Eduardo Paes ataca na Estradinha 1014

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Eduardo Paes ataca na Estradinha 1014

“Moro na Estradinha 1014, na Ladeira dos Tabajaras, em Botafogo, há mais de 25 anos. Venho aqui deixar o meu apelo de socorro, pois todos os moradores da Estradinha estão sofrendo muito por estarem sendo removidos indevidamente pelo prefeito Eduardo Paes. Ele está usando laudos feitos pela Geo-Rio sem que a empresa tenha vindo ao local examinar o solo. Em vista das outras comunidades, aqui não caiu nenhuma casa, ninguém está desabrigado, e ninguém morreu por causa das chuvas que deixaram milhares de desabrigados no Rio de Janeiro. Estamos sendo incluídos num pacotão, junto às outras comunidades, por pura covardia e para atender aos interesses obscuros do Sr. Eduardo Paes”
(Maria de Fátima Amorim, 48 anos, moradora da Estradinha 1014)

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Moradora da Estradinha observa a casa
de um vizinho destruída pela prefeitura

Há tempos que os moradores da Estradinha 1014 são atacados pelas políticas antipovo dos gerenciamentos de turno, empenhados em destruir casas e expulsar trabalhadores pobres das regiões nobres da cidade. Em 1972, um deslizamento de terra atingiu a Ladeira dos Tabajaras deixando cerca de 10 famílias desabrigadas. Na época, todos foram reassentados em casas na parte de trás da favela, com vista para o Cristo Redentor e o cemitério São João Batista, em Botafogo.

Nos anos seguintes, os prefeitos Luiz Paulo Conde e César Maia tentaram remover as famílias que viviam na Estradinha. Os barracos seriam um obstáculo aos planos da Santa Casa de Misericórdia, interessada no terreno para expandir os limites do cemitério, construindo um crematório. Mas, com muito esforço, os moradores se organizaram e conseguiram barrar as remoções. Desde 1972, todas as melhorias na estrutura da Estradinha, como o sistema de esgoto, foram fruto do esforço e da mobilização dos moradores. As únicas obras promovidas pelos gerenciamentos de turno fizeram parte do projeto “Favela Bairro”, que mesmo assim ficaram inacabadas.

Área de risco ou área de rico?

O atual gerente municipal, Eduardo Paes (PMDB), é quem comanda as políticas de “saneamento social” e afirma haver um plano para reflorestar a área, mas há controvérsias. Moradores afirmam que Eike Batista, dono de um  patrimônio avaliado em 27 bilhões de dólares, teria interesse em remover os moradores do local para construir um viaduto que ligaria o shopping Rio Sul, em Botafogo, ao túnel velho, que liga o bairro à Copacabana.

A ofensiva de Eduardo Paes começou no final de 2009 e foi intensificada após as chuvas de abril, mais uma senha para o prefeito atacar milhares de moradias espalhadas por vários bairros pobres da capital e que, segundo ele, estão em áreas de risco.

— Eu vou fazer o que na Baixada, Santa Cruz, Realengo, Triagem? A nossa vida foi toda aqui na zona Sul, então ele tem de assentar a gente na comunidade. Que seja aqui mesmo no  Tabajaras. Se ele procurar, vai achar lugar para construir. Ali embaixo tem um terreno enorme. A gente trabalhou uma vida, aí vou vender minha casa por 20, 30 mil e comprar outra aonde? Só na roça, e eu não quero ir para a Baixada. Acham que quem tem casa grande é porque pôde comprar, mas não é. Eu fiz a minha casa para eu morar e morrer aqui, e deixar para os meus filhos, não para vender por mixaria. Por que com o dinheiro que eles estão dando eu vou comprar uma casa em Botafogo? Em Copacabana? Ele que compre e me dê uma casa para abrigar 6 famílias. Não estão nos dando opção — protesta a moradora Ana Rodriguez, de 58 anos, que vive na Estradinha com seus filhos e netos divididos em seis casas.

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Cenário de guerra: o entulho que restou
das demolições abriga ratos e cobras

No total, o morro São João Batista tinha 355 famílias, das quais só restam 83, que seguem com a resistência. Em resposta ao ataque de Eduardo Paes, o morador Marcelo Cláudio impetrou uma ação na Defensoria Pública do Rio de Janeiro contra a prefeitura para barrar as demolições.

— Está claro que há interesse imobiliário atrelado à prefeitura. Não tem morto, ferido, nenhuma casa caiu. O cadastramento foi feito muito antes das chuvas, que estão servindo de desculpa para as remoções — conta o morador.

Barbárie na Estradinha

Segundo Reinaldo Reis, presidente da Associação de Moradores, o entulho das casas que já foram demolidas não está sendo retirado pela prefeitura, o que está tornando insuportáveis as condições sanitárias no local, com a proliferação de insetos, ratos e cobras.

— De certa forma, eles vêm nos soterrando diariamente, fazendo as pessoas ficarem doentes, vizinhos brigarem por achar que o de cima tem a culpa por ter construído depois. O que o povo quer é simplesmente um lugar digno para morar, não é digno você construir uma vida naquele local e da noite para o dia, saber que vai ser retirado de onde você trabalha, tem amigos, estuda — protesta Reinaldo.

— Estamos vivendo sob pressão, porque a prefeitura, além de estar comprando as casa,s está destruindo moradias e danificando outras: são casas geminadas, às vezes com a mesma laje, forçando a retirada dos moradores. Estão deixando os entulhos nas calhas de água, impedindo a sua circulação. Estamos vivendo com ratos e muito lixo, porque os moradores estão deixando os móveis para trás. A prefeitura, ao quebrar uma casa, deixa os fios desencapados, já teve crianças e adultos que levaram choques. As instalações elétricas estão danificadas, deixando o povo sem luz — afirma a moradora conhecida como Irmã Fátima.

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UPP age com truculência durante a remoção de casas

No dia 5 de agosto, moradores da Estradinha fizeram um protesto diante do Tribunal de Justiça, no Centro do Rio de Janeiro. Na ocasião, a Defensoria Pública do estado entrou com ação civil pública exigindo que a prefeitura retire completamente o entulho das demolições, obedeça aos critérios técnicos de obras de demolição, interrompa a demolição de casas contíguas, além de outras providências.

Quatro dias depois, homens da prefeitura, com o apoio de PMs da Unidade de Polícia Pacificadora — que desde janeiro ocupa a Ladeira dos Tabajaras — tentaram demolir a casa de um morador que teria saído para trabalhar. Os vizinhos protestaram e foram intimidados pelos policiais.

Moradores da Estradinha prometem continuar lutando para frear os planos atrozes de Eduardo Paes, que desde abril distribui títulos de área de risco para várias favelas e bairros pobres da cidade, fomentando sua política de destruição e expulsão de trabalhadores pobres das regiões “nobres” da capital fluminense.

UPP dos Tabajaras aterroriza moradores

No dia 19 de agosto, a equipe de reportagem de AND esteve na Estradinha 1014 e constatou que o apoio das Unidades de Polícia Pacificadora às violentas ações da prefeitura tornou-se habitual desde as chuvas de abril. Segundo Maria de Fátima Amorim, de 48 anos,  algumas pessoas já foram arrastadas de dentro de casa pela polícia para que os homens da prefeitura pudessem demolir suas casas.

— O ataque à casa do Miranda, um morador antigo daqui, aconteceu em um dia chuvoso. Todos os móveis dele ficaram na chuva, tudo novo. A mulher dele, grávida, ficou desesperada. Quando o pessoal da defensoria e da associação chegou junto com o morador, a UPP também chegou para nos intimidar. Todo mundo dizendo que eles não podiam fazer aquilo e mesmo assim, um policial arrastou o morador para fora de casa na marra, puxando-o pela calça. Eles invadiram a casa e a UPP deu cobertura. Eles não tinham nenhuma autorização para fazer isso, mas fizeram mesmo assim — lamenta a Irmã Fátima.

— A UPP está cooperando com a prefeitura para retirar os moradores usando a força. Os policiais impediram que o morador entrasse na sua própria casa e jogaram todos os seus móveis no lixo e na chuva. A defensoria conseguiu barrar a demolição da casa do Miranda, mas agora ele está morando lá sem móveis e com um buraco na parede. A UPP não está aqui para proteger a comunidade, mas para proteger o Eduardo Paes e seus quebradores — denuncia.

A Irmã Fátima, uma das mais aguerridas moradoras que compõem a resistência às remoções, diz que após as chuvas, vários policiais da UPP foram deslocados para a Estradinha, fortemente armados, para intimidar os moradores, desesperados diante da ameaça de perderem tudo que têm. Mesmo assim, os casos de abuso de autoridade na Estradinha, segundo Fátima, são insignificantes levando em consideração o regime de terror instalado na vizinha Ladeira dos Tabajaras com a chegada da UPP, em janeiro.

— Quando a prefeitura entrou aqui, logo depois das chuvas de abril, foi um desespero geral. Teve um policial da UPP que virou para o pessoal da prefeitura e falou ‘Ué, não vai ter tumulto não? Eu trouxe até uma granada para jogar no meio do povo’. É impressionante! Todas as favelas que têm UPP a gente escuta que tem problema de abuso de autoridade. E aqui ainda é considerado calmo, porque do outro lado do morro [na Ladeira dos Tabajaras] é pior, porque eles batem, xingam, humilham — denuncia.

— Quando a prefeitura chegou para destruir a casa de outro morador, o Reinaldo, a comunidade inteira foi tentar impedir. Chegou ao ponto deles dizerem que eu não podia filmar nem fotografar. Disseram que eu não podia usar a imagem deles. Mas eu disse que ia usar sim. Eles estavam admitindo o abuso ao não me deixarem ligar a câmera. Foi quando chegaram quatro carros de polícia. Rapidamente já tinham vários policiais em cima de mim. Queriam tomar a câmera de mim. Só não tomaram porque a defensoria mandou um ofício para eles dizendo que eu podia filmar o que eu quisesse — relata a moradora indignada.


“Para Paes, zona Sul não é lugar de pobre”

Segundo a Irmã Fátima, a prefeitura está impondo aos moradores da Estradinha um regime de terror com demolições desautorizadas até mesmo pela famigerada justiça burguesa. Além disso, Fátima disse que todas as comunidades que cercam a Estradinha, como as favelas da Coroa e Euclides da Rocha, também estão na mira de Eduardo Paes.

— O morador Miranda vive aqui com a mulher, grávida de 7 meses, e a filha. Há umas três semanas ele teve que sair de casa e logo em seguida a prefeitura chegou à Estradinha. Invadiram a casa dele, meteram o pé na porta e tentaram tirar os móveis. Como a porta era muito estreita, eles fizeram um buraco na parede para tirar os móveis. Alguns minutos antes, o pessoal da defensoria pública e da associação de moradores foi contatado e disse que estava a caminho. Por isso que eles fizeram um buraco na parede da casa do morador, para tirar tudo antes que chegasse a ajuda — relata.

— Tem muita gente saindo daqui com medo e indo para outras comunidades. Mas a maioria das comunidades próximas à Estradinha também está ameaçada. Euclides da Rocha e Coroa, que são próximas daqui, o Eduardo Paes também quer tirar. Na Coroa, 42 casas já estão sendo removidas. Para sair daqui, ir para outra comunidade e mais tarde passar pelo mesmo problema, prefiro ficar aqui. A Estradinha é o meu lugar. Eu já encontrei morador vivendo na Tavares Bastos e em várias outras comunidades. Está todo mundo espalhado. Para o Eduardo Paes, zona Sul não é lugar de pobre. Para ele, pobre tem que morar na Baixada Fluminense — protesta a Irmã Fátima.

— Eu fico vendo essas crianças perguntando aos prantos para a mãe ou para o pai: ‘mãe, pai, hoje vai ter demolição?’ Minha igreja tinha mais de 50 crianças antigamente e agora não tem nenhuma. Vários trabalhadores que foram forçados a ir embora. Crianças que abandonaram a escola, pessoas que largaram o serviço. E agora vivem todos aqui no meio desse monte de entulho. O ministério público já disse que eles têm que tirar esse entulho daqui, mas eles mandaram meia-dúzia de operários, que trabalham menos de quatro horas por dia. Quando é para demolir a nossa casa eles mandam dezenas de homens e chegam aqui às 7h da manhã — afirma a líder comunitária.

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