Enxurrada de leis antipovo

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Enxurrada de leis antipovo

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A atividade dos parlamentares brasileiros é de dar inveja a congressistas de outros países. Considerando que eles só trabalham, no máximo, três dias por semana, a quantidade de Projetos de Lei (PL) e de Emenda Constitucional (PEC) que eles fazem é enorme. A maioria, claro, antipovo. Dentre elas, leis que aumentam o raio da repressão e transferem recursos públicos ao latifúndio.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/44/09.jpgOs Projetos de Lei e de Emenda Constitucional são das mais variadas naturezas. Uma coisa não se pode negar: imaginação os parlamentares brasileiros têm de sobra. Há propostas para instituir o Dia Nacional do Reggae e o Dia da Fé Cristã — com todo respeito aos apaixonados pelos dois —; proibição de adoção de criança por casal do mesmo sexo e até a obrigatoriedade da inscrição da bandeira nacional (Ordem e Progresso) em todos os uniformes escolares da rede pública. Em que pese o aspecto engraçado, há propostas graves, que representam verdadeiros crimes contra o povo e contra o Brasil. Vejamos algumas.

Cartões Corporativos

No início de junho, o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) apresentou o relatório da CPI dos cartões corporativos. Todos os ministros envolvidos no escândalo foram isentados de qualquer culpa. Para ele, trataram-se apenas de "equívocos". Agora, tramita no Congresso o Projeto de Lei 3296/2008, apresentado pelo deputado Davi Alcolumbre (Dem/AP) em que o deputado propõe que o cartão corporativo seja de uso exclusivo de Ministros de Estado, agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal. Cabe lembrar que os principais acusados de uso irregular do cartão foram funcionários de alto escalão.

Mais gente na partilha do roubo

Há quem acredite que cada gerente que suba à presidência deva ter um longo período no governo. Pelo menos esse era o entendimento do deputado Felipe Pereira (PSC/RJ) quando propôs a PEC 257/2008. O projeto estabelece o mandato presidencial por seis anos, com possibilidade de reeleição. O deputado afirma que um mandato de seis anos é o tempo adequado para a implantação de um plano de governo e que esse tempo é necessário para o acompanhamento da execução das políticas públicas. Como se com mais tempo os governantes fossem fazer mais coisas pelo povo… O que se deve esperar é justamente o contrário.

E o arsenal de disparates não pára por aí. No final de maio, os deputados aprovaram, em primeiro turno, o aumento do número de vereadores. Agora cidades com até 15 mil habitantes terão nove vereadores e cidades com mais de oito milhões, 55. A lei (PEC 333/04) aumenta o número de vereadores de 51.748 para 59.791. Ainda haverá uma segunda votação e a medida, se aprovada, não valerá nas eleições deste ano. Agora os parlamentares querem mudar a Constituição para permitir que aqueles que são empresários possam celebrar negócios com o governo. A proposta é do deputado Francisco Tenório (PMN/AL) e tramita sob o número PEC 256/2008.

Aos latifundiários

Quando se fala em fazer leis que agradem aos latifundiários, os congressistas brasileiros são experts. O deputado Bruno Rodrigues (PS DB/PE) apresentou o PL 3275/ 2008, que isenta do pagamento do Imposto Territorial Rural os imóveis que estiverem localizados em municípios com Índice de Desenvolvimento Humano menor do que 0,7. O projeto é concebido como um benfeitor dos pobres, já que beneficiará municípios com baixo desenvolvimento. Na prática essa medida vai beneficiar uma grande gama de latifundiários, que detêm mais da metade das terras do país, em cerca de 2.500 municípios. Além disso, o latifúndio é o principal fator pelo qual o IDH desses municípios é tão baixo. Fossem pequenas propriedades, os camponeses e o comércio das cidades estariam em franco progresso.

E o último mês trouxe mais uma medida que beneficia aos latifundiários. O que já era ruim para os trabalhadores, ficou ainda pior. A MP 410/07 ganhou novas emendas. Uma delas permite a contratação sem a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CT PS). O empregador passa a ter o direito de escolha na formalização da relação de trabalho, podendo ser a mera anotação em livro de registro. Tal medida desprotege por completo os trabalhadores. Se com a obrigatoriedade da anotação na CTPS já se cometem vários crimes contra o trabalhador, a situação deve piorar após esta lei.

Redução de impostos para o patrão

O deputado Manato (PDT/ES) quer realizar um dos maiores sonhos do patronato brasileiro. Ele apresentou a PEC 248/ 2008, que extingue a contribuição paga pelos patrões à seguridade social. Com essa proposta, fica proibido qualquer tipo de contribuição do empregador que incida sobre a folha de salários. Os patrões ficam completamente isentos de participar do financiamento da previdência social, enquanto o trabalhador continuará a contribuir. Esta proposta tramita junto a outra, da mesma natureza. Trata-se da PEC 242/ 2008, do deputado Luciano Castro (PR/ RR), que também propõe a extinção da contribuição previdenciária patronal e cria Imposto Único sobre as movimentações financeiras para financiar a previdência social.

Mensalidades nas IFES

Já houve várias tentativas de instituir a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. A PEC 239/2008, do deputado Luiz Carlos Busato (PTB/RS), que tramita junto a outra de 1995, a PEC 123/ 1995, é mais uma delas. Na PEC, o artigo que garante a gratuidade do ensino excluirá o ensino superior. Segundo a proposta, a cobrança das mensalidades será feita de modo proporcional à capacidade de pagamento dos estudantes, admitida também a prestação de serviço como forma de pagamento.

Para o deputado, esta medida terá impacto redistributivo, não será de causar espanto se ele mesmo não apelidar a PEC de Peter Pan. Ele defende a medida, afirmando que ela poderá contribuir com o aumento de verbas para as universidades, custeando a permanência dos estudantes de baixa renda e as atividades cotidianas das instituições. O que o deputado defende, mas não tem coragem para afirmar claramente, é que serão os estudantes que farão o papel do governo, financiando o ensino superior.

Esterilização

Uma das propostas mais reacionárias apresentada nos últimos meses é o PL 3326/2008, de autoria do deputado Neucimar Fraga (PR/ ES). O parlamentar propõe a esterilização de homens e mulheres a partir dos 18 anos, que já tenham pelo menos um filho vivo. Para ele isto é planejamento familiar. O deputado deve ser mais um dos que pensam que o problema da criminalidade e do desemprego vai ser resolvido quando as mulheres pobres forem esterilizadas, idéia tão em voga atualmente.

Vigilância

Sob a desculpa de proteger a população, o deputado Vic Branco (DEM/PA) propôs lei (3279/2008) que obriga todos os edifícios comerciais e residenciais a instalar em suas áreas comuns um sistema de monitoramento com câmeras de segurança e gravação de imagens. Esta medida fere gravemente a privacidade do povo. A deputada Solange Amaral (DEM/RJ) também propôs medida que segue na mesma linha. A PEC 255/2008 iguala a Guarda Municipal à Polícia Militar e Polícia Federal, ou seja, permite a utilização de armas e outras formas de repressão em cidades com mais de um milhão de habitantes.

Renegociação beneficia latifundiários

Em 28 de maio, Lula assinou a Medida Provisória 432/08. A MP renegocia R$ 75 bilhões do saldo devedor dos ruralistas, que representa 85,7% da dívida do setor, avaliada em R$ 87,5 bilhões. O governo afirma que a renegociação é necessária para "reorganizar o setor" e enfrentar a crise dos alimentos.

A MP possibilita as seguintes ações: redução dos juros das parcelas vencidas e não pagas; concessão de prazo adicional para o pagamento; redução das taxas de juros; descontos para os pagamentos realizados nos próximos dois anos. Quase todo esse montante atenderá aos grandes latifundiários.

Não é a primeira vez que algo desse tipo é feito pela gerência do velho Estado brasileiro. Só Luiz Inácio já expediu outras duas MPs da mesma natureza em anos passados, prática herdada de gerências anteriores. Esta é mais uma prova das relações do latifúndio com o velho Estado semicolonial brasileiro.

Sem dúvida, a renegociação das dívidas é fruto da pressão exercida pela bancada ruralista e, mais do que isso, do compromisso assumido por Lula, desde o início de sua gerência, com os latifundiários. Compromisso esse expresso não só pela renegociação, mas por outras medidas, seja na esfera econômica ou ambiental e também na repressão aos movimentos populares no campo.

A necessidade gritante da renegociação das dívidas dos grandes ruralistas mostra o quão fajuto é o argumento de que são os latifundiários os grandes salvadores da pátria, os que garantem — com a exportação das commodities — o superávit primário. A força do agronegócio brasileiro não passa de maquiagem mal feita. Como um setor que vive, atualmente, uma alta geral de preços pode estar endividado?

Formalmente a renegociação atinge beneficiários da reforma agrária, produtores familiares, pequenos, médios e grandes produtores, além de cooperativas e empresas agrícolas. Ela vai custar cerca de R$ 7 bilhões ao Tesouro Nacional.

Para Pedro Christoffoli, agrônomo e integrante da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil, os pequenos e médios produtores entraram na negociação apenas como bucha de canhão. Para ele, se usa o argumento de ajudar os pequenos, mas na verdade esta MP vai dar grandes regalias aos latifundiários, uma vez que a maioria do dinheiro deve ser destinada à renegociação das dívidas dos grandes produtores.

Governo planeja novo imposto

O Congresso está votando o Projeto de Lei Complementar 306/ 2008, que regulamenta os recursos para a saúde pública. O Projeto prevê que a União, Estados e municípios destinem 12% de sua arrecadação para a saúde. A base governista no Congresso propôs a criação de um novo imposto para financiar os recursos para a saúde, a Contribuição Social para a Saúde (CSS). A proposta é do deputado Pepe Vargas (PT/RS).

A CSS tem os mesmos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) que incidia sobre todas as movimentações bancárias, exceto negociação de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas-correntes de mesma titularidade, e tinha alíquota de 0,38%. A contribuição extinta foi no final do ano passado.

No lugar da CPMF, o governo tratou logo de aumentar o valor da alíquota e a incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Passaram a pagar IOF o saldo devedor do cheque especial e as remessas de lucro para o exterior. O aumento foi de 0,38% nas alíquotas dos empréstimos pessoais, uso do cartão de crédito no exterior, crédito consignado, remessas de lucro ao exterior e demais operações de câmbio, seguro de bens, pessoas e saúde, e o crédito direto ao consumidor (CDC).

A CSS, se aprovada, terá alíquota de 0,1% (para começar) e incidirá sobre movimentações financeiras, sejam de débitos ou a crédito, pagamentos e transmissão de valores. A estimativa da Frente Parlamentar é de que a cobrança da CSS gere R$ 20 bilhões ao governo. A base governista está trabalhando para que a CSS seja aprovada, já que Lula afirmou que não assinará a lei que regulamenta a verba da saúde se não houver especificação da fonte financiadora, leia-se criação de novo imposto.

Não há argumento que justifique a criação de um novo imposto. Mesmo com a extinção da CPMF, o governo continuou batendo recordes de arrecadação. Nos quatro primeiros meses deste ano, o governo arrecadou 12,56% a mais do que no mesmo período do ano passado, quando a CPMF ainda vigorava. No início de junho também anunciou destinação de cerca de R$ 9 bilhões à renegociação das dívidas do setor agrícola.

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