Enclave das mineradoras transnacionais

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Enclave das mineradoras transnacionais

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Diversos protestos de norte a sul do Peru contra o Projeto Conga

Se tivéssemos que sintetizar o caráter da mineração na América Latina poderíamos assinalar em poucas palavras que se trata de uma atividade vendepátria, depredadora, racista e hiper-repressiva. Isso porque a forma com que está realizando a exploração dos recursos minerais nesta parte do mundo nos últimos anos tem as características mais retrógradas que converteram novamente os Estados latinoamericanos em tristes enclaves de mineração.

Em pleno século 21, vem sendo reeditadas velhas lógicas coloniais, com a particularidade de que agora os aparatos estatais empregam todos os recursos de suas democracias postiças para envernizar os negócios das mineradoras transnacionais com um halo cínico de legalidade, que pretende em vão ocultar a verdadeira função de agências facilitadoras da rapina imperialista.

Não se pode dizer outra coisa, se ao recapitular cada uma das muitas experiências de mineração latino-americanas encontramos recorrentemente o incremento da criminalização e a repressão de camponeses, indígenas e dos cidadãos urbanos mais pobres, que protestam e resistem ao despojo de suas terras e protegem os entornos naturais que tornam possível sua reprodução.

São empregadas leis antiterroristas,mata-se, fere-se, despoja-se uma população de suas terras. As pessoas são desprestigiadas pelos meios de comunicação, em contraposição a pretensos projetos modernizantes hipocritamente catalogados como de interesse nacional, para na realidade facilitar o saqueio dos recursos, numa cumplicidade com as mineradoras transnacionais em sua atividade depredadora do meio ambiente.

Façamos uma breve passada de olhos no que ocorre com a mineração em alguns países do continente.

Argentina

Entre 2003 e 2007, os projetos mineradores aumentaram 740 %, em meio a medidas repressivas ou consultas populares forjadas, como no caso de ESquel, na província de Chubut.

Paralelamente, a resistência mineira foi se incrementando, com vários setores populares organizando as denominadas Assembleias Cidadãs, organizadas na União das Assembleias Cidadãs (UAC), sendo que suas bases é que organizaram respostas a nível local.

No caso de “El Famatina”, uma das bases dessa organização enfrentou a transnacional Barrick Gold pela ameaça de exploração do morro que leva o mesmo nome. A repressão estatal ordenou um despejo violento das ruas bloqueadas, bem como criminalizou os ativistas.

Desde novembro de 2009, quando se formou a Assembleia El Algarrobo, até hoje, cerca de 50 pessoas foram processadas penalmente. Existe igual número de denúncias pela repressão em Água Rica. Mesmo sendo alheias aos interesses transnacionais, tais denúncias não foram arquivadas de fato, fazendo tabula rasa das leis.

Ante a combatividade das populações afetadas e ativistas, o Estado argentino se viu obrigado a efetuar certas restrições à atividade mineira, tais como o controle do emprego de certas substâncias químicas, assim como a específicas formas de extração e também a proteção dos glaciares de neves eternas.

Em Neuquén, vizinhos de Loncopué e indígenas mapuche da comunidade Mellao Morales se manifestaram contra um projeto de mineração chinês e automaticamente foram denunciados por exercer o direito de protestar em estradas.

Está claro que o Estado argentino protege os interesses das transnacionais em detrimento da população local, que defende seu direito à vida. transnacionales en desmedro de la población local que defiende su derecho a la vida.

Brasil

Um dos casos mais conhecidos é o da empresa de mineração Vale, transnacional com sede no Brasil que tem operações em mais de 30 países. É uma das maiores do mundo.

A Vale conta com o monopólio dos meios de comunicação, manieta a polícia e o poder judiciário, através dos quais exerce intimidação e estigmatiza como criminosas as populações que lhe fazem frente.

Em 2008, a Vale fez uma campanha pública atacando os movimentos sociais, rotulados como criminosos. Valendo-se de um meio informativo brasileiro para difundir uma suposta pesquisa cujo objetivo era associar a violência e o nível de conflito no campo e nas cidades com os movimentos sociais.

É notório que a Vale, num projeto de mineração no departamento (estado) de Cajamarca, no Peru, conta com um “exército” de mercenários que se arrogam o direito de reprimir a população local de Miski Mayo, assentada nas cercanias de seu projeto. Eles esbanjam prepotência e rebaixam a autoridade da polícia peruana.

Igualmente, a TKCSA – aliança de risco compartilhado estabelecida entre a Vale e a alemã Tyssen Krupp, a maior indústria siderúrgica da América Latina, empregou milícias privadas contra os pescadores do Rio de Janeiro que lutam contra os impactos das suas operações.

Em abril de 2010, a Vale denunciou ao poder judiciário de Açailândia, Maranhão, a Rede Justiça nos Trilhos, mencionando uma lista de organizações e cindo pessoas, que considerava como seus líderes, acusando-os de que iriam realizar ações com o propósito de causar danos financeiros à Vale. Ou seja, reclamando uma intervenção ou repressão prévia à realização de supostos atos, afim de frear um protesto denominado “Caravana Internacional dos Afetados pela Vale”, no contexto da realização dos debates sobre o Programa Grande Carajás e seus impactos negativos sobre as comunidades e trabalhadores.

Bolívia

Apesar do discurso de Exo Morales, seu demagógico “respeito” aos povos indígenas e à Pacahamama (Mãe Terra), a contaminação da água e demais entornos ambientais pela mineração é evidente. Sem que a autoridade estatal faça algo efetivo para deter os diversos projetos de mineração das transnacionais suíças, coreanas, japoneses e canadenses.

Mesmo com a localidade de Huanuni, no departamento (estado) de Oruro, declarada em emergência ambiental a pedido das comunidades afetadas, passaram-se três anos sem nada ser feito. Ou seja, se trata de um governo com discurso ecologista, sua normativa de proteção ambiental específica, e muitas outras coisas semelhantes, que mesmo assim, na prática, não passam de ilusões que jamais serão cumpridas, pois servem apenas de freio para conter os protestos sociais.

Os casos mais graves são encontrados no projeto de mineração Coro Coro, em Uyuni, da japonesa Sumitomo, que explora as jazidas de prata e chumbo de São Cristóbal. Isso apesar dos protestos do sindicato camponês Frutcas, que com a ajuda de nacionais e estrangeiros demonstrou a vulnerabilidade das águas subterrâneas que são açambarcadas pela transnacional em detrimento da agricultura e pecuária da região.

América Central

Nessa região a mineração contribui com os Estado nem com 1,5% de seus ingressos, informação que põe em evidência a falsidade do discurso das transnacionais da mineração que assinalam que seus aportes monetários geram desenvolvimento nos países.

Honduras conta com 36,9% das concessões da América Central, ou seja, cerca de um terço de seu território está sob concessão mineira. Na Guatemala, que tem mais de 30 mil km² – quatro vezes mais do que dizem os dados oficiais – há uma forte resistência popular contra as mineradoras, por parte das comunidades indígenas, que exigem ser consultadas antes da outorgação de concessões de mineração, o que é respondido pela máfia mineira com assassinatos de líderes indígenas.

El Salvador tem apenas 29 concessões outorgadas, que representam 2,35% do território concedido na América Central, não contando com projetos em fase de prospecção. A recusa do governo de El Salvador a conceder licenças de mineração foi questionada por uma empresa ianque e uma canadense ante o CIADI (Centro Internacional de Resolução de Disputas Relativas a Investimentos), que faz parte da estrutura do Banco Mundial.

A América Central, para cada 10 km² da região, 1,4 km² está nas mãos de mineradoras.

Equador

O governo de Correa expediu uma Lei de Mineração (2009) e a Lei de Águas (2010) sem atender as reclamações de populações camponesas e indígenas.

Uma das denúncias interpostas por uma mineradora pediu a punição de juízes que falaram a favor de pessoas opostas aos megaprojetos, para dessa maneira exercer pressão para revisão de suas atuações.

Além disso, se recorreu a ações cíveis da parte de uma empresa fundidora de metais com o fim de impedir ou retardar a aplicação da anistia a uma liderança local, fazendo com que fosse chamada a prestar uma confissão judicial, desconhecendo a resolução da Constituinte.

Colômbia

A principal exploração mineral é carbonífera, “El Cerrejón”. O segundo projeto é Cerromatoso, que extraí níquel e ferro-níquel. Tanto o carvão como o níquel são os principais minerais de exportação e estão sob controle de capitais britânicos.

El Cerrejón é a maior mina de carvão a céu aberto do mundo, abastece o mercado internacional com 33% do carvão térmico e sua produção constitui 95% do total da demanda européia.

As relações que quem controla este projeto de mineração com as comunidades Wayúu e afro-colombianas sempre foram conflituosas. De fato, em 1991, localidades como Caracolí e Espinal foram destruídas e reassentadas.

Os Wayúu também foram vítimas da violência pelo exército colombiano e por grupos paramilitares, no chamado massacre de Bahia Portete, em 18 de abril de 2004. O governo colombiano acusou guerrilheiros e narcotraficantes pelo massacre, mas moradores reconheceram soldados e paramilitares no dia do ataque. As empresas Anglo American, BHPBilliton e Glencore A. G. reconheceram que escolhiam o comandante do batalhão encarregado da segurança da mina Del Cerrejón.

Perú

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Em Yanacocha, Peru, o conflito acarretou muitos mortos e detidos,
sem falar nas terríveis consequências ambientais

Nos últimos anos irromperam interesses mineiros fundamentalmente nas cabeceiras das bacias hidrográficas da cordilheira andina, pondo em jogo ao redor de 9 bilhões dólares.

Existem múltiplos protestos sociais no norte, centro e sul do país ao longo da última década. As mesmas que foram reprimidas cruentamente, sendo o último caso ainda vigente, o do Projeto Conga em Yanacocha, Cajamarca. Lá o conflito acarretou muitos mortos, detidos torturados, pois no contexto de elevação dos preços internacionais da onça troy*, a exploração de jazidas de ouro se tornam amplamente cobiçadas pelos interesses transnacionais, sem falar nas terríveis conseqüências ambientais.

Pode-se também mencionar o conflito das comunidades camponesas das províncias de Ayabaca e Huancabamba, no departamento (estado) de Piura, que protestaram contra o assentamento do projeto Rio Blanco, impulsionado pela empresa Río Blanco Copper (antiga Majaz).

Na cidade de La Oroya, uma das dez mais contaminadas do mundo, o risco à saúde pública pelas emissões contaminantes do complexo metalúrgico de propriedade de Doe Run Peru é evidente, ainda que esta empresa insista em solicitar uma ampliação do prazo de cumprimento de seu Programa de Adequação e Manejop Ambiental (PAMA).

No Peru, a repressão, detenção de dirigentes locais, não apenas indígenas, é o pão de cada dia. O Congresso se deu a tarefa de emitir um pacote de leis que supercriminalizam o protesto social, considerando-o como ações terroristas. Para isso o corpo de promotores e juízes prestou um dócil trabalho para o Estado, situação vista durante o governo de Alan Garcia. Já com Humala, nada foi feito para evitar tal repressividade, pelo contrário, no caso Conga atuaou de forma assassina.

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*A onça troy é a medida utilizada para os metáis preciosos. Cada onça troy equivale a 31,103 gramas.

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