Editorial – E a nave vai…

Editorial – E a nave vai…

Um tiro em Copacabana é uma coisa. Na Favela da Coréia é outra José Mariano Beltrame, Secretário estadual de segurança do Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2007, publicado no Globo em 23 de outubro.

Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal — Sérgio Cabral, gerente estadual do Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2007, publicado na Folha de São Paulo em 25/10/2007

A PM é o melhor remédio contra a dengue. Não fica um mosquito em pé. É o SBPM. O melhor inseticida social —
Coronel Marcus Jardim, comandante de Policiamento da Capital do Rio, 15 de abril de 2008, publicado no Globo.

Depois dessas declarações, será que pode restar alguma dúvida sobre o despautério das alegações de despreparo da polícia quando em ação nas favelas, bairros pobres e, agora, de classe média das grandes cidades? Não, senhores, à semelhança da ação do exército no Morro da Providência, essas atrocidades policiais cometidas contra o povo revelam a verdadeira natureza do aparato repressivo estatal. A polícia está exatamente preparada para chegar atirando, matar e declarar que as vítimas se tratam de bandidos.

Declarações como essas se tornaram lugar comum nas bocas das "autoridades" estaduais do Rio de Janeiro, reconhecido laboratório de políticas fascistas de criminalização da pobreza no Brasil. Uma rápida comparação dessas citações com a onda de assassinatos cometidos pela polícia recentemente deixa claro que a política de extermínio praticada não é só no Rio, mas em todo o Brasil.

Os casos noticiados pelo monopólio dos meios de comunicação dão conta de assassinatos cometidos no Paraná, Pernambuco e interior do Maranhão. Em Igarapé do Meio, Maranhão, quando uma menina de 8 anos foi morta por um policial, a população revoltada incendiou a delegacia da cidade, num claro protesto de que a indignação contra a violência policial atingiu um nível intolerável.

Não raro são vistas mães declarando que os filhos mortos pela polícia eram inocentes, trabalhadores e não tinham passagem pela polícia. O terrorismo estatal sobre as populações das favelas e bairros proletários é tão grande, que até parece que se as vítimas tivessem cometido algum tipo de crime estaria justificada sua morte.

No meio da histeria provocada pela morte do menino João Roberto, a declaração mais lúcida foi a do pai, Paulo Roberto Barbosa Soares, desesperado pela perda do filho. Chamando a polícia de assassina, ele disse: O Estado não tem carta branca para matar ninguém. Aqui não tem pena de morte. Mesmo que fossem bandidos, qual é o problema? Que prendessem os bandidos. Mas claro, a polícia não é pra prender…

Enfim, a população começa a identificar os verdadeiros inimigos do povo, o podre Estado semicolonial e semifeudal brasileiro e seus gerentes, e seus protestos tomam dimensões maiores e mais politizadas. No enterro de Edson Vaz do Nascimento, assassinado pela polícia no Morro Azul, no bairro do Flamengo, a população não empunhava apenas os tradicionais cartazes pedindo justiça. O mais significativo dizia: O PAC é pacto de morte. Fora Lula e Cabral! Salvem o povo.

II

Enquanto a brutalidade característica do Estado se abate sobre a população mais empobrecida, a Polícia Federal, o Supremo Tribunal Federal, Luiz Inácio e ministro da justiça, parlamentares e altos dignitários deste podre sistema a que chamam de "República", protagonizavam mais uma farsa cinematográfica.

As prisões de Daniel Dantas, Celso Pitta, Naji Nahas e outros notórios bandidos pela PF desencadeou uma série de ações visando libertar sobretudo Dantas, dono de muitos segredos da maioria dos grupos de poder das frações das classes dominantes. O dono do banco Opportunity se tornou bilionário durante a farra das privatizações, arrematando a Brasil Telecom, o Metrô do Rio e outras empresas. Dantas tem tantos esquemas dentro do podre Estado burocrático-latifundiário, que seus prepostos declararam em conversas grampeadas pela Polícia Federal não temer as instâncias superiores da "justiça" brasileira, apenas a primeira instância, dela tentando se livrar através do pagamento de propina milionária.

Pois bem, o que aconteceu foi exatamente como o banqueiro mafioso disse. Quase imediatamente após sua prisão, o presidente do STF, Gilmar Mendes, lhe concedeu habeas corpus.

Após as prisões, feitas em ações espetaculares, com filmagens pela própria polícia e apresentação dos presos algemados, eis que o centro do debate passa a ser os "direitos individuais" das pessoas presas, a injustiça de pessoas "honestas" (grandes burgueses), com endereço fixo (condomínios de luxo) e "sem culpa formada" serem exibidas com mãos algemadas, colocadas em celas comuns em carceragens imundas, etc.

Ora, de que direitos estamos falando, quando os mais elementares direitos do povo são pisoteados cotidianamente? Falar de "exagero do uso de algemas" só quando se trata de bacanas quando às pessoas do povo humilhadas a toda hora, trata-se de eficiência policial? E de que condições carcerárias estamos falando? E o direito à terra e ao trabalho que este Estado fascista nega constantemente ao povo, com a mais cruel violência e os afagos demagógicos da bolsa-mendicância? E o que dizer de outros direitos básicos que nem de longe são respeitados?

Claro, vivemos uma sociedade de classes com interesses antagônicos e ao povo é reservado apodrecer-se às centenas de milhares nas mais tenebrosas masmorras desse Estado criminoso e genocida, isso quando escapam das balas dos fuzis assassinos da Polícia e do Exército.

Enfim, os advogados dos maiorais alegaram tratar-se de perseguição política. O que não deixa de ser verdade, pois tudo não passa de violentas pugnas no seio das classes dominantes exploradoras e de seus gananciosos grupos de poder.

De fato não há dúvidas, estamos vivendo crescentemente um Estado policial fascista. Porém, que se abate impiedosamente sobre os pobres, em nome de conter a delinquência e a violência. O capitalismo burocrático de nosso país reproduz uma sociedade terrivelmente enferma, cronicamente em crises. O seu velho Estado genocida e corrupto não pode sequer deter a onda delinquencial que atinge a sociedade e suas instituições oficiais e oficiosas de cima a baixo. Todo discurso e providências políticas, jurídicas e propagandísticas são para promover a repressão mais brutal sobre os explorados empobrecidos que se revoltam.

O velho Estado está afundado na mais terrível crise de decomposição e as reformas e remendos providenciados, por mais embelezadores que possam ser, poderão até quando encobrir sua real situação e salvá-lo do descrédito e logo, da revolta popular? Ou Igarapé do Meio é tão longínquo quanto insignificante? Não! O caminho burocrático na sociedade brasileira tem experimentado todo tipo de gerenciamento de direita e de centro, inclusive o da "esquerda" oportunista e corrupta. Tem fracassado um após outro. Diante de tanta miséria, corrupção e repressão inalteradas, as massas já tratam com chacotas a políticos, justiça e o processo eleitoral, distanciando-se desinteressadamente. E assim continuará, até que alcancem avistar o caminho democrático revolucionário que emerge do seu próprio seio.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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