Rufam os tambores, tocam os clarins, luzes se acendem, o colorido do palco enche os olhos da platéia, e seus rostos se abrem em largos sorrisos. Vai começar mais um espetáculo do Balé Popular do Recife, grupo de dança que já completou 26 anos de apresentações em diversos palcos pelo mundo afora, e que ainda hoje encanta a quem o assiste, e desperta esperanças em quem acredita na arte popular como forma de resistência e de afirmação do nosso povo.
O grupo surgiu, informa André Madureira, um dos fundadores e atual coordenador, com a principal intenção de preservar e registrar aspectos determinantes da cultura nordestina, “mas acabou indo além, findando por se transformar nesse grupo, que não apenas dança, como chegou a dar uma roupagem nunca vista aos temas populares. O mais importante é que essas novidades foram feitas sem tirar nada do que é original na nossa forma de dançar. O Balé apenas ressaltou o mais belo, o mais genuinamente brasileiro, nordestino e popular.” Para elaborar sua dança que chama de brasílica e que encanta platéias em palcos pelo Brasil e mundo afora (o Balé já se apresentou em países como França, Israel, Portugal, Espanha, Peru e Argentina, entre outros), o grupo inspirou-se em artistas que são verdadeiros ícones da dança popular, como Mestre Salustiano; Capitão Antonio Pereira; Coruja do Passo; Mestre Nascimento; Zezinho Alfaiate, dos Caboclinhos 7 Flechas; Seu Muniz, do Caboclinho Caetés; Dona Célia, do Maracatu Cruzeiro do Forte; Mariano; Nozinho do Xaxado; Pastoril do Velho Faceta; Pastoril do Velho Barroso; no Guerreiro de Nilton da Capela e em tantos outros artistas, conhecidos e anônimos, que misturam os passos e as gingas dos nossos ancestrais para construir esse jeito tão nosso de sambar, frevar, xaxar, bailar…
Armorial na origem
Os primeiros passos do Balé Popular do Recife foram dados em decorrência direta do Movimento Armorial, que Ariano Suassuna fundou, junto com outros artistas pernambucanos, em 1970, com o objetivo de criar uma arte brasileira erudita, embasada na cultura popular. O movimento — que surgiu, segundo Ariano, em oposição à invasão da cultura norte-americana no Brasil — ganhou adeptos em todas as áreas, se expandido na literatura, dança, teatro e música.
Sete anos depois, no dia 20 de maio de 1977, surgiu o Balé Popular do Recife, conhecido naquela época como “Grupo Circense de Dança Popular”, apresentando o seu primeiro espetáculo: Brincadeiras de um circo em decadência. Em seguida, surgiu a idéia de fundar um circo de verdade, na Rua da Aurora, às margens do Rio Capibaribe: “O Circo da Onça Malhada”. Foi nessa época que o grupo ganhou o nome de “Balé Popular do Recife”, batizado pelo então secretário municipal de Educação e Cultura, Ariano Suassuna, depois de observar que os jovens integrantes daquele circo davam maior ênfase às danças. “Mas Ariano nunca considerou o Balé genuinamente Armorial. Para ele ainda faltam elementos para que isso ocorra”, afirma André.
Em seus primeiros meses de existência, o Balé contou com a subvenção da prefeitura do Recife, passando em seguida, e até hoje, a manter-se principalmente com o resultado financeiro de suas apresentações na capital e em outras cidades. “A situação hoje está bastante adversa em relação aos primeiros anos”, diz Madureira. “Hoje sobrevivemos praticamente sem qualquer apoio nem patrocínio, sem condições de formar novos dançarinos, em decorrência da crise, iniciada em 1991 e que só não nos fez fechar as portas por convicção e verdadeira abnegação.” Mantido até hoje com muito esforço dos seus coordenadores, o curso de dança forma alunos que estudam, durante um ano, os diversos aspectos da cultura e da dança popular nordestina. Aqueles que se destacam fazem estágio em um dos dois grupos mantidos pelo Balé Popular: o Forrobodó, voltado principalmente para as danças dos ciclos carnavalescos, juninos e natalinos, e o Balé Brasílica, que realiza espetáculos inspirados nas nossas origens étnicas.
Nos seus 26 anos de vida, o Balé catalogou mais de 500 passos de dança, além de criar novos movimentos, como forma de preservar, divulgar, documentar e recriar os folguedos populares do Nordeste, mais especificamente de Pernambuco. Hoje o grupo possui uma linguagem própria e se diferencia dos demais grupos de dança popular, além de inspirar a formação de novas companhias, como a Maracatu Nação Pernambuco, Companhia Trapiá de Dança, Balé Brincantes, e Companhia de Arte da Cidade Alta de Olinda.
O Nordeste veemente
Entre os espetáculos mais conhecidos do Balé Popular do Recife estão a Prosopopéia, um auto de guerreiro (1979), que apresentava folguedos e danças populares de todo o Nordeste num espetáculo com quase duas horas de duração; Nordeste, a dança do Brasil (1987), época em que o grupo contava com três elencos distintos, para dar conta dos inúmeros convites para apresentações no Brasil e pelo mundo; o Baile do menino deus (1991); Oh! Linda Olinda (1992); e O romance da nau Catarineta, também de 1992 e que se baseava em um romance popular que conta a trajetória de uma barca que se perde no mar. Neste percurso, são contadas as aventuras e desventuras do povo brasileiro, notadamente do nordestino, desde o descobrimento aos nossos dias.
O método de dança desenvolvido pelo Balé Popular do Recife ficou conhecido pelo nome de dança brasílica, por basear-se nas manifestações populares, como o reisado, caboclinho, frevo e maracatu, ritmos de origens afros, indígenas e européias, preservando a identificação com a nossa formação cultural e histórica. Além do André Madureira, o Balé Popular do Recife é coordenado por Ângela Madureira, Mabel Carvalho, Angélica Madureira e Lã Irani, que continuam em plena atividade, realizando codificação de passos e movimentos, pesquisas na área da dança popular, monitoria em escolas e instituições culturais, e aplicação do método de dança brasílica.