capítulo de compromisso que se manterá durante meu governo”, ou também as frases cínicas como: “O USA mudou. Não foi fácil, mas mudou. Desta forma, considero importante lembrar aos líderes aqui presentes que não só o USA tem que mudar. Todos nós temos a responsabilidade de olhar para o futuro” e “Não podemos culpar o USA de cada problema que se produz no hemisfério”. Todas estas belas frases não terão sustento prático porque o que se quer é apresentar um lobo disfarçado de ovelha.
A respeito de Cuba, Obama já havia adiantado algumas coisas, como o levantamento de restrições de viagens de cidadãos estadunidenses a Cuba. No entanto, a lei Helms-Burton, sobre o embargo comercial a Cuba, se mantém por tempo indefinido; Obama deixou transparecer que o levantamento do embargo está sendo estudado, enquanto Raúl Castro, atual presidente de Cuba, manifestou sua intenção de começar um diálogo com a América do Norte. A aproximação entre o USA e Cuba não seria nenhum absurdo no contexto mundial atual, porque tal confrontação perdeu relevância com o fim da chamada “Guerra Fria”, quando Cuba perdeu o patrocínio da ex-União Soviética quando o social-imperialismo afundou no final da década de 1980.
Em que pese a ausência de Cuba, seus interesses vêm sendo defendidos por seus atuais aliados: Bolívia, República Dominicana, Honduras, Nicarágua e Venezuela, que antes de do início da Cúpula, já tinham anunciado que não assinariam a declaração final porque esta excluía Cuba.
De qualquer forma, tal negação de assinar a Declaração Conjunta da V Cúpula das Américas nunca fez referência à cláusula 14 da mesma que diz:
14. Reconheceremos a contribuição positiva do comércio entre nossas nações para promover o crescimento, o emprego, e o desenvolvimento. Portanto, continuaremos insistindo num sistema de comércio multilateral aberto, transparente e baseado em normas. Da mesma forma, reconhecemos a necessidade de que todos os nossos povos se beneficiem do aumento das oportunidades e avanços de bem-estar que gera o sistema multilateral de comércio.
Cláusula que em termos simples não era outra coisa que abrir a possibilidade do livre comércio concebida pela proposta do Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), que supostamente o presidente Hugo Chávez teria dito vencer na IV Cúpula das Américas celebrada em Mar del Plata. Sobre este aspecto particular, não houve pronunciamento de nenhum representante do chamado Socialismo do Século XXI, nem nenhum de seus porta-vozes. Obama inclusive ganhou a queda de braço com Evo Morales, quando o mandatário boliviano tentou envolver o USA numa suposta tentativa de magnicídio planejado para aniquilar Morales, retrucando de imediato que lamentava tal tentativa e que sua intenção é acabar com o terrorismo.
Entre outras coisas, a Cúpula girou em torno do inesquecível tema da pobreza com seus velhos componentes de saúde e educação, que sempre foram pretexto para maquiar outros temas que são mais estratégicos para o imperialismo, como a segurança energética, não restando dúvidas de que o USA afia as garras para tirar vantagem do petróleo e bio-combustíveis oferecidos pelos demais países como matérias-primas. Não faltou também o inevitável tema de como encarar a repressão neste hemisfério para o qual Obama não moveu nenhum milímetro o velho discurso de luta contra o narcotráfico e o terrorismo em comparação com seus predecessores, agregando somente à agenda das Américas o tema da repressão contra as quadrilhas e a delinqüência urbana, tema que foi recém-incorporado nas Cúpulas desta magnitude, mas que já cobra seu desdobramento nos últimos anos, sobretudo em países como Colômbia, Brasil, Peru, Guatemala, El Salvador, Honduras, México, entre outros.
Também foi abordado o tema sobre mudança climática, que vem sendo bandeira de alguns membros do Partido Democrata ianque, como Al Gore. Esse sim, sem se desprender do discurso da responsabilidade de todos os seres humanos nessa problemática, quando cinicamente o USA é o país que mais produz gás de efeito estufa e se negou a assinar o chamado Protocolo de Kyoto sobre mudança climática.
E por último, o tópico sobre a sustentabilidade ambiental. Tanto Obama como os representantes dos países das Américas seguem brandindo o discurso de mais de duas décadas do chamado “Desenvolvimento Sustentável”, que se despedaçou porque a prática demonstra que o capitalismo, além de ser um sistema opressor e explorador de grande parte da humanidade, é também um sistema que esgota e degrada a natureza, o que torna incompatível o desenvolvimento capitalista com a sustentabilidade do meio ambiente. De fato, já resultava uma evidente incompatibilidade falar de segurança energética e ambiental, como se planejou de início na agenda do evento, pois as indústrias extrativas são das atividades mais nocivas e pouco amigáveis com o meio ambiente.
Nota:
* Doutrina Monroe: A Doutrina Monroe partia da política isolacionista de George Washington, o qual afirmava que a Europa tinha um conjunto de interesses elementares sem relação com os interesses estadunidenses; e de Thomas Jefferson, que dizia que a América teria um hemisfério para si. Em tese, os Estados Unidos se apresentavam como defensores das nações latino-americanas recém-emancipadas, repudiando qualquer tentativa de recolonização: “a América para os americanos”.