Escolas do desemprego

Escolas do desemprego

No último 29 de junho, o Instituto de Educação do Rio de Janeiro*, paralisou completamente suas aulas e os estudantes deram mais uma prova de combatividade indo às ruas de mãos dadas com os trabalhadores da frente do ensino. No dia 26, entre faxineiros, merendeiras e inspetores que serviam da creche ao ensino superior, ocorreram 26 demissões. O governo estadual mandara eliminar 25% das despesas com pessoal, pouco se importando como os trabalhadores iriam se sustentar com suas famílias.

O servente: como descobrí-lo

Às mesas limpas
ninguém presta atenção
porque João só existe
quando não aparece
à repartição
Alberto Cunha Melo
(Jaboatão, 1942), sociólogo, poeta da geração 65 — Recife, PE. Noticiário, Edição Pirata. Recife, 1970.

Os demitidos são os trabalhadores da atividade meio, ou seja, lotados na parte destinada à administração estutural, sem os quais as atividades pedagógicas propriamente ditas não podem ser realizadas. Tanto quanto os professores, técnicos e os alunos, são eles também os atores sociais do ensino.

Para os desavisados, logicamente esses trabalhadores,que recebiam em média um salário mínimo, nada têm a ver com o ambiente escolar, em particular com o instituto que forma professores porque, acresce, eram "terceirizados", até chegada a hora da demissão dos mais remediados.

Foram 26 os demitidos, gente que, graças a um subterfúgio na legislação, se diz não terem direito a férias remuneradas, 13o salário, seguros, aposentadoria, nem mesmo as miseráveis garantias trabalhistas sobreviventes aos períodos do gerenciamento militar e o atual momento de esplendor do oportunismo. São trabalhadores super-explorados por "cooperativas" dirigidas quase sempre por vigaristas políticos, tecnocratas ou imundos especuladores de força de trabalho ligados à gestão da vez na administração pública.

Como sempre acontece, nem a direção do Instituto, nem a Faetec (fundação que administra as escolas técnicas do Estado), nem o próprio governo do Estado quiseram assumir sua responsabilidade, em troca, culpando-se uns aos outros. Para esses não conta o caso da inspetora Patrícia, por exemplo, que, com mãe e dois irmãos, tem que sustentar uma casa aonde estão todos desempregados. Há também uma Tia Zezé. Aos 70 anos de idade, trabalhava ali para completar os ganhos com o seu trabalho , uma quantia mínima em dinheiro que possibilitasse seguir vivendo com sua família. Agora, está desempregada. E pelo seu resto da vida, ao que parece.

Ao final, as falsas autoridades, quando acossadas pela lógica dos que trabalham, dizem sempre: "Isso não é com a minha área". O racionamento de guerra (privação para os trabalhadores em função do lucro máximo para os exploradores) é, sem dúvida, o ponto onde se apóia o modelo econômico.

O professor Ubiratan Viana, diretor do Instituto, não foi eleito, é interventor, e colocado no seu posto exatamente para ser o representante do governo do estado; a presidência da Faetec, da Sra Terezinha Lameira, tem em seu currículo, dentre outras coisas, ter processado criminalmente cinco professores neste ano por serem acusados de atuação numa greve! O governo do Estado diz cortar verbas para cumprir a lei de responsabilidade fiscal, mas nada o impede de aumentar o orçamento da polícia e gastar milhões em propaganda com o famigerado casal Garotinho.

Questão de classe

Os assalariados que se dedicam à manutenção da infra-estrutura são, portanto, imprescindíveis no ambiente do ensino, tanto quanto os que se consagram às atividades intelectuais própriamente, entre os trabalhadores do magistério e os técnicos.

A revolução técnica e científica, que vem atravessando os séculos, aumentou o papel e a importância numérica dos professores e técnicos. A partir de uma fase de desenvolvimento da sociedade, o modo de produção capitalista transformou a maioria dos intelectuais em assalariados, situação que se cristalizou na fase mais decadente do capitalismo, o momento presente do imperialismo, onde as relações de exploração são levadas às últimas consequências. Essas condições impelem objetivamente professores e técnicos, como a intelectualidade de uma maneira geral, a se aproximarem dos demais trabalhadores — não apenas os que estão indiretamente ligados à produção, mas principalmente os operários e os camponeses.

A união dos profissionais

Como imaginar a creche funcionando a esmo, sem qualquer tipo de assistência? Salas de aula, salas destinadas à diretoria, à assistência pedagógica, cozinha etc., sem manutenção ou vazias de atividades eram coisas inimagináveis antes de abril de 1964. A partir daí, uma crescente decadência e anarquia vão se alastrando pelos ambientes de trabalho. Restam aos profissionais de diferentes categorias se unirem, o que de fato vai se desenhando, para defender condições de vida como as de trabalho, mantendo às duras penas suas atividades profissionais.

No caso do Instituto, a solidariedade feita das mais justas reivindicações entre os que trabalham vai se associando à defesa do próprio ensino. Não o daquele que, caduco, se desmorona, mas o que surge do antigo e força as paredes da velha sociedade; uma negação que implica na afirmação de algo novo. Mais importantes serão esses trabalhadores que um corpo diretor distante das pessoas e da realidade!

O papel do sindicato

Neste ano, ocorreram greves em todos os setores do ensino no Rio de Janeiro sem que, no entanto, nenhuma grande vitória tenha sido obtida. No entanto, o governo não se mostrou mais forte que os trabalhadores. Enquanto os trabalhadores na frente do ensino rebelavam-se contra a exploração — e juntando sua voz aos dos estudantes e professores contra o desmantelamento do ensino público — os sindicatos se recusaram a ocupar salas de aula com assembléias e as ruas com ações concretas, priorizando um sólido trabalho de base e atraindo à greve a parte menor que se mostrava vacilante e colocar as negociações a reboque da luta e mobilizações concretas. Mas, principalmente, faltou romper ilusões com as direções ligadas aos partidos representantes da falsa ("nova" ou velha esquerda), da situação ou "oposição", mas que se igualam no discurso oportunista.

O momento não é fácil, a greve foi muito dura, mas não é com desânimo que se supera as dificuldades! As demissões atingem todo o Estado. A Apefaetec — associação do profissionais de educação da Faetec, não poupa letras, se omitiu vergonhosamente.

Vivemos num país aonde a maior parte da mão-de-obra não possui carteira assinada ou qualquer direito tabalhista (ao que a reação e seus colaboracionistas chamam de "informalidade") e enquanto os sindicatos permanecerem restritos às reivindicações defensivas e parciais, sem se propor organizar essa imensa massa de milhões de homens e mulheres que hoje se encontram até mesmo excluídos das batalhas econômicas no seio de suas próprias categorias, não há vitória que possa ser atingida.

Da parte dos estudantes, o ato realizado no Instituto foi ainda modesto, mas dele podemos já tirar um exemplo a seguir. Os estudantes se levantaram porque todos ali são filhos de trabalhadores e amanhã poderão ser eles os funcionários demitidos, os grevistas processados, o povo a ser perseguido. Já é hora do movimento estudantil sair do pântano do oportunismo e retomar o luminoso caminho de estar na linha de frente na luta pelas transformações sociais de que tanto necessita nosso país, pelas quais tanto sangue já derramou nossa gente.


*Instituto de Educação — Nome completo: Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro — Iserj, ligado à rede da Faetec — Fundação de Apoio à Escola Técnica. O Instituto, Rua Mariz e Barros, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, é um dos colégios mais tradicionais da cidade. Fundado em 1880 por Dom Pedro II como Escola Normal, o colégio ganhou fama em meados do século XX por ser uma escola feminina de formação de professoras de primeiras letras, que alfabetizavam e acompanhavam as turmas das escolas públicas. Durante o gerenciamento militar a Escola Normal entrou em decadência, de 1965 a 1968.

Estrevista:

 Isabela Covas

17 anos, aluna do 3° ano do Iserj

AND — Os funcionários vêm tendo interferência na atividade de ensino?

— Há uma interferência decisiva. Do servente ao diretor, têm todos a mesma importância. Afinal, sem os funcionários, quem garantiria a manutenção da escola, as condições necessárias ao desenvolvimento das atividades dos alunos e professores?

AND — Como os estudantes se relacionam com os trabalhadores e como se comportaram ao saber das demissões?

— No geral a relação é excelente. As demissões serviram, de certa forma, para que todos percebessem a importância dessas pessoas para a escola. Também serviu para alertar sobre a situação de vida difícil que essas pessoas levam, recebendo tão pouco pelo que fazem. Como o ISERJ é um colégio público, a maioria dos estudantes protestou, porque, inclusive, seus pais trabalham em situações parecidas. Por tudo isso a revolta foi geral.

AND — Qual a atitude da direção frente ao acontecido? E dos demais professores e funcionários não envolvidos diretamente no processo?

— O tempo inteiro a direção se mostrou "fria", indiferente. Deu informações contraditórias (culpou, ora o governo, ora as próprias cooperativas pelas demissões) e não conseguiu convencer. Quanto aos professores e funcionários, mostraram-se indignados com as demissões e solidários com a nossa mobilização, mas não fizeram quase nada de concreto. Acho que por medo de perseguições.

AND — Os estudantes demonstraram disposição em levar a luta até o fim?

— Embora mais pessoas pudessem ter participado, as que estavam lá se mostraram dispostas. O ato também serviu para mostrar a nossa força, pois rapidinho a direção quis negociar conosco. O fato da mobilização ter sido na escola também facilitou, porque todos se sentiram mais próximo de sua realidade.

 Haroldo Teixeira

presidente do sindicato (Apefaetec)

AND — O Apefaetec representa o conjunto dos funcionários terceirizados ou há um sindicato específico que responda por esses trabalhadores?

— No seu congresso da fundação, em 2001, a Apefaetec levantou essa discussão e ouve uma corrente que propôs que a associação representasse mesmo os não concursados, mas a proposta foi derrotada. A Apefaetec, portanto, representa apenas os efetivados.

Há cerca de dois anos esses funcionários terceirizados tentaram fundar seu próprio sindicato: a Astra-Faetec (associação dos trabalhadores da Faetec). Mas, provavelmente devido à ameaça constante de demissão, esta associação não vingou.

AND — Qual a política da ApeFaetec face às contratações por "cooperativas"? E face as demissões?

— Somos, por princípio, contra a contratação de funcionários não concursados para as escolas. Além de ser um passo no sentido da privatização, também é um golpe no sindicato e nas mobilizações da categoria, porque, por medo de perder o emprego dificilmente os terceirizados tomam parte dos movimentos mais combativos.

Quanto às demissões somos contra, é claro. Todas aquelas pessoas só se submetem a essa situação porque precisam. No entanto, não serão substituídas por concursados. Uma situação duplamente absurda, porque há pela Faetec funcionários aprovados em concurso, mas que trabalham para essas cooperativas, já que, até hoje não foram chamados pelo governo. Temos a informação que, por exigência do ministério público, até primeiro de janeiro de 2007 todos contratados serão dispensados.

AND — Quais as "cooperativas" que prestam serviço à Faetec hoje? Qual a condição de trabalho destes terceirizados?

— Não sei te informar, sinceramente, quais são essas cooperativas. Quanto às condições de trabalho o que sabemos é que, primeiro, não são cooperativas de fato, pois as relaçoes ali são de patrão-empregado. Esses funcionários não possuem carteira assinada, os salários vem constantemente atrasados e mesmo o vale transporte. O único vínculo formal que possuem é o contra cheque.

 Rodrigo Lychownski

professor de Direito Trabalhista na Universidade Estadual do Rio de Janeiro

AND — A lei permite a livre contratação de funcionários não concursados em repartições públicas? Sob que condições?

— A efetivação só pode ocorrer mediante aprovação em concurso público (Constituição Federal, Art. 37, parágrafo 2°). No entanto, a Lei 8666/93 regulamenta a contratação de empresas prestadoras por meio de licitação. Caso as prestadoras de serviço em questão sejam cooperativas de fato estas, não estão sujeitas à CLT, mas a um regime diferenciado.

AND — Para um trabalhador que não tem carteira assinada resta alguma lei que o proteja?

— Ainda assim, sem dúvida, a legislação trabalhista se reporta aos direitos, mesmo daqueles que não possuem carteira assinada. Para um trabalhador ter o seu vínculo empregatício reconhecido e, portanto, todas as garantias legais que daí recorrem, basta levar seu contra-cheque à Justiça do Trabalho. (Art. 7° da Constituição Federal, Art 13 e 29 da CLT)

AND — Apesar da lei permitir as tais "cooperativas", existe algo ainda mais terrível que são as "falsas cooperativas". Como diferenciar uma e outra fatalidade? Os trabalhadores podem tentar reaver seu emprego?

— A diferenciação é simples. Se as desavenças do funcionário com a pretensa cooperativa é fundada na relação patrão-empregado — ou seja, se ele deve cumprir ordens como um assalariado qualquer — ele, na verdade, está sendo trapaceado, porque não recebe tratamento de cooperativado. Caso vá à Justiça do Trabalho ele pode não apenas exigir seus direitos como, inclusive, requerer a anulação da licença daquela falsa cooperativa.

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