Eleições peruanas: entre drogas e vendepátrias

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Eleições peruanas: entre drogas e vendepátrias

Em 10 de abril haverão eleições gerais no Peru, um dos países onde a política criolla está chegando a extremos nauseabundos. Por trás da parafernália de uma contenda eleitoral empurrada como democrática se fecham obscuram interesses ligados às transnacionais e ao tráfico de drogas, situação que pesa qual um manto escuro sobre os três candidatos presidenciais que vêm ocupando os primeiros lugares nas diferentes pesquisas de opinião, e que se estende também sobre os candidatos periféricos que não terão nenhuma opção de ocupar o trono de Pizarro.

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Durante mais de três décadas a enferma e postiça democracia peruana enfrentou os revolucionários comunistas peruanos, atribuindo-lhes uma suposta ligação com o tráfico de drogas1. Mesmo assim, os governantes do velho Estado peruano — e agora inclusive muitos de seus aspirantes — estão implicados até a medula no sujo negócio do tráfico de cocaína. Ao exaustivo trabalho de investigação realizado por Rosana Bond2, hoje se somam mais nomes, dados e fatos que demonstram palmariamente as conexões entre o tráfico de drogas e a elite política peruana.

O clã Sánchez Paredes e a classe política peruana

O clã Sánchez Paredes, uma família que segundo a Direção Anti-Drogas (Dirandro) do Peru registra antecedentes por tráfico de drogas desde a década de 1980 (clique para ler), ainda que possa se disfarçar como um grupo empresarial minerador originário do departamento nortenho de La Libertad, e também como traficantes de terras, ou,em termos eufemísticos, dedicados ao negócio imobiliário (ler).

Nos primeiros dias de fevereiro deste ano, soube-se que Alfredo Sánchez Miranda (ler), filho caçula de Orlando Sánchez Paredes — um dos líderes do clã — tinha feito uma doação de 5 mil dólares na campanha presidencial de 2006 ao Partido Aprista Peruano, do atual presidente Alan García Pérez. O mandatário, sem se alterar e numa demonstração de cinismo absoluto, reivindicando-se lutador contra a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, devolveu os 5 mil dólares ao senhor Sánchez Miranda 5 anos depois e a ponto de culminar seu mandato presidencial, como se o problema se reduzisse a receber e devolder o dinheiro, sem se importar com a proveniência do mesmo e as conexões do doador em um país onde o tráfico de drogas cresce em proporção geométrica.

Mas as conexões do clã Sánchez Paredes não são apenas com Garcia Pérez e o partido aprista. Ele tem um estreito vínculo com o Partido Popular Cristão (PPC) e inclusive com o ex-presidente Alejandro Toledo (ler), que, hoje candidato, vem liderando as pesquisas com cerca de 30% das intenções de voto.

Outras conexões com o tráfico de drogas

Mas num país onde campeia o tráfico de drogas, os Sánchez Paredes não são os únicos personagens ligados ao tráfico de drogas e, por sua vez, à política. Há também os Martínez, a quem a imprensa peruana apelidou de o “clã  Olluquito”.

Em 2000 a então primeira dama da nação, filha do tirano presidiário Alberto Fujimori e atual candidata a presidência, Keiko Fujimori, intercedeu para conseguir o indulto à presidiária Ana Martínez, membro do “clã Olluquito”; Keiko Fujimori não se arrepende dessa inexplicável defesa, nem tampouco de ter recebido a soma de 10 mil dóleres como apoio a sua atual campanha presidencial (ler).

Mas, esse não é o único vínculo de Keiko Fujimori com o tráfico de drogas. Recentes telegramas divulgados pelo Wikileaks informaram que em novembro de 2006 a embaixada ianque em Lima teria informação de que Rofilio Neyra, velho militante das fileiras fujimoristas, havia financiado sua campanha para o governo regional de Ayacucho, em 2006, com dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Ademais, Fujimori tinha entre seus candidatos ao congresso o cantor de música criolla Pepe Váquez, que foi acusado de alugar um carro onde se encontravam 60 kg de cocaína em dezembro de 2010 (ler).

Todas essas denúncias e indícios demonstram que existe uma clara intenção de reeditar no Peru um narco-Estado manejado pela sucessora natural do duo Fujimori-Montesinos. Essa situaçaõ não surpreende num país cujos ressaibos coloniais tornam de grande utilidade a teoria das relações de parentesco para rastrear os fios de poder manejados por castas e clãs familiares.

Transnacionais e vendepátrias

Porém, dado que o tráfico de drogas não é o único negócio ligado ao poder, também encontramos outras formas de negociatas. De fato, Toledo, ao declarar a lista de contribuições ao fundo destinado a sua campanha presidencial, revelou que a empresa brasileira de construções Camargo Correa fez aportes que superam os 60 mil dólares. Esta mesma empresa, há um ou dois anos, foi investigada pela estranha forma como recebeu uma concessão para construir as estações de tratamento de água potável em Lima.

A construtora Queiroz Galvão, grande empresa que tem um raio de ação na América Latina e na África, fez um aporte que supera os 70 mil dólares; e junto com a Camargo Correa e a Andrade Gutierrez receberam, na presidência de Toledo, o trecho 4 da estrada bioceânica entre o Peru e o Brasil.

Por sua vez, Galvão Engenharia fez um aporte de mais de 70 mil dólares para a campanha de Toledo, segundo o jornal El Comercio do Peru, tam essa última empresa brasileira como a Queiroz Galvão não só colaboraram com a campanha de Toledo, mas também com a de outro candidato presidencial, Ollanta Humala (ler).

Por outro lado, não só os candidatos favorecidos nas publicações das pesquisas têm suas conexões com as transnacionais. Daí que Pedro Pablo Kuczynski, que não chega nem a 3% nas pesquisas, mas tem uma longa trajetória dentro do aparato estatal peruano, já que foi ministro de Minas e Energia em 1980, ministro da Economia e Finanças em 2001 durante a presidência de Toledo, consultor do Banco Central de Reserva do Peru, do Banco Mundial.

Kuczynski lidera o partido “Aliança para o Progresso”, que parece ter saudades do nome do plano colonial ianque na América Latina da década de 1960. Deste personagem se sabe que possui não só a nacionalidade peruana, mas também a estadunidense. Há poucos dias uns telegramas divulgados pelo Wikileaks informaram que Kuczynski era considerado pela embaixada ianque como um fiel aliado das transnacionais mineradoras, telegrama que foi remetido em 2005, no contexto de fortes conflitos entre organizações populares peruanas e as empresas mineradoras estrangeiras que operavam no país (ler).

Também candidatos como Castañeda Lossio, ex-prefeito de Lima, que ainda que não tenha vínculos evidentes com tráfico de drogas e as transnacionais como seus adversários, está implicado em uma complexa trama de corrupção, quando se fez o pagamento de uma dívida do município à empresa de limpeza Relima, dívida que foi comprada por uma empresa fantasma chamada  Comunicore pela soma de cerca de 6 milhões de dólares, para depois cobrar ao redor de 14 milhões de dólares. Esta empresa tinha como personagem chave Jose Luis Pinillos Broggi, marido de Giuliana Belaúnde Lossio, sobrinha do candidato presidencial (ler).

Outro desfalque no município de Lima imputado a Castañeda Lossio é ter inflado o orçamento do novo sistema de transporte urbano chamado “El Metropolitano” até alcançar a cifra de 300 milhões de dólares, que supera o dobro do orçamento inicialmente apresentado.

Por sua vez, Ollanta Humala esteve imputado por tortura, desaparição forçada e execução extrajudicial na vila de Pucayacu, quando era chefe da Base Militar de Madre Mía em 1992, no contexto da aplicação de políticas de extermínio contra-subversivas aplicadas pelo Estado peruano (ler).

Todo esse prontuário dos principais contendores à presidência do Peru não faz mais que revelar que este cargo está sendo disputado entre gente que é denunciada por sua ligação com as transnacionais, vínculos com o tráfico de drogas, denúncias de assassinato e cleptocracia.

Ante esse quadro surrealista que as eleições apresentam, as perguntas são: Em que momento essa gentalha saída das piores e mais pestilentas cloacas da política criolla peruana se converteram na alternativa aos verdadeiros problemas do povo peruano? De fato, tampouco nas eleições anteriores houve melhores elementos ou possibilidades para que prevaleçam os genuínos interesses democráticos do povo peruano. Desta forma, seria uma ingenuidade pensar que no futuro essa situação seria diferente.

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Notas:

1 Este fato foi informado múltiplas vezes por AND, como, por exemplo, na edição 70, em Notícias da GuerraPopular

2 Rosana Bond. Perú: do império dos incas ao império da cocaína. 2004. Río de Janeiro.

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