É inegável que ao poder não falta espaço para manobrar, simular prestígio e retocar imagens com programas de impacto. Por isso, é tido como imprudente acusar um governo que conseguiu reunir toda a oligarquia latifundiária e burocrática e tem o aval do imperialismo ianque e europeu.
O povo, estarrecido, observa a traição.
Exige o império que lhe tragam mais reforços das colônias e semicolônias. Não apenas matéria-prima, porém o mais poderoso contingente militar, de força de trabalho miserável e despolitizada. Exige também que se mantenha onipresente uma religião universal do trabalho.
As oligarquias enviam para o aparelho estatal e governamental seus representantes, defensores e apologistas, entre eles, desertores de outras classes, quadros experimentados, formados ao longo das batalhas travadas contra o povo. Por isso, o petismo é a fusão da "teorias toleráveis" com a "virtude paga com o bem", ou seja, da renúncia e da filiação ao "bem" do império. Comporta crendice, populismo, demagogia, serviços de intriga, delação, greves administradas e o sindicalismo domesticado com suas confederações ligadas à CIOLS – essa central manipulada pelo USA, sua grande aspiração, única força… transcendental.
O sincretismo político-ideológico que formou a elite petista não é tão mecânico e imediato quanto aparenta. A elite petista não se converteu recentemente. Não foi há poucos dias que concluiu cursos nos institutos contra-revolucionários dirigidos pelo imperialismo, como o Iadesil (Instituto Americano do Sindicalismo Livre), mas ela tem raízes profundas na ideologia e na política feudais, no capitalismo decadente do fascismo clássico e do fascismo sofisticado de nossos dias.
A elite petista, uma escória saída da pequena burguesia tecnocrática, foi absorvida, isto sim, pelos especialistas em negócios do governo e admitida na administração auxiliar do imperialismo em nosso país, principalmente, firmando um continuísmo regido à maneira das prefeituras municipais que se submetem ao poder centralizador, dominante. Não por acaso, a direção petista, quando ainda ensaiava os trejeitos debutantes que adotaria na rampa do poder, marcou orgulhosa a sua primeira medida – a de reconhecer obediência ao capital monopolista internacional.
O abandono das antigas cantilenas com que os megapelegos encantavam seus filiados se faz ouvir, agora, na substituição das frases feitas do antecessor, como a "Esqueçam o que eu disse" para "Eu não mudei. A vida é que muda" – nada mais que tolices acompanhadas de um estrambotismo próprio, monoglota, sempre que se trata de consumo interno. Já as paspalhices tipo exportação, essas guardam a mesmice de chancelaria dos últimos cinco anos, porque nenhum raciocínio decente lhes é de direito conservar.
II
Em Fome Zero, a chefia petista é chamada a fazer o gênero Jesus nutridor, que promete multiplicar o pão sem abolir o latifúndio e o capital monopolista; sem precisar emancipar as classes exploradas, nem conter as classes exploradoras. A base da "alimentação de qualidade é o desenvolvimento social e econômico do país", diz a cabeça petista. Mas, ao contrário do que esperava a outra base, a de seu partido e o eleitorado, a desvalorização brutal da reposição da força de trabalho e o colete de aço do assistencialismo são vergonhosamente sacramentados na Renda Mínima de 240 reais. As garantias trabalhistas retomam a condição do início do século XX. O quinto mês consecutivo de administração revelou taxas de desemprego que atingem os mais altos patamares, enquanto o Dieese aponta um menor salário necessário de R$1.557,55.
A prefeitura regional do FMI traz um elenco detalhista e surpreendentemente insensível de futuras realizações, mas plenas de exaltação ao plano ianque de "incentivo à agricultura familiar"; de "pagamento de renda ambiental"; de "intensificação à reforma agrária" feita por cabeças bismarckianas sob chapéus texanos; de "auxílio às famílias pobres em idade escolar"; de "exigências de informações nos rótulos de alimentos em produtos transgênicos"; estabelece um descarado "cartão-alimentação", propõe "elevar os teores calórico e nutricional da merenda escolar".
Sequer se recordam esses desertores, tão radicais no passado, de um programa de salvação nacional, de independência nacional, etc., que até o PMDB usou em seu Esperança e mudança durante o abrandamento da gerência militar. Lembram-se de oferecer uma tentadora e bem distribuída quantidade de cargos ao PMDB.
A dívida externa permanece tratada como o engodo do pecado original: se nasceu, é devedor. Logo, obrigado a pagar amortizações e juros, sem discussão. O dinheiro emprestado não tem lastro. Não existe, mas é preciso crer nele e oferecer os sacrifícios dos juros – é o que consegue responder os estímulos das partes tecnocrente e tecnotrônica da direção petista. Os acordos lesivos aos interesses nacionais mantêm-se intactos, e a retificação desses tratados é empurrada com a barriga pelo "novo" governo, festejada pelo coral de oportunistas como uma vitória. Retificam a política de juros e de impostos? Perpetuam o lucro dos banqueiros e a CPMF. Que combate à violência, se vivem sob a proteção da propaganda de guerra? Que combate à corrupção, se "governam" sob licença do latifúndio e do capital financeiro internacional? Que política externa, se conseguem uma nomeação de limpa-trilhos da ONU para o que pretende ser o protetorado ianque do Iraque?
O povo constatou o blefe. Agora, tratam os chefes petistas de manobrar para aliviar impactos. Os aliados latifundiários lançam-se numa campanha feroz contra os camponeses, ao mesmo tempo inocentam o PT, acusando-o de ser ele "quem protege as invasões de terras" – no que têm toda razão. Os latifundiários invadem a terra, os camponeses a desapropriam. Os primeiros contam com a proteção do governo, o camponês aprende que é preciso expropriar o expropriador. O povo trabalhador entende que não pode apoiar qualquer movimento que se intitule popular, mas garantir a luta consequente que institui o poder popular.