Um acordo, entre a gerência FMI-PT e a Volks, suspendeu a demissão de milhares de operários da Volks até que se passassem as eleições. Muito mais que privilégios, a chegada da Volks ao Brasil desfechou e continua assestando contundentes golpes na economia nacional e na classe operária. Vale lembrar, a existência da Volkswagen contraria os tratados estabelecidos nas conferências da Criméia (Ialta), de Potsdã e de Teerã, na parte referente à eliminação das corporações fascistas, particularmente na Alemanha, e de reeguer a economia da Europa em bases democráticas. As potências imperialistas, notadamente o USA, não só traíram o programa de desnazificação acordado com a URSS como adaptaram as corporações do nazi-fascismo e a sua propaganda aos intentos imperialistas do pós-guerra nos moldes do Plano Marshall, fortalecendo-as (inclusive na América Latina) e militarizando a Europa.
Hitler em visita a instalações da Volks
Lisboa – Em agosto de 2003 a Volkswagen atirou às ruas de São Bernardo do Campo cerca de 7 mil pessoas, e não precisou demitir ninguém. As famílias desabrigadas foram escorraçadas de um pedaço do solo do seu próprio país, graças ao poder sem limites de uma transnacional que reclamou judicialmente a posse de um terreno público de 170 mil metros quadrados que lhe fora doado nos anos 50.
A Volks conseguiu da juíza Maria de Fátima dos Santos uma dessas sentenças de “reintegração de posse”, expressão pudica com que se desencadeiam violentas ações de expulsão dos trabalhadores que vivem numa área determinada. Dois dias depois, o governo do estado de São Paulo destacou 800 policiais militares e um helicóptero para remover milhares de brasileiros que tinham feito de um terreno vazio o ponto de moradia e resistência às desgraças impostas pelo sistema.
O acampamento havia sido batizado de Santo Dias, em homenagem ao metalúrgico assassinado pela polícia durante uma greve em 1979, na fábrica de Anchieta, no outro lado da rua onde fica o terreno ocupado pelos trabalhadores e desocupado pelas tais forças da “ordem”.
A Volkswagen está entre as vinte empresas mais poderosas do planeta. Isto significa que seus interesses podem ditar o comportamento de executivos, legislativos e judiciários dos Estados nacionais, cujos governantes dissimulam a subserviência ao grande capital alegando necessidade de receber “investimentos externos”.
Muitas coisas vão mudando de sentido sob a alegada dependência dos investimentos transformados em caso de vida ou morte. Direitos trabalhistas viram entraves burocráticos, interesse nacional vira ranço ideológico e o patrimônio público é apresentado como uma penca de anomalias postas à venda, para serem saneadas por capatazes e gerentes bem-sucedidos ao longo de suas carreiras.
Na mesma época em que a Volks ganhava de presente do Brasil o terrenão em São Bernardo, no USA o expresidente da General Motors, Charles Wilson, inaugurava uma cartilha diante dos senadores ianques: “O que é bom para a GM é bom para os Estados Unidos”.
Substituindo nações por corporações financeiras, a fórmula de Wilson ainda hoje é a mentira-chave para qualquer campanha de marketing empresarial que se dê o respeito.
Presidente da Volkswagen no Brasil, Hans-Christian Maergner não precisou ir a Brasília fazer o que Wilson fez em Washington, em 1951. Luiz Inácio tomou a iniciativa e tentou justificar as últimas chantagens e ameaças aos empregados da Volkswagen dizendo que “no mundo do trabalho á assim: Quando a empresa está produzindo muito, ela contrata. Quando está produzindo pouco, ela descontrata as pessoas”.
No fim de agosto desse ano, os gerentes da Volks no Brasil anunciaram que colocariam 1800 trabalhadores no olho da rua. Eles dizem que o número de demitidos pode chegar a 6 mil em 2008. Após uma greve de sete dias, a Volks suspendeu temporariamente as demissões e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC fez o mesmo com relação à paralização.
Quando Luiz Inácio dá de ombros, garante que “no mundo do trabalho é assim”, e minimiza as demissões em massa, dizendo que são “um caso isolado”, esse ex-ABC escancara a conexão do oportunismo com o processo de despolitização do trabalhador que vem sendo imposto pelos gerentes das corporações estrangeiras e pelos gerentes do sistema de governo.
Demissões e ameaças de demissões fazem parte do calendário e dos prognósticos a curto, médio ou longo prazo das montadoras automotivas.
Pacotão da maldade
Há cinco anos, em outubro de 2001, a Volkswagen anunciou a dispensa de 3.075 trabalhadores de suas linhas de montagem no Brasil. Luiz Marinho, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, viajou para a cidade de Wolfsburg, na Alemanha, sede mundial da empresa. Voltou para a fábrica sem alguns direitos, sem outras garantias e com um acordo de estabilidade de cinco anos, além da reintegração dos demitidos.
O acordo de estabilidade assinado por Luiz Marinho tem validade até 21 de novembro do corrente ano, mas desde agosto os 1.800 de São Bernardo já estavam devidamente avisados que nesse dia passariam a fazer parte dessa grande massa de desempregados que o capital contrata e descontrata, espreme e joga fora; usa e abusa ao seu bel prazer.
Em meio à greve de sete dias de final de agosto e início de setembro, Luiz Marinho, hoje ministro do Trabalho, confessou aos sindicalizados de São Bernardo que não pretendia interferir nas demissões e nem tampouco tomar providências quanto à declarada disposição da Volks de suprimir direitos trabalhistas e dar prosseguimento às demissões.
Livres e desimpedidos, os gerentes da Volks apresentaram à burocracia sindical do ABC uma “pauta de reivindicações”, apelidada pelos operários metalúrgicos de “pacotão da maldade”. Segundo o pacotão, a empresa pretende “melhorar a produtividade das operações” cortando em 35% o salário dos novos contratados, reajustando em 200% a contribuição do trabalhador parao plano de saúde e reduzindo as folgas fixas semanais a apenas uma.
Felizmente sem o “apoio” dos ex-chefões da burocracia sindical — hoje, gerentes do governo — os operários imprimem a resistência possível e, até onde podem, conseguem pontualmente estancar o processo de demissões em massa, com greves como resposta às negociações desiguais e recusando temporariamente a submissão às horas extras. Os operários da Volks vêm exercendo muitas vezes pressão sobre os oportunistas que dirigem a burocracia sindical, que não raro oferecem ao patronato a possibilidade de explorações ainda maiores no chão da fábrica, em troca de um reajuste salarial que pode não passar de mera correção, representando sequer um aumento real.
Sucessor de Luiz Marinho na presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o mesmo José Lopez Feijó que vocifera contra a decisão da Volks de (conforme se expressa) “aumentar seus lucros tirando o couro da peãozada”, já foi expulso de assembléia debaixo de acusações de traidor.
Nas últimas décadas, o cargo de Feijó tem sido exercido como um posto de colaboração com as políticas imperialistas e como uma espécie de trainee* no peleguismo de altos cargos sindicais, empresariais ou federais. Depois da presidência do sindicato burocrático do ABC, Jair Meneguelli e Vicentinho dirigiram a CUT. Meneguelli foi parar na Câmara e depois na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp; Vicentinho foi à faculdade, virou deputado e jura que defende os interesses dos trabalhadores brasileiros quando apresenta um projeto de lei que obriga o poder público a comprar carros nas fábricas dos ex-patrões.
O ministério chefiado por Luiz Marinho funciona na prática como a gerência encarregada de dilapidar e deixar dilapidar conquistas, direitos, garantias, salários e a unidade da classe trabalhadora. Como a estrutura é sempre insuficiente para destruir toda uma história de lutas, as direções e centrais sindicais constantemente renovam tentativas de conciliação, nas quais o trabalhador invariavelmente sai prejudicado.
Turismo sexual
Nos próximos meses a Alemanha vai assistir ao julgamento, por corrupção e crimes sexuais, de Peter Hartz, ex-diretor de recursos humanos da Volkswagen, considerado um dos mais eficientes gerentes de pessoas do mundo dos negócios.
Para merecer essa conceituação, o executivo garantiu de forma sem precedentes a institucionalização dos interesses dos patrões travestidos de interesses dos trabalhadores, sendo a principal cabeça na elaboração das reformas trabalhistas promovidas pelo ex-chanceler Gerard Schröeder. Na Alemanha, as disposições que regulam o sistema de assistência legal aos desempregados são conhecidas como Hartz I, II, III e IV.
Em julho de 2005, Peter Hartz renunciou ao cargo na Volks em meio a um escândalo de prostituição e falcatruas administrativas envolvendo os altos executivos da empresa. Tentou sair honrosamente dizendo que assumia as responsabilidades dos subordinados. Logo depois foi indiciado pelo Ministério Público alemão.
Brasil e Índia eram os destinos preferidos das “viagens de prazer” patrocinadas pela empresa — desde os anos 90 — e oferecidas a gerentes, políticos e até a membros da comissão dos trabalhadores.
Principal nome da matriz, depois do presidente Bernd Pischetsrieder, Peter Hartz tinha lugar cativo também no conselho da Volkswagen brasileira e, de acordo com depoimentos de outros velhos gerentões da respeitável transnacional tinha verdadeira obsessão por uma brasileira cafetinada na Europa.
Enquanto corre o processo contra os altos executivos da empresa, a matriz da Volkswagen pretende dar o exemplo aos outros países e levar a cabo no país-sede a parte que lhe cabe no “plano mundial de reestruturação”: aumento do horário laboral sem compensação salarial, das atuais 28,5 para 35 horas semanais, e supressão de um quinto dos postos de trabalho — o que significa um reforço de 20 mil alemães para o limbo do desemprego. Ou seja, cinicamente diminui em quantidade o número de operários, mas aumenta a capacidade de exploração da força de trabalho com o artifício da mais valia relativa — e mesmo da mais valia absoluta,no caso da carga horária.
A falsa crise da Volks
Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica – Cefet da Bahia, o doutor Nilton Vasconcelos, publicou na última edição da revista Debate Sindical um artigo que faz cair por terra a alegação da Volkswagen de que suas fábricas operam no vermelho, utilizada como justificativa para acabar com o emprego de milhares de metalúrgicos e negar aos que ficam o gozo dos direitos historicamente conquistados.
Nilton estudou relatórios como o Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira e o Desempenho do Setor de Auto-peças, ambos relativos ao ano de 2005, e comparou os resultados com os números dos últimos dez anos, até 1995, ano que ele considera um marco para a política pública automotiva no Brasil — foi em 1995 que Fernando Henrique Cardoso criou o Regime Auto-motivo Brasileiro, substituindo a Câmara Setorial Automotiva e beneficiando as grandes empresas transnacionais de montagem em detrimento da indústria nacional de autopeças.
Quando as últimas estatísticas foram divulgadas, lembra Nilton, os meios de comunicação destacaram, sobretudo, o recorde de 2,44 milhões de automóveis, caminhões e ônibus produzidos em território nacional. Um aumento de 10% em relação ao ano anterior, e de 50% em relação a 2003. Mas os relatórios revelavam algo mais.
No que se refere ao índice de pessoal empregado, e no mesmo intervalo de uma década em que a produção de automóveis deu um salto de 50%, o número de trabalhadores nas fábricas foi reduzido em 10%.
Quando em 1980, cerca de 133 mil metalúrgicos cruzaram os braços diante da irredutibilidade do patronato, Luiz Inácio apareceu liderando a greve dos 41 dias. Segundo a análise do doutor Nilton Vasconcelos, cada um desses 133 mil metalúrgicos de 1980 produziu em média 8,7 automóveis naquele ano. Em 2005 cada metalúrgico empregado produziu em média 25,9 unidades. O patronato festejou, e o governo quis fazer crer que o Brasil é que tinha muito a comemorar, porque as empresas que atuam em território nacional teriam ganhado competitividade graças à “redução da burocracia” e à “flexibilização laboral”.
Empulho. Em dez anos a exploração do trabalhador brasileiro foi intensificada graças à sanha competitiva das transnacionais, tudo com a anuência das gerências Cardoso e Luiz Inácio, caracterizadas pela subserviência e a transferência de dinheiro público para as grandes montadoras estrangeiras.
Contabilizando apenas o oba-oba da gerência FMI-PT, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES abasteceu essas empresas com 5,8 bilhões de reais que, na prática, financiaram a multiplicação dos lucros e a geração de desemprego. Só a Volks recebeu do banco estatal mais de um bilhão e meio de reais neste período. Diante dessa cifra, soa infantil que o (des)governo tente apresentar a suspensão temporária de um novo empréstimo de 497 milhões de reais como retaliação às demissões e à ameaça de fechamento da fábrica de São Bernardo.
O artigo do professor Nilton demonstra que, apresentando ao sindicato do ABC o “pacotão da maldade”, a Volks não está tentando sair do atoleiro; porém correndo atrás da reposição dos percentuais das taxas de lucro perdidos com o câmbio baixo e a queda nas exportações, às custas de postos de trabalho e dos tão acanhados direitos dos trabalhadores.
Mas as especificidades da economia brasileira não explicam totalmente as degolas que a multinacional promete para as fábricas do país.
A Volkswagen comemorou em janeiro de 2006 os resultados da contabilidade mundial de 2005: duplo recorde de produção e venda. Um mês depois, em fevereiro, a matriz da empresa anunciou o plano mundial de reestruturação, alegando necessidade de “sanar deficiências”. Encontrou abrigo nos reputados diários econômicos internacionais, que noticiaram a decisão sob a manchete “crise na Volks”.
Para além dos artifícios
A estratégia se repete na repartição da empresa no Brasil. No primeiro semestre desse ano o faturamento foi de 663,28 milhões de reais. Um recorde. Mas os gerentes nacionais e a matriz alemã continuam ameaçando com a chantagem da demissão e da supressão de direitos como condição para manter os investimentos (a exploração dos trabalhadores) no país. Ainda assim, o monopólio dos meios de comunicação no Brasil repete as manchetes dos chamados “jornais de referência”.
Não há crise. As dificuldades da empresa com o câmbio e com as exportações são reais, mas não explicam, por si apenas, as “medidas de ajuste”. O que se chama de reestruturação da Volks é uma ofensiva a nível mundial contra o mundo do trabalho. Não faz muita diferença se o capital avança contra os trabalhadores através das modernas técnicas de microeletrônica ou das modernas técnicas de gestão. Ambas são sistematicamente usadas para precarizar, sufocar e chantagear.
No dia 4 de abril deste ano a Volkswagen virou notícia em todos os jornais, rádios e emissoras de TV da Argentina. Em uma cerimônia na fábrica de Pacheco, na periferia de Buenos Aires, o presidente regional da empresa, Viktor Klima, apresentou o Suran, “o carro 100% argentino”. Na platéia de cerca de 1500 pessoas destacavam-se o presidente Néstor Kirchner e vários ministros de Estado.
Eles ouviram de Klima que a Volkswagem não mede esforços para ajudar a combater o desemprego, “tanto em épocas boas como em épocas ruins”.
Um mês depois, os trabalhadores da Volkswagen na Argentina exigiram 32 por cento de aumento salarial. Klima ofereceu 25%. Os metalúrgicos não aceitaram a proposta e se recusaram também a fazer horas extras enquanto os salários não fossem reajustados de acordo com índice exigido.
Uma pesquisa das notícias publicadas nos principais jornais argentinos durante o mês de maio não acusa uma nota sequer sobre a luta dos trabalhadores da fábrica de Pacheco. Um grupo chamado Colectivo Nuevo Proyecto Histórico fez circular na imprensa popular um comunicado no qual denunciava o silêncio das redes de TV e de jornais pertencentes a grandes grupos econômicos, como La Nación e Clarín. O texto diz que, para esses meios de comunicação, os trabalhadores não viram notícia quando lutam, salvo para criminalizá-los.
Os operários da fábrica de Pacheco reconhecem que as reivindicações salariais são uma luta timidamente anti-capitalista, mas acreditam que mais cedo ou mais tarde os regimes laborais de exploração vão se tornar insustentáveis.
É o desafio da conciliação entre as ações imediatas e os planejamentos estratégicos tão fundamentais para o sindicalismo. É o desafio que se apresenta aos metalúrgicos de todo o mundo, que já vêm se articulando a nível internacional para resistir ao triplo inimigo do seu trabalho: a chantagem das transnacionais, a conivência dos governos ditos democráticos e a tendência de suas lideranças para os acordos que satisfazem os patrões, em detrimento da defesa intransigente dos interesses de sua própria classe.
É o dilema que se impõe aos trabalhadores do ABC que encerraram uma greve de sete dias após a supensão de 1.800 cartas de demissão, apesar de a Volks reiterar que pretende nos próximos dois anos cumprir a meta de reduzir em até 6 mil o número de funcionários nas fábricas do Brasil.
No dia 11 de setembro, enquanto os atentados de cinco anos antes ocupavam papel jornal e programação televisiva, a emenda da chantagem travestida de acordo saiu pior que o soneto da “suspensão temporária da greve”: a Volks aumentou os “incentivos irrecusáveis” e o sindicato do ABC, fazendo o papel dos patrões, orientou os trabalhadores a se demitirem por livre e espontânea vontade para a empresa atingir até 2008 a meta de colocar na rua mais de 3 mil funcionários da fábrica de Anchieta.
A verdade nua e crua
O presidente do partido português denominado Bloco de Esquerda, Francisco Louçã está à frente de uma Marcha pelo Emprego que vem atrevessando o território de Portugal rumo à capital, Lisboa. Em um dos palanques, Louçã pareceu dar conta da natureza desses programas de demissão voluntária que as empresas enfiam goela abaixo de trabalhadores rendidos diante do poder dos patrões e da conivência das direções sindicais:
— Tal como Corleone fazia aos seus colaboradores, apresentando-lhes propostas que não podiam ser recusadas, sob pena de morte, também os empresários fazem propostas irrecusáveis de rescisões voluntárias aos trabalhadores.
Mas, outro é o problema, como gritaram os metalúrgicos de Buenos Aires:
— Ya no sólo queremos ganar un poco más de plata!
Trainee – Expressão em voga, como sempre, em inglês, significando “estagiário”, o recém formado em alguma coisa a quem se paga menos pelo mesmo serviço. Nesse caso, um estagiário em megapeleguismo.