Entrevista José Drumond Saraiva: Entrega e desestruturação do sistema Eletrobrás

Entrevista José Drumond Saraiva: Entrega e desestruturação do sistema Eletrobrás

Nos últimos anos têm ocorrido no Brasil situações impostas pelos governos que são, na verdade, casos de polícia, como a desnacionalização e entrega, quase que total, do setor elétrico brasileiro nas mãos de corporações internacionais.

Depois de desnacionalizar o sistema Eletrobrás e não cumprir com o papel proposto, que era a diminuição dos gastos públicos, melhorias na saúde, educação e outros, o governo aparece com contratações absurdas e contestáveis, que geram encargos de aumento de tarifas para a população, como a da energia emergencial.

Para falar sobre o assunto, entrevistamos o presidente da Federação Nacional dos Urbanitários, José Drumond Saraiva, que representa 66 sindicatos em todo o país, da área de energia elétrica, distribuição de gás canalizado, água, esgoto e meio ambiente, e juntamente com a Federação Interestadual dos Engenheiros, que agrega alguns sindicatos dos engenheiros. O Ilumina, que é uma organização civil, com sede no Rio, a Cope UFRJ e outras entidades, estão realizando em todo Brasil seminários para fazer essas denúncias.

Saraiva defende a interrupção imediata no processo de desnacionalização e o fim do mercado atacadista de energia, que faz com que as tarifas cresçam de forma astronômica, favorecendo a especuladores, voltar a ter um planejamento determinativo da expansão da energia elétrica no Brasil e recuperar as funções da Eletrobrás, que hoje está nas mãos de agentes privados.

No início dos anos 90 o governo federal iniciou um processo de reformulação do setor elétrico brasileiro. Na realidade este era a continuidade de um outro que visava à desnacionalização de praticamente toda a infra-estrutura nacional, e que resultou na privatização dos setores siderúrgicos, química e petroquímica, uma boa parte do setor elétrico nacional e de outras grandes empresas estatais de diversos setores da infra-estrutura nacional.

No caso do setor elétrico, começou em 1992, quando o governo federal incluiu no programa duas empresas do sistema Eletrobrás: a Light no Rio e a Excelsa no Espírito Santo.

Naquela oportunidade, quando por decreto incluiu essas duas empresas no programa, ele contratou consultores nacionais e internacionais para fazerem um projeto de desnacionalização de todo o sistema Eletrobrás, que é composto pela própria Eletrobrás; por Furnas (que é responsável pela geração e transmissão de energia elétrica na região sudeste); Eletronorte (na região norte); Chesf (na região nordeste) e pela Eletrosul (na região sul e centro-oeste).

Para se ter uma idéia do que ocorreu com a Eletrobrás, hoje o Cetel, Centro de Pesquisa de Energia Elétrica do País e da América, pertencente a ela, está completamente abandonado.

A Excelsa foi entregue ao capital estrangeiro em 95, a Light em 96, e os governos estaduais, como aderiram a esse programa governamental maior, começaram a desnacionalizar as suas concessionárias estaduais de energia elétrica.

Esse processo ganhou corpo na segunda metade dos anos 90, depois que o Congresso Nacional promulgou a lei de concessões e um grande número de leis permitiu avançar no processo de desnacionalização do setor elétrico nacional.

Aqui no Rio,além da Light e a Cerj, que era do governo estadual, foram desnacionalizadas uma série de empresas
estaduais de energia elétrica

Em 1998, o governo federal conseguiu vender o parque gerador da Eletrosul. Para isso, primeiro dividiu a empresa, criando uma de geração e outra de transmissão e em seguida vendeu a de geração, por menos de um bilhão de dólares, para um grupo belga.

Junto com esse processo de desnacionalização, que praticamente fez com que toda distribuição de energia no país, praticamente 90% das empresas que distribuem energia elétrica, fosse entregue ao capital internacional, o governo começou a implantar o seu novo modelo, dizendo que a energia elétrica deveria ser tratada como uma comoditie qualquer como a soja, o grão ou o café. Além disso, se introduziria no sistema elétrico brasileiro um modelo que eles chamam de competitivo, como tudo do trajeto neoliberal, que crê no mercado regulando todas as transações de bens e de serviços.

Então começaram a implantar o novo modelo, que na verdade é um processo de desestruturação do setor elétrico nacional. A Eletrobrás contratou uma consultoria internacional. É uma empresa inglesa, que estabeleceu o restante das bases para introduzir o novo modelo, que, basicamente, diz ter que haver competição na geração de energia elétrica, ou seja, não precisa se estabelecer programas centralizados para a geração de energia e sim ter uma determinada usina a explorar, colocá-la para licitar e quem oferecer o melhor preço leva e se responsabiliza pela sua construção.

Potencial hidroelétrico por região geográfica (MW)
Fonte: A implosão do sistema elétrico nacional, de Eduardo Chuahy

Todo esse modelo, que é baseado em princípios completamente diferentes dos que deram origem ao parque nacional de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, foi baseado nesta proposta de introdução da competição no segmento de geração e comercialização de energia e isso resultou efetivamente no início de um processo de desestruturação de uma coisa que funcionava bem.

No Brasil o setor elétrico, assim como outros da economia, estava trabalhando muito bem. A partir das décadas de 40/50, o setor cresceu e criou um sistema mundialmente conhecido, como único no mundo, de usinas interligadas.

O sistema elétrico brasileiro é totalmente integrado, o que favorece, por exemplo, que uma usina produza mais energia de uma parte do país, para cobrir aquela que está em falta. Todo o planejamento do setor foi desestruturado. Ele era coordenado pela Eletrobrás e se poderia ter a exata dimensão do que construir, o que era mais importante e mais barato e isso acabou.

A Eletrobrás, que coordenava essa operação interligada do sistema, parou de fazê-lo em favor de uma nova entidade, privada, mas com dinheiro público, porque foi a Eletrobrás quem botou dinheiro para montá-la, chamada ONS – Operador Nacional de Sistema, hoje responsável pela operação interligada.

O novo modelo de governo compara a energia elétrica, um setor essencial da economia, como a soja ou o café

Se fizermos uma análise, podemos verificar que depois de todo esse processo, ainda em andamento, tivemos tarifas aumentando extraordinariamente. Hoje qualquer consumidor residencial do Rio de Janeiro, por exemplo, paga tarifas mais altas do que as que são cobradas em Paris, sendo que a Light é controlada por uma empresa francesa.

Todo o processo de desnacionalização foi vendido para a sociedade através da idéia de que o Estado era elefante, feio e pesado, com muitos gastos, e que isso seria resolvido. Diziam que melhoraria a educação, saúde e diminuiria a dívida pública. Hoje, vemos exatamente o contrário: a dívida só aumentou e a saúde e a educação não melhoraram absolutamente nada.

Além disso, vimos uma demissão em massa dos trabalhadores. Só no setor elétrico brasileiro, entre 1990 e 2002, nós perdemos aproximadamente 150 mil postos de trabalho. Houve também a deterioração dos serviços e algumas, após a privatização, pioraram o tratamento dado à mão-de-obra, com a terceirização e quarteirização.

A expressão máxima desta confusão gerada por todo esse processo, foi o racionamento de energia elétrica, de junho de 2001 até fevereiro de 2002. Eles diziam que o que interessava era a competição, a ampliação do investimento para gerar mais energia, só que a competição foi estabelecida e não houve investimento, a não ser o que foi usado para comprar empresa estatal a preço de banana.

O racionamento de energia foi causado pela adoção deste novo modelo competitivo, enquanto ninguém se interessava em colocar em funcionamento uma nova usina, uma linha de transmissão.

Além do capital privado não entrar na geração de energia, como diziam que aconteceria, proibiram as empresas estatais de investir, porque o Fundo Monetário Internacional dizia que investimento era gasto público e isso aumentaria o déficit público, portanto não podia ser feito.

O setor elétrico brasileiro funcionava em sistema de cooperação,único no mundo.Isso começou a ser jogado fora com a implantação do novo modelo, importado com a desnacionalização

Como não entrava nenhuma usina nova, a água que servia para movimentar as turbinas nas diversas usinas começou a ser usada de forma ostensiva, chegando ao momento em que desapareceu dos reservatórios.

Isso aconteceu por ter sido usada de maneira predatória, porque todo esse complexo de usinas brasileiras é feito de tal maneira a garantir, mesmo em época de seca, cinco anos de funcionamento normal. Mas, para isso, deve-se construir novas unidades, a fim de regularizar o fluxo de água e todo o sistema.

Como geralmente sobra para o povo, a população foi chamada a economizar luz durante oito meses e por conta disso, as empresas de distribuição começaram a dizer que perderam dinheiro e teriam que ser recompensadas pela energia que não foi consumida.

O governo federal, então, abriu os cofres públicos e deu seis bilhões de reais para essas empresas. A questão é que esquecem de dizer que, em primeiro lugar, essa perda é contestável e o valor, até o momento ninguém explica de onde foi tirado, e em segundo lugar, elas são co-responsáveis pelo racionamento porque estava previsto por eles, já que participam do Operador Nacional do Sistema. Este tinha feito vários relatórios dizendo que o racionamento aconteceria e elas não fizeram absolutamente nada. Além disso, essas empresas têm a responsabilidade de fornecer energia, não interessando se a tem ou não em quantidade suficiente.

Como se não bastasse, o governo aumentou as contas de luz das residências em 2,9% e das indústrias em 7,9%. Ou seja, são consumidores que, além de ficar sem energia, pagam pelo suposto prejuízo das empresas, que teriam que investir e não o fizeram.

Mas isso não basta, essa não é a única maracutaia. Quando acabou o racionamento, todos já sabiam que não mais faltaria energia em 2002, e com perspectiva de não faltar também em 2003, o governo contratou a energia emergencial, que aparece na nossa conta e nem notamos, por ser centavos. Entretanto, quando se junta um pouquinho de cada consumidor, chega-se a uma grande quantia.

Para contratar essa energia emergencial, o governo criou uma empresa estatal chamada CBEE — Cia de Comercialização de Energia Elétrica, terceirizadora de energia, com sede em Brasília. Depois contratou, sem licitação, 29 empresas, em sua maioria internacionais, e alugou usinas termelétricas a óleo combustível e diesel, para ficarem paradas, a maior parte nas regiões norte e nordeste do país.

A idéia é entrarem em ação no caso da falta de energia, mas, só para alugar, ou seja, deixa-la parada aguardando, sem gerar nada. Foram seis bilhões de reais, que o povo está pagando em centavos. Caso venham a produzir, serão mais seis bilhões.

Devemos lembrar que o preço de implantação de uma usina dessas, quer dizer, construir a usina e ficar com ela, é de 1.200 mil reais (kWh) aproximadamente, enquanto que para se alugar, que é o caso, e no final de 40 meses o dono pegar tudo e levar para outro país, é de 3.600 mil reais (kWh). Três vezes mais.

A situação é caótica e já virou até bagunça. Basta dizer que no Maranhão havia uma empresa de distribuição chamada Cia. Energética do Maranhão, foi vendida ao capital internacional, em 2000. O ridículo é que a empresa compradora, PPL americana, alegando que teve prejuízo, está querendo passá-la adiante.

Ora, isso é um absurdo, pois quando se assina um contrato de concessão, tem valor por 25/30 anos e não se pode devolver a empresa, caso não se consiga lucro rápido.

O programa de governo para implantação das termelétricas é outro destinado ao fracasso, já que não se discute os pontos fundamentais para o seu bom funcionamento, como a verificação das possíveis maracutaias que estejam ocorrendo nessas construções. A do gasoduto entre São Paulo e a Bolívia, por exemplo, tinha o envolvimento de uma empresa americana metida em falcatruas no mundo inteiro.

A Petrobrás construiu o gasoduto e não tem como usufruir, tendo que pagar de uma maneira ou outra pelo gás, mesmo não o consumindo.

O governo sabe que a manutenção da hidroeletricidade, como base do setor elétrico nacional, não favorece o modelo que eles querem implantar, porque o sistema hídrico brasileiro apresenta características bem particulares e que não foram feitas para esse tipo de modelo, que chamam de competição. Então, uma maneira de se introduzir novos agentes nesta competição maluca é a implantação de grandes termoelétricas.

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