I
A situação da crise geral é tão grave em nosso país que as possíveis saídas reacionárias tidas como estáveis, no quadro da próxima farsa eleitoral, se afunilam. Na disputa por quatro anos no governo do velho Estado estão Bolsonaro e Luiz Inácio, e correndo por fora Sérgio Moro – em quem o establishment tende a concentrar seu apoio, porém que parece inapto para tal disputa.
Para cacifar-se eleitoralmente e recuperar força, Bolsonaro furou o “teto de gastos” e, às custas de R$ 909 milhões em emendas ao relator do orçamento, aprovou a PEC dos Precatórios (isto é, calote em indenizações determinadas pelo judiciário), gerando mais dívida como bola de neve de deficit fiscal que à frente produzirá novas crises e instabilidades, para criar o seu próprio programa de cabresto eleitoral (“Auxilio Brasil”). Seu propósito é, a todo custo, ser chancelado pela farsa eleitoral e subverter o regime para instaurar o seu sonhado reino de terror fascista. Feito que não alcançou no atual mandato, embora tenham sido realizados ataques aos direitos dos trabalhadores, ao serviço de saúde pública, sabotagens a todas as medidas de prevenção e combate à pandemia da Covid-19 cujo resultado é mais de 600 mil mortes, além da propagação do obscurantismo extremo, cortes de verbas e precarização generalizada da educação pública em prol de sua privatização.
Luiz Inácio, que lidera nas pesquisas, busca com suas parlapatices ora agradar o mercado e o establishment com promessas moderadas e buscando seu antes rival Geraldo Alckmin para vice; ora alimenta a ilusão na sua base eleitoral com bravatas caras à esquerda oportunista eleitoreira e frases de efeito, como “farei de tudo para o povo voltar a comer três vezes ao dia”. Volta a mostrar o que é: um demagogo, manipulador dos sentimentos das massas; um agente a serviço da manutenção desta velha ordem de exploração e opressão sob a calmaria da resignação.
Os generais, por sua vez, se encontram em delicada situação, não tendo em nenhum dos dois o mais seguro dos caminhos para levar a termo a ofensiva contrarrevolucionária preventiva. Sérgio Moro, que poderia ser o grande trunfo, é difícil de afirmar-se nas urnas. O ex-juiz, ou agente do FBI, tem já apoio explícito do general Santos Cruz, antes bolsonarista, hoje ferrenho crítico de Bolsonaro, além de forte apoio na caserna.
Um governo, tanto do petista, como do capitão do mato, resultaria no agravamento da crise com permanente e perigosa desestabilização institucional. Será, tanto num quanto noutro, um governo de crise militar aguda enganchado nos fuzis do Alto Comando das Forças Armadas, que terão proeminência. Um quadro de crise institucional e militar assentada numa economia débil, em recessão e apoiada na exacerbação da exploração das massas afundadas na pobreza (um em cada quatro brasileiros se encontra abaixo da linha da pobreza, afirma IBGE em relatório publicado em 03/12) e profundamente desiludidas com as instituições (o judiciário tem apenas 8,30% de credibilidade popular, e o Executivo e Legislativo 4,47%, segundo pesquisa da Ranking de junho deste ano; sem mencionar o imenso número que boicota as eleições). É um verdadeiro barril de pólvora, cujo conteúdo é a tendência aos levantamentos populares, ao golpe militar de Estado e à guerra civil.
II
Ato contínuo ao aprofundamento da crise, acentua-se a guerra do velho Estado contra as massas, que não é exclusiva das grandes cidades. Em Rondônia (RO), operações oficiais e outras ilegais, envolvendo a PM e a Força Nacional, juntamente com paramilitares e pistoleiros, impõem uma zona de guerra a milhares de famílias de camponeses em dois anos de campanhas militares consecutivas. Em 13 de agosto, tropas do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM de RO e da Força Nacional incursionaram na Área Ademar Ferreira, em Nova Mutum Paraná, e chacinaram a sangue frio três camponeses enquanto estes iniciavam seus trabalhos na terra. Amarildo e seu filho Amaral, bem como o jovem Kevim, sequer tiveram chance de correr frente à presença repentina dos assassinos, sendo alvejados por dezenas de disparos de fuzis. Não bastasse, em 28 de outubro, numa nova chacina na Área camponesa adjacente, Tiago Campin dos Santos, em situação de operação de despejo suspensa pelo STF, as mesmas tropas ceifaram a vida de mais dois camponeses: Gedeon José Duque e Rafael Gasparini Tedesco. Gedeon era a liderança querida daquelas mais de 800 famílias camponesas.
Mesmo sob o clima de guerra imposto contra estas duas Áreas camponesas, com cerco militar e incursões bélicas da PM com apoio das Forças Armadas reacionárias e continuadas batidas, abusos de toda ordem, fustigamentos e provocações, os camponeses organizados pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) não se deixam amedrontar, elevam sua organização de resistência, enfrentam o latifúndio e seu velho Estado, arrancam-lhes os louros das vitórias táticas e dão continuidade à luta pela terra sob a bandeira vermelha da Revolução Agrária, por justiça e pela Nova Democracia em toda a pátria.
Onde as massas não estão organizadas, por sua vez, a matança, por ser impune, tem rédeas soltas. Complexo do Salgueiro, São Gonçalo (RJ), 21 de novembro: ao menos dez corpos sem vida são retirados do mangue, vidas encerradas pelo decreto tirânico de relés policiais. Nenhuma arma foi encontrada junto aos corpos. O “crime” cometido pelas vítimas é morar ali, em território destinado aos pobres, inimigos do velho Estado. A punição não foi só a morte: mas a morte a facadas, degolamentos, torturas; tal como já o fizeram na proterva chacina do Jacarezinho, em maio deste ano. Trata-se de terror para que os que lá vivem recordem sempre: ali, onde os pobres se concentram, se resume a isso o alardeado “Estado democrático de direito”.
São as marcas de uma Nação fraturada, profundamente assolada por contradições há cinco séculos violentamente acumuladas; séculos de opressão sanguinária, exploração desapiedada; ressentimentos, vinganças e acertos de contas ainda pendentes. Os choques entre camponeses e o sistema latifundiário que ocorrem na Amazônia, como projeção de todas as mazelas do latifúndio secularmente impostas em todo o país, já que seu campesinato está conformado por massas expulsas de suas demais regiões, são o Norte e o prenúncio dos levantamentos e confrontações que tomarão toda a Nação. As massas populares, força social de poder criador infinito, até agora aparentemente pouco ativas do ponto de vista político, a qualquer momento por-se-ão em evidente movimento, parte por parte, porém com a força de vulcão em erupção. Para isso ocorrer depende também dos revolucionários. As massas aguardam ansiosamente o dia da convocação geral; para já, esperam que seu destacamento de vanguarda agite-as, exponha os responsáveis reais por todos os seus males, as ponha em fileiras e aponte-nas rumo a marchar. É o que, há tempo, está na Ordem do dia.