Encontro indígena decide: é hora de unir forças

Encontro indígena decide: é hora de unir forças

A expectativa dos povos indígenas com a eleição de Luiz Inácio em 2002, tornou-se decepção tão grande como da época da aprovação da nova Constituição, em 1988. Seus direitos entraram no texto constitucional, porém nunca foram regulamentados em lei, em razão do caráter de classe burguês-latifundiário e serviçal do imperialismo do velho Estado brasileiro.

A retomada de seus territórios, mais que nunca, será resultado de sua continuada e secular resistência, elevando-a a um novo nível de consciência e organização. Ou seja, da necessidade inevitável da luta política organizada, baseada na aliança com as classes exploradas e oprimidas do país, pela conquista de um novo Estado, um Estado popular e verdadeiramente democrático.

Neste momento, em que os povos indígenas se mobilizam na defesa do Rio São Francisco, no combate às transnacionais que roubam suas terras e as utilizam para cultivo de espécies que degradam o meio geográfico, diversas frentes da luta desses povos originários no território brasileiro se abrem vitoriosas.

Já em maio, nos dias 11 a 13, no município de Caucaia, região metropolitana de Fortaleza, o povo Tapeba realizava o seu 6° Encontro, promovendo um balanço do último período das atividades do Grupo da Terra e da Associação das Comunidades Indígenas Tapebas — Acita, que debateu a questão indígena, avaliou e definiu o planejamento para o próximo período.

Entre diversos convidados participaram ativamente do encontro representantes Guaranis e Tupiniquins. As discussões, de elevado nível e espírito combativo, contaram com o apoio e presença de entidades tais como Apoinme — Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.

Também convidadas, estiveram presentes organizações como o Núcleo de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoísmo e Movimento Estudantil Popular Revolucionário.

A principal decisão política foi a de que chegou a hora de unir todas as forças dos povos indígenas e aliados como a classe operária, os camponeses, intelectuais honestos, estudantes e personalidades progressistas para fazer uma grande ofensiva na luta pela retomada dos seus territórios.

Os debates sobre a questão indígena no Brasil, acompanhados pela reportagem de A Nova Democracia, buscaram enfocar não apenas o aspecto da etnia, mas acima de tudo o problema nacional, seus aspectos de nacionalidade e minorias nacionais, além do direito à autodeterminação dos povos e da emancipação das classes oprimidas — enfoque tergiversado desde sempre pela política oficial do Estado brasileiro, pela igreja, a academia, antropólogos e ONGs.

Ao final, concluiu-se pela necessidade de se aprofundar os estudos e estabelecer cientificamente um programa que expresse a real dimensão do problema indígena, sua união com as classes exploradas e oprimidas do país, rumo à Nova Democracia.

O mesmo inimigo

Os relatos apresentados no Encontro pelas nações Tapeba, Guarani e Tupiniquim evidenciaram que seu inimigo é o mesmo: o capitalismo, o imperialismo — o velho Estado brasileiro e seus governos, latifúndios, grandes empresas nacionais e transnacionais. E que os povos indígenas entendem ser sua resistência, embora com particularidades e graus diferentes, também a mesma.

Tapebas

Adelson, Lúcia, Bete e outras lideranças:

— Somos cerca de 5 mil tapebas em Caucaia, distribuídos em 17 aldeias. Várias delas são áreas retomadas por nós, como aqui a Lagoa 1 e a Capoeira. Nosso território era de mais de 30 mil hectares, acabaram reduzindo para 18 mil e hoje falam que é apenas de 4 mil.

Por isso decidimos não ficar esperando pela Funai e sim retomar a terra e fazer a demarcação com nossas próprias mãos.

O território tapeba foi invadido por ‘posseiros’* poderosos, a própria prefeita é posseira. Ela e a rica família Arruda, que tem atrapalhado e prejudicado o processo todo. Mas nós, que somos guerreiros, não vamos jamais baixar a cabeça para ameaça de posseiro.

Há alguns tapebas que ainda estão acomodados, que não enxergam a realidade, mas acreditamos que isso irá mudar dia a dia, porque eles estão vendo o avanço da luta e as vitórias obtidas. Temos que nos unir, todos, todos os índios, não somente os tapebas.

Tupiniquins

Jaguareté Tupiniquim, Aracruz, Espírito Santo:

— Nossa luta e nosso sofrimento são bem parecidos com os dos tapebas, de outros povos indígenas, camponeses, quilombolas, etc.

Desde 1960, com chegada da Aracruz Celulose no Espírito Santo, temos sofrido invasões, violências, coações e reduções em nosso território. Nossa terra correspondia a uma sesmaria, doada por D. Pedro a um chegado seu, com uns 70 km no litoral e 40 km de fundo.

Passamos a reivindicar a demarcação de 18 mil hectares, mas o governo de Fernando Henrique Cardoso nos traiu e reduziu para somente 7 mil. Hoje estamos brigando novamente pelos 18 mil.

O Lula também traiu, porque seu ministro da Justiça, o Márcio Thomaz Bastos, primeiro mandou a gente fazer um acordo humilhante com a Aracruz. Não aceitamos. Aí nos falou que a demarcação seria feita, que tudo seria resolvido até o fim de 2006, depois das eleições, mas nada aconteceu.

A luta dos povos indígenas tem que ser unificada. Os tapebas podem contar conosco. E dizemos mais aos tapebas: não desistam.

Não desistam nunca!

Guaranis

Werá Kwaray Toninho, em Aracruz, Espírito Santo:

— Somos em três aldeias guaranis e quatro tupiniquins, no Espírito Santo, com cerca de 2500 pessoas. Sobre a unificação, nós e nossos parentes tupiniquins temos travado, juntos, uma dura luta contra a empresa estrangeira Aracruz Celulose, que invadiu e tomou nosso território, no início de 1960.

Uma das coisas que diziam era que o guarani era andarilho, que não merecia terra demarcada, mas isso era um golpe. Quando entrou o governo Lula, que a gente respeitava, ficamos aguardando. Mas ele virou as costas para nós.

O governo tem que obedecer à Constituição, que manda demarcar as terras indígenas. Porém os latifundiários, empresas, juízes, deputados se aliam contra isso. E nós temos que reagir. A demarcação terá que ser feita, seja na ‘boa vontade’ ou na marra. Nossa paciência já se esgotou.

A Aracruz Celulose diz que chegou antes dos índios, que ali não havia índios. É mentira. Ali naquela terra estão enterrados os umbigos dos nossos antepassados !

Guaranis

Werá Tupã Leonardo, aldeia Morro dos Cavalos, Santa Catarina:

— Somos em 16 aldeias em Santa Catarina, com cerca de 1500 pessoas. No Morro dos Cavalos, há mais ou menos 200 pessoas. Todas as aldeias reivindicam a demarcação, mas até hoje apenas uma foi feita, a de Biguaçu.

O governo do Estado e os empresários se mobilizam violentamente contra as demarcações. Fazem pressão e manobras, como tem acontecido contra nós, do Morro dos Cavalos [Ver Tiro no pé, nesta matéria].

Quanto à unificação da resistência indígena, em Santa Catarina temos procurado atuar com nossos parentes dos outros dois povos [os índios brasileiros, de todas as tribos, se chamam de parentes]. Existe hoje uma organização guarani-xokleng-caingangue, através da qual lutamos juntos em certas questões, como a do atendimento à saúde.


* O que os tapebas chamam de posseiros são na verdade grileiros, grandes proprietários e especuladores. Em geral, a denominação de posseiros é empregada para caracterizar pequenos camponeses que ocupam terras e por longos anos a trabalham e vivem sobre elas.

Isso aqui é terra retomada!

O 6º Encontro foi realizado na aldeia Lagoa 1, um chão valentemente retomado dos latifundiários pelos valentes Tapebas.

— Estamos reunidos aqui numa terra retomada!

A frase, repetida mil vezes com orgulho, nada tinha de vaidade tola ou exagero. Pois imaginem um povo indígena, declarado extinto no século 19 através de um decreto provincial, por uma canetada, que consegue “refazer-se” como índio, começar a reconquistar parcelas de seu antigo território e organizar-se a ponto de poder realizar, agora, um encontro com a participação de representantes de outros povos.

O Encontro reuniu dezenas de pessoas, representando 12 das 17 aldeias Tapebas (muitas não puderam comparecer devido à distância e dificuldade de transporte), duas aldeias guaranis (uma do Espírito Santo e outra de Santa Catarina) e uma tupiniquim (do Espírito Santo).

Oito horas, momento de começar. Mas ninguém pegava o microfone e nenhuma palavra era dita antes que fosse feito o toré. Todos se deslocavam para o terreiro ao lado, onde as mangueiras davam uma sombra gostosa e se punham em roda. A dança do toré, em círculo, acompanhada por cantos, maracas (chocalhos) e tambor, foi a tradição mais forte que restou do massacre da cultura Tapeba.

Após a distribuição do mocororó, bebida fermentada de caju, que tem de passar um ano debaixo da terra antes de ser consumida, todos eram finalmente convidados a se sentarem na tenda-auditório.

Mais união, mais força

O último dia do Encontro foi dedicado ao Grupo da Terra, criado pelos tapebas para fortalecer suas ações. Houve debates, análises e uma avaliação do trabalho do Grupo, lida pelo presidente da Acita, Ricardo Weibe, cujos principais trechos foram os seguintes:

“O ano de 2006 foi um ano de avanços e crescimento da luta Tapeba e do Grupo da Terra. [O de] 2007 já se iniciou com mais uma vitória: a retomada da Capoeira (onde já está uma aldeia). O que temos percebido é que, cada vez, um número maior de comunidades está determinada a organizar a sua própria retomada.

Isto é muito bom e mostra que o Grupo da Terra pode avançar ainda mais. Quanto mais retomadas acontecerem, mais forte será o povo Tapeba e mais perto estaremos de Conquistar toda a nossa Terra. Mas o que precisamos fazer para impulsionar ainda mais a luta?

É preciso aumentar a união e a organização do povo Tapeba. A união é fundamental para demarcarmos nossas terras.

Mas não adianta ter só união para organizar as retomadas. Todos sabem que retomada é um movimento sério, que necessita muita determinação. Para uma retomada ser vitoriosa é preciso organização antes, durante e depois.

Para aumentar a união do povo Tapeba, achamos que é muito importante articular cada vez mais as ações do Grupo da Terra e da Acita. A Associação, estando à frente das retomadas, só torna mais forte o movimento, juntando mais forças para a Conquista da Terra.

Muitas vezes os órgãos, o governo e algumas ONG´s tentam dividir o povo, usam empregos e benefícios para essa intenção. Não podemos aceitar! É preciso passar por cima das pequenas diferenças que existem dentro do povo para nos unir em torno de nosso grande objetivo: a terra.

Muitas vezes as pessoas acham difícil ou se sentem fracas para participar de uma retomada. Mas é em pequenas lutas que as pessoas se preparam para lutas maiores, porque sentem a força do povo e da organização. Unidas e preparadas as pessoas sentem mais coragem para lutar.”

Tiro no pé

A revista Veja agrediu recentemente a aldeia guarani do Morro dos Cavalos (SC), com a publicação de uma matéria cheia de erros e preconceitos, afirmando, entre outras asneiras e mentiras, que aqueles índios eram “paraguaios” e que, portanto, não teriam direito ao seu território.

Levada pela mão do empresário Walter Alberto Bensousan, que afirma ser dono da área — que historicamente sempre foi dos guaranis, como confirmam relatos de europeus desde os anos 1500 — a revista tentou prejudicar o processo de legalização da terra, pelo governo federal.

“Mas deu um tiro no próprio pé”— afirmou Werá Tupã Leonardo à reportagem de AND. Ex-cacique e atual professor, ele participou do Encontro no Ceará. Ao contrário de se abater, segundo Werá, a aldeia mobilizou-se ainda mais em sua luta pela demarcação. Além disso, recebeu o apoio de um enorme número de povos indígenas e entidades juruás do Brasil inteiro (na língua guarani, juruá significa “branco”, o não-índio). Sem falar da solidariedade dos próprios moradores juruás das redondezas da aldeia.

A demarcação do Morro dos Cavalos deveria ter sido assinada pelo ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, até novembro de 2003. Mas a gerência FMI-PT acovardou-se frente aos poderosos de Santa Catarina, entre eles o governador Luis Henrique. E a portaria declaratória da demarcação não foi assinada até hoje. Porém, como disse Werá Tupã:

—Os guaranis não estão parados e a luta está cada vez mais forte.

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